A massa vergou-se até atingir a outra borda, grudou-se nela e, por um tempo, pareceu uma gorda bola de cuspe ou vidro derretido, mas se arrastou toda até estar completa de novo. As esperanças do homem de que ela não se firmasse e caísse desapareceram.
Eriksson olhava para trás de vez em quando e a amaldiçoava, descrente com a insistência da criatura. Tinham de se livrar daquilo.
Manquitolou por muito tempo em companhia de Lars, que sempre o impelia ao notar que estava cedendo ao cansaço, rosnando incessantemente para a massa incansável, até que viu o fim da linha.
Não tão longe, o túnel tinha outra seção destruída e Eriksson soube que aquela eles não conseguiriam saltar. A extremidade oposta ficava longe demais. O som firme sob seus pés também se tornava incerto. O vidro estalava como o gelo fino do lago de sua infância. Começava a trincar em certos pontos, a superfície lisa enchendo-se com ranhuras que se alargavam.
Havia uma pilha de caixas sobre um carrinho de cargas deixado bem próximo de onde o corredor cedera de todo. Nele havia todo tipo de ferramentas, cilindros com o símbolo de uma chama vermelha e, ao que lhe parecia, mantimentos nas tais caixas. O luar era abundante ali e o homem compreendeu algumas das figuras nas latas. São alimentos, pensou com o estômago roncando.
No entanto, não tinha tempo para aquilo, por mais que quisesse. E também, a sua atenção fora fisgada por outra coisa: se conseguissem escalar o carrinho e subir até o teto, poderiam seguir caminho e talvez livrar-se daquela massa. Ao contrário do chão, a parte superior do túnel não cedera totalmente.
— Terá de ser por aqui, Lars.
O cão olhou desconfiado para seu humano. E Eriksson o acalmou:
— Vou te colocar lá em cima, bobão!
Isso se tudo não ceder assim que pusermos os pés ali.
Não cedeu, apesar de não terem sido nem um pouco delicados. Definitivamente movimentos controlados estavam fora de questão quando um ser imparável alcançava seus calcanhares.
Lars, graças ao deus de Eriksson não era estúpido e subiu sem hesitar através de cada ponto que via o humano galgar. Uma vez no alto, o homem o pegou e ergueu até que suas patas encontraram alguma firmeza para que se içasse sozinho. Após vê-lo a salvo, Eriksson saltou (rezando a seu modo para que conseguisse de primeira – a ideia de cair e fazer com que tudo despencasse arfando em sua nuca) e se segurou na borda do teto. Perfeito. Se o vidro aguentasse, poderia dar certo!
O malamute, como anteriormente, passou a puxá-lo, facilitando sua subida e a empreitada fora concluída bem a tempo: as pernas de Eriksson ainda balançavam no ar quando ele sentiu a presença da gosma passando a engolir o carrinho e as caixas.
O pânico em ser agarrado dera-lhe forças para não deixar o cansaço que sentia vencer, mas também criava imagens terríveis em sua cabeça. A massa iria subir, iria se grudar ao teto e... bem, ele não sabia mais o que fariam se a situação chegasse a tal ponto. Pare! Pare com isso. Não está servindo para nada!
Já do lado de fora, em meio à neve que se acumulava no vidro, restava esperar. A bolha engoliu o carrinho e passou de fato a se esticar outra vez, tentando alcançar o teto. Entretanto, seu peso devia ser muito maior que o de um homem e seu cão, pois mesmo lá de cima Eriksson pôde ouvir quando o chão instável lá de baixo se trincou e despedaçou, levando para a escuridão do abismo a criatura amorfa.
A massa negra não emitiu um único som ao desaparecer para sempre.
De longe, em algum ponto dos escuros corredores de onde haviam escapado, Eriksson ouviu o lamento da parte restante da massa negra, um fraco Tekeli-li trazido pelo vento.
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Renascido para a Loucura
HorrorEm 1930, uma ousada expedição fora posta em curso. Saído de uma universidade em Arkham, na Nova Inglaterra, para o gélido deserto antártico, um grupo de exploradores dispostos a desbravar novos territórios de um continente quase intocado pelo homem...