Capítulo 10

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O explorador deixou a ancestral usina, exaurido, lutando – agora consigo mesmo – para apenas não desistir de tudo e reunir-se ao seu único amigo nalgum lugar melhor, se existisse um. Chorava, rosnava ameaças ao ser que causara aquilo e compreendia que nunca mais sua mente voltaria a ser sã; o estudante que deixara seu mundo para trás e fora explorar os confins de uma terra inóspita e cheia de segredos não existia mais.

Em seu lugar, agora havia um homem mergulhado em medo, raiva e loucura. Lembrou-se de Eugene Dusfrane; ele também deixara seu lar para impedir que uma ameaça latente um dia viesse cobrir-nos a todos com sua sombra. Apesar de aquela cidade e seus habitantes, pelo que lhe dissera Danforth, tendo se atrevido a estudar os livros proibidos, era apenas mais um de inimagináveis horrores que espreitavam pelo véu da ingênua normalidade em que acreditamos viver.

Se ao menos pudesse encontrar uma daquelas bombas, levar adiante os planos do homem de extinguir aquele lugar. Mas acreditava que suas armas atômicas tinham ido parar no fundo de algum abismo sem fim (como Lars, pensou e rangeu os dentes de ódio). Se assim fosse, tudo o que restava era escapar e contar ao...

Contar o quê? A quem? Dyer fez isso, seu idiota! Ninguém deu a mínima.

A ganância, o desejo de ter sua porcaria de nome registrado na história, sempre faria com que tolos como eles atraíssem para si mesmos o próprio fim. Pensou na vida que poderia ter tido, cuidando da fazenda de sua família, ao lado de uma boa esposa, um cão que lhe despendesse metade do amor que Lars lhe dera e amaldiçoou-se pela decisão de ter deixado tudo isso para trás em busca de estúpidas aventuras.

Uma rachadura na parede da usina, ainda longe, deixava o luar penetrar. Viu um vulto passar por entre antiquíssima maquinaria ligada a fios e dutos que corriam pelo chão; se fosse a coisa estelar, Eriksson a enfrentaria. Morreria, era certo, mas se pudesse partir sua cabeça hedionda antes disso, o faria. No fim, não passara de uma daquelas tristonhas aves cegas, vagando perdida.

Eriksson chegou à parede esboroada. Neve se acumulava até quase metade da fenda. Escavou sua saída sem perceber que chorava o tempo todo. Era para os dois, e não apenas ele, estarem deixando aquele prédio. Nunca saberia se Lars sacrificara-se, ou se fora enfim dominado; só que jamais o esqueceria.

A viela que o recebera do lado de fora era outro convite a se perder para sempre naquele lugar caso se aventurasse por suas incontáveis ramificações; seguiu o plano que se propusera: sempre em frente. Ao final daquele estranho gueto com muralhas e elevadas sacadas, pontes que o cruzavam aqui e ali, chegou aos imensos portões que davam para o que supôs ser uma necrópole. Quem fosse aquela raça, aparentemente seguiam conceitos semelhantes aos dos humanos para com seus mortos.

Se a ideia não nos fora plantada por eles, pensou.

Sim. Sem dúvida tratava-se de um cemitério. Porém, no lugar de túmulos ou de altivos mausoléus, as tumbas eram singulares construções verticais de pedras negras naquele formato estelar que reverenciavam e marcadas por mosaicos que certamente contavam a vida dos que ali repousam. Outras tinham fileiras de runas ininteligíveis e Eriksson notou que não havia neve ali, maculando seu campo sagrado. Olhou para cima e um pouco de sua ira se dissipou. Encontrou respeito, o mesmo que teriam eles, os homens, por seus mortos.

Uma curiosa estrutura de teto duplo, naquele vidro quase inquebrantável, era de se presumir, preservava a dignidade do local. O primeiro teto era plano e diversos daqueles sistemas de reflexão vistos por ele na velha central de cargas permitiam que o luar banhasse suas tumbas; o segundo, muito íngreme, recebia a neve e a deslizava para longe. Mentes impressionantes, não tinha como negar.

Pinguins albinos caminhavam em meio os monumentos estelares, grasnando, em paz, fazendo companhia aos mortos de éons.

Conforme cruzava o cemitério, permitia-se contemplar uma ou outra tumba de maior importância, cheias de detalhes que denotavam conter importantes membros daquela sociedade primeva, sempre pensando em como certas coisas nunca mudam, mesmo na morte, na vastidão das eras que os separavam, os grandes tendo destaque, acima daquelas simplórias pilhas de pedras não tão bem erigidas por toda parte.

Renascido para a LoucuraOnde histórias criam vida. Descubra agora