Late Night Chat

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Harry sempre foi pontual.

Me surpreendia, na verdade, eu nunca o vi atrasado para absolutamente nada, nem mesmo quando me ligou dizendo que encheu a cara assistindo Game of Thrones e no dia seguinte teve de trabalhar. Eu sabia que ele chegaria às 18h52, já que combinamos 19h para assistir Rapunzel.

E eu estava em pânico já que não consegui levantar da cama o dia inteiro. Não porque não queria, mas eu estava fodidamente doente. Meu celular estava sem bateria em algum lugar e eu não conseguia me levantar para achar.

Deveria ter ouvido minha mãe quando dizia que sair na rua com cabelo molhado no frio era atestar a morte. Não achei que duas horas na neve me levaria a isso, uau, uma bela idiota. Agora, mais que isso, uma idiota doente.

Não quero que Harry venha. Me sinto deplorável.

A farmácia mais próxima fica há 20 minutos. Não consigo dirigir, meus olhos doem só de imaginar. Estou mais suada do que gostaria e meus dedos tremem. É certeza de uma febre alta, sinto minha garganta arranhada de tanto tossir.

Sempre achei ter uma imunidade alta, mas pelo visto estava errada: eu não consigo fazer absolutamente nada, como todas as vezes que fiquei realmente doente. Eu só consigo chorar.

Se estivesse em casa, minha mãe com certeza já teria feito oitocentos chás, brigado comigo e me levado ao hospital. O protocolo acaba quando ela me leva para casa e beija minha cabeça, sussurrando que vou ficar bem e me chamando de leãozinho. Sei que contaria ao meu pai e magicamente meu bolo favorito apareceria na mesa de jantar no dia seguinte. Agora parece uma memória vaga, o tipo de memória que traz lágrimas aos olhos.

Meus olhos transbordaram. Eu não tinha nem forças para me encolher.

Tudo acabou. Tudo. Não tenho minha mãe aqui, tampouco meu pai. Tudo acabou, tudo acabou por causa de Sam. Não só dele, mas de todos. Tudo acabou por causa de um casamento idiota.

E no final das contas eu era a vilã. Eu sabia que as pessoas estavam fofocando, que Sam estava falando tão mal de mim que se um dia voltasse, ninguém olharia na minha cara. Sam sempre foi previsível, aposto que vendeu uma história absurda e bancou a vítima.

A vítima, e eu era a vilã. A típica vilã.

O quarto estava escuro. Já era noite, eu não fazia ideia do horário, mas meu estômago revirou em antecipação, Harry iria chegar em algum momento com os cabelos escondidos num gorro cinza e sorriso afetuoso. Ele vai questionar sobre meu dia e reclamar que não tem comida na geladeira.

Eu queria ter preparado a sopa de legumes que uma amiga vegetariana me ensinou, como planejei. Queria ter feito pipoca e descido cobertores fofos, até preparei algumas piadas. Mas não consegui fazer nada além de encarar o completo vazio e chorar.

Patética, completamente patética. Não sei quanto tempo fiquei daquela forma, mas o barulho de dois toques na porta me assustou. Oh sim, era Harry. Ele provavelmente carregava uma quantidade considerável de doces e cigarros amassados, implicaria com a bagunça e deixaria os cachos úmidos respirarem. Meu corpo é como uma imensa placa de mármore, tateio o colchão e tento arrumar forças para levantar.

Foi mais difícil do que lembro, mas consegui ficar de pé. Meu nariz coça enquanto me arrasto para fora, os aquecedores não estão funcionando? Frio, muito frio.

Harry grita algo, não consigo entender, então tento apressar o passo e minha cabeça gira. É um clichê, mas não consigo focar em nada que não seja meu corpo pesado. É como se sacos de batata estivessem presos em minhas pernas e camadas grossas de gesso nos pulmões.

A campainha toca pela segunda vez, ainda estou na ponta da escada. Harry parece abrir a janela e escuto algo rasgar. Droga, minha cortina. Era uma boa cortina. Cedo a vontade do meu corpo e praticamente arrasto até o chão, minha cabeça apoiada na parede torna levemente melhor, mas a sensação ruim não vai embora.

Babe [H.S/PT-BR]Onde histórias criam vida. Descubra agora