Capítulo 3

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Eriksson assustou-se quando um jato de ar velho escapou enquanto a porta corria, como gás chiando de uma vez de uma garrafa de refrigerante. Ventou em seu rosto numa lufada quase adocicada e o fez recordar especiarias e frutas secas. Não achou que o recinto estivesse pressurizado ou que não haveria oxigênio do outro lado, pois pôde respirar normalmente. Era só o ar de uma câmara selada. Recordou-se de alguém chamado Carter e seu soturno relato depois de abrir a tumba de um rei que chamavam "Faraó", explicando exatamente esse tipo de descompressão quando então quebraram seu lacre real e a adentraram.

Um lugar encerrado por tempo demais, isolado do resto do mundo e que assim deveria permanecer para sempre. Memórias inteiras de histórias que não imaginava poder saber vinham às vezes todas de um golpe só. Outra delas fora a do terrível medo que se espalhou à época de tal descoberta, o temor que uma maldição caíra sobre os violadores do túmulo daquele governante... Inca? Sumério? Egípcio! Isso mesmo! O Rei Menino era quase como um deus para os egípcios – ainda que o significado de 'egípcio' talvez somente lhe ocorresse mais tarde.

Ainda perturbado, o malamute tentou apanhar o braço monstruoso da mão de Eriksson quando este se distraiu e o abaixou por um momento. O homem o afastou e tornou a erguê-lo bem alto. Poderia ainda precisar da coisa.

Hesitou ao pôr os pés naquela nova sala. E se danações semelhantes as que os exploradores enfrentaram o aguardassem?

Lars, que nada entendia a respeito de múmias ou maldições, tomou a frente e foi explorar a nova câmara. Algo atraíra seu faro, fazendo-o esquecer-se até mesmo do odioso objeto que o outro tentava manter longe de seus dentes. Eriksson ainda não se considerava pronto, mas seguiu-o assim que viu o cão desaparecer nas sombras.

Via muito pouco na penumbra que pairava na sala: somente os pés de alguém morto. Soube não só pela palidez revelada através do luar mais intenso que banhava o aposento vizinho, mas também porque seres mantidos fora do líquido nos tubos como o que ele despertara não permaneciam vivos por muito tempo; a carcaça de cachorro e o pobre esqueleto atrás dele atestariam isso, sem dúvida.

E quanto ao outros homens? Era um ótimo apontamento. Seus corpos estavam consideravelmente conservados, não é?

— Acontece, gênio, que eles devem ter morrido pouco antes de você despertar ou reviver... Não acha? Talvez tenham sofrido algum ataque fulminante.

Eriksson agradeceu por não poder enxergar com clareza assim que o corpo que tinha visto sobre a mesa metálica (tão alvo quanto ele próprio) começou a se decompor com uma rapidez apavorante. O cadáver, Eriksson pensaria depois, desmanchava-se como uma camisa de lampião. Fazia sentido: elas também se tornavam pó ao serem tocadas por mãos, ainda que pudessem manter-se intactas por anos a fio quando em repouso absoluto, protegidas por um vidro.

A sala estivera lacrada sabe-se lá quanto tempo, e o que nela descansava teria se mantido intacto até o final dos tempos se não fosse por sua intromissão. Lake volta-e-meia falava a respeito da preservação de espécimes em diversas condições, mas ele também estudara por conta sobre o assunto. Todos de sua equipe precisavam saber um pouco de tudo, era uma exigência de Dyer.

Dyer?

— William.

O nome foi tudo o que pôde raciocinar antes de ter a mente empurrada para as fossas infernais. Somente lá, se tal região esquecida de fato existisse fora dos ardentes ensinamentos de sua devota mãe (Deus do Céu... Mamãe; eu tenho uma mãe.), poderia feder tanto a ponto de causar-lhe tamanha náusea e uma crise de tosse.

Gases saíam por todos os orifícios do corpo na mesa, arrotos, flatulências, uma sinfonia fúnebre.

Lars já ladrava furiosamente de novo. E desta vez, conseguira algo que pudesse despedaçar. Eriksson não sabia o que era, apenas que não oferecia resistência. Claro, como qualquer coisa viva e consciente poderia existir naquele lugar?

Renascido para a LoucuraOnde histórias criam vida. Descubra agora