Oshiro

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Yasu Oshiro

Eis a mente incompreendida, seus pensamentos imitam rabiscos e nuvens espessas com raios e a vezes furacões.

O físico de Yasu era bem compreensível e simples de descrever.

Cabelos pretos dois dedos abaixo dos ombros, um cabelo cheio.

A pele não era tão clara, um tom médio.

Os olhos pequenos e também escuros que sempre estavam semicerrados passando a ideia de que ela não queria conversar com ninguém, com um semblante fechado que lhe dava o aspecto de séria para negócios.

Não há muito o que dizer quanto ao seu físico, alta, postura aceitável, e um sinal claro na parte escondida de sua coxa esquerda. Ela apenas existe, no mundo ao qual sente que não o pertence.

Porém, em sua mente, em sua mente ela pensava demais. Seus pensamentos sempre além do básico que um pensamento normal deveria ir.

Multiplicava os problemas ao extremo, a troco de nada.

No dia posterior à festa, ela se despediu unicamente de Tenko, mas antes de sair casa do mesmo foi-lhe feito um convite por parte de Ichiro, sobre uma possível saída do grupo todo.

É claro que ela não iria, portanto fingiu nem ouvir.

Chegando em casa sentia a imensa vontade de estar em seu habitat. O quarto estava do jeito que ela havia deixado, as janelas e cortinas fechadas. O setup desligado parcialmente a não ser pelo mouse que trocava a cor da led de forma automática e sem sequência.

As paredes eram lilás, mas um lilás tão desbotado que parecia ter sido misturado com litros de tinta branca. No teto, a luminária em formato de balão ajudava no contraste; Terra dos sonhos, ou país das nuvens cor-de-rosa e quanto a mobília, móveis brancos estes que Yasu desejava trocar por um tom madeira.

Yasu não costumava se cansar ou ter tédio, algumas situações para ela duravam, como passar tempos encarando um ponto fixo com a mente limpa ouvindo duas horas de música. Mas se alguém vinha conversar, nem que fosse para passar informações básicas, lhe dava sono, irritabilidade e ela não tinha foco nenhum sobre as palavras, com isso ela suplicava a todos os seus neurônios para manter suas expressões faciais como a de uma pessoa que estava entendendo o assunto, para que não respondesse de qualquer forma e o mais importante, para que não se estressasse com as pessoas.

Não era descaso, apenas não conseguia.

Na escola ela costuma analisar cada um, de forma individual. Sabia o que sentiam pela voz, postura e a forma que passavam pela porta da sala. 

Por uma situação que aconteceu quando estava no segundo ano do fundamental, era sempre a primeira a entrar na sala.  Então era fácil encarar de forma discreta a face de quem entrava, as carteiras em duplas, mas ela fazia questão de colocar sua mochila sobre a outra cadeira, assim saberiam que não queria ser incomodada.

O problema das pessoas é que algumas faziam de tudo para não demonstrar fragilidade em público, outras demonstravam apenas a quem confiavam ou a quem o coração apelava para que dividisse aquilo com alguém. Para conseguir reprimir tudo que sentia era necessário um sentimento maior, e qual maior a satisfação para esconder o que está sentido senão oprimindo os inferiores.

Melhora insignificativa para os que estavam insatisfeitos e um declínio absurdo aos outros que não tinham nada a ver com a dor do outro. Porque a vida é sobre isso, certas pessoas são duras a ponto de morrerem jurando que não precisam de ninguém mas na verdade, elas precisam e precisam mais do que quem demonstra a dependência emocional, não que precisam de um ombro ou palavras de conforto. Mas sim de alguém que esteja pior, porque assim se tem a certeza de que nem tudo está perdido.

Pela postura perfeita na infância, nos seus nove anos, Yasu foi chamada para participar de uma apresentação escolar, ela seria a Dorothy, em um vestido azul claro com babados, meias e uma sapatilha branca. 

Dorothy.

Dorothy essa que nunca aconteceu graças a falta de voz da doce Yasu quando uma outra garota cuja decisão dos professores não a desceu foi questionar o que gerou uma briga, uma briga que não parou tão facilmente. Yasu ficou bons minutos durante uma semana inteira presa no armário, folhas de suas anotações encontradas completamente amassadas e riscadas encontradas soltas em seu fichário, sem contar da bola que lhe acertou em cheio no rosto na educação física, quarta-feira, segundo horário às 8:40 a.m. Sachiko negou até os fins que foi sem querer e conseguiu passar bem com sua mentira.

Sachiko era só mais um dos nomes, esperava que esta nunca mais voltasse na sua vida.

Yasu resistiu, achava que conseguiria resistir, mas ela não era a Super Pig. 

Adeus Dorothy.

Depois disso ela passou a ser ignorada, Sachiko inventou umas mentiras sobre Yasu e todos se afastaram, passado um tempo ela nem se importava mais, até porque no final da aula a mãe dela sempre a levava para passear no parque e tomar sorvete. Esse último detalhe foi acrescentado quando uma professora percebeu como Yasu ficava sozinha, comunicado com a diretora e assim, a observação foi passada a mãe dela.

Ela guardou até quando não pode sobre as piadinhas e ficar presa no armário, não queria dividir sua dor ou que alguém encarasse aquilo por ela, mas um alguém observava tudo, Tenko.

O bom garoto que assistia de longe, tentava ajuda para evitar que a menina se machucasse mais e mesmo não conseguindo no final dava um jeito de tirá-la do sufoco. Apesar de tudo ele nunca a viu chorar.

Ela achava ser a Super Pig, ou uma versão sem pilhas dela.

A medida que foram crescendo, Tenko percebeu que não compreendia muito a mente de Yasu, como a maioria. Mas sabia do que precisava para fazê-la feliz nem que por curtos segundos.

Ela até conhecia pessoas em momentos específicos, momentos em que alguém se aproxima por interesse e obrigação, e eram nesses momentos que ela percebia que nunca seria a pessoa favorita, aquilo de ser a única que importaria. Quando o sentimento passava, Yasu gostava de pensar que enquanto não tivesse uma alma ligada a ela não teria decepções maiores para encarar.

O tempo lhe fora generoso ou não, sentia que nunca foi apegada a sua aparência ou a um estilo de roupas, somente o básico, um banho, cabelo limpo e desodorante, até porque se quisesse se arrumar para algo mais preciso existia os tutoriais na internet para tal. Havia mudado, claro, como toda criança passa pela metamorfose que lhe será lucro ou motivo de bullying no ensino médio, durante a transição da abençoada puberdade. Ela cresceu, seu cabelo não perdeu os resquícios de ondas que tinha durante a infância, seus lábios ganharam um preenchimento leve e natural, seus hormônios também foram generosos e contribuíram para um crescimento dos seios, isso de certa forma aumentava sua autoestima quando ela estava a sós no seu quarto e usava um sutiã ou toper que realçasse ainda mais seu corpo.

As vezes ela adorava colocar uma blusa onde caberiam duas Yasu juntas, sem usar nada que lhe prendesse demais desligar uma das luzes do banheiro e deixar a mais distante do espelho acesa dava um contraste muito maneiro e inexplicável, tudo isso com mais uma playlist pronta que achara no aplicativo no qual escutava músicas.

Era perfeito.

Se sentia o centro do mundo, mesmo que aquilo não fosse mostrado para o globo todo, para ela já era simplesmente fenomenal.

Burn Dabi - Touya TodorokiOnde histórias criam vida. Descubra agora