Eriksson subiu cada degrau como um bebê tentando alcançar um brinquedo no alto. Lançava o saco com as provisões para o degrau acima, pegava Lars e o impulsionava. Quando o cachorro estava seguro, o homem saltava, agarrava a borda e se içava. Nos três primeiros degraus o cão o havia encarado e deixado claro que não gostava de sua ideia, mas logo compreenderia que seu humano não iria deixá-lo e então a coisa toda se tornaria mais fácil.
Ou não.
Quarenta degraus (que mais pareciam patamares) depois, a temperatura tinha caído bons dez graus, e os braços e pernas de Eriksson tremiam como se seu cérebro enviasse ao corpo, sem parar, a mensagem de que ele estava enterrado na neve.
Quando um Lars ofegante se arrastou para longe da borda e Eriksson escalou o último obstáculo, sem que tivessem sequer de olhar um para o outro em aprovação, os amigos deitaram-se e se permitiram respirar em paz.
O explorador não sabia que membro massagear primeiro, tudo nele queimava. Engatinhou até a beira, olhou para baixo e tudo que viu foram trevas. Por outro lado, o caminho por onde teriam de continuar apresentava um luar tão intenso que fazia o salão parecer banhado em prata.
O ar estava menos revolto e era possível enxergar mais longe. Enfim ele podia ver algo que não aqueles infindáveis paredões de rocha. Havia fileiras de janelas que o tornavam minúsculo quando diante delas. A visão era nada menos que espantosa.
Contemplava de cima uma daquelas abóbadas que se fundiam ao negro basalto das montanhas. Além dela subiam torreões de blocos cinzelados e que se uniam ao céu; Eriksson arquejou quando teve revelada a grandiosidade da cidade ao perceber que a ciclópica muralha que antes pensara ser tudo o que existia lá fora, era somente a lateral de uma das torres.
— Santo Deus, Lars!
Entre uma e outra daquelas medonhas construções as quais o topo jamais se via, derramava-se um mar de telhados, grandes mansardas, balcões e varandas com bordas indefinidas. Seus ângulos e disposições não faziam sentido, traziam outra vez a sensação de estar em outro planeta, escuro e selvagem.
Jamais se atrevera a lê-los, porém, Vincent Danforth que o fizera, lembrava-se bem agora, contara-lhe passagens de tomos blasfemos que descreviam lugares assim: Irem, a cidade dos mil pilares, enterrada nas areias da Arábia; a magnífica Atlântida; a ilha invisível e sem nome de onde fluiria a fonte da vida ou R'lyeh, o abjeto sepulcro marinho do Grande Cthulhu. Todos constavam nos heréticos volumes guardados na biblioteca da Miskatonic e ninguém que os estudasse tornava a enxergar o mundo da mesma forma que antes.
Por que, Deus? Por que fora tão difícil acreditar que tais coisas pudessem de fato existir? Seguindo o exemplo de Tomé, Eriksson não se deixara levar por nada que não pudesse ver ou tocar.
Pois bem, eis sua prova.
Abdul Alhazred já não soava mais tão louco.
Não... Nem ele sabia da existência desse lugar. Mesmo o poeta insano de Sanaa não fazia ideia daquele horror nos confins do mundo. Quaisquer que fossem os cruéis demônios que lhe sussurravam as blasfêmias que ele transcrevia para seu Livro dos Mortos, haviam guardado para si tal segredo.
As janelas do lado oposto davam para um balcão que poderia comportar uma centena de Erikssons e abaixo dele ficava o que talvez tivesse sido uma praça. Tinha uma enorme forma de estrela de cinco pontas erigida bem no centro, uma fonte, ele presumiu. Tentava imaginar como teria sido aquilo em seu auge, cheio de seres vindos da imensidão do cosmo e...
— Lars, você está ouvindo esse barulho?
O cão definitivamente estava. Balançava o rabo e olhava apreensivo para algum lugar à frente. Não era um som ameaçador ou sinistro como os das coisas nas trevas de onde vieram; pareciam... grasnidos?
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Renascido para a Loucura
KorkuEm 1930, uma ousada expedição fora posta em curso. Saído de uma universidade em Arkham, na Nova Inglaterra, para o gélido deserto antártico, um grupo de exploradores dispostos a desbravar novos territórios de um continente quase intocado pelo homem...