Capítulo 2

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A tremeluzente irradiação que ele ainda não sabia ser o brilho da lua e de um fraco sol da meia-noite permitiu que enxergasse o lugar onde estava. Era uma cápsula vítrea no formato de tubo, entretanto maior e diferente da que vira a criatura marinha de Lake. Ficava sobre uma plataforma com inúmeros fios e tubulações que se ligavam a ela e também corriam pelo chão, sumindo nas sombras poucos metros além.

Outra recordação o assaltou: um livro ilustrado (Já se lembrava do que eram livros e de que costumava lê-los com avidez.) que ganhara de alguém. O autor, que era o termo dado a quem os escrevia, ele não recordava, mas da história, sim. Tinha algo a ver com uma ilha e um cientista, como Lake, que criava abominações humanoides a partir dos animais que lá viviam.

Uma das figuras mostrava o laboratório do degenerado geneticista, um lugar inóspito, repleto de tubos como o que o aprisionava e meio tomado pela vegetação que invadia as rachaduras nas paredes cinzentas. Bizarras criações jaziam em um fluido verde claro e luminescente: seres com diversos membros, chifres, hirsutas pelagens e faces que exibiam um sofrimento inexprimível. Também havia fetos, insetos imensos e lívidos órgãos flutuando naquelas soluções químicas.

A luz mudou suavemente de posição e ele pôde ver que à sua volta havia mais cápsulas. Teria mais alguém ali, qualquer ser pensante com quem pudesse falar?

— Tem... — sua voz não saía perfeita, ainda não, tinha muito que exercitá-la para que soasse como acreditava ser com sua espécie. — Alguém pode me ouvir?

Nada.

Conseguia ver agora parte dos tubos de contenção vizinhos ao seu. Num deles havia um tipo de tapete asqueroso, mas não era isso, conhecia a textura de um tapete como se sempre tivesse caminhado por eles, até mesmo se deitado sobre um, e aquilo não podia ser... É uma carcaça. Claro! Alguém com quem vivera aquela outra vida antes dessa, costumava apanhar animais mortos e empalhá-los.

Não era um passatempo muito normal, como cozinhar ou colecionar miniaturas de soldadinhos da Guerra Civil, tinha ideia ser coisa de gente... excêntrica. Taxi... Não, táxis eram robustos Fords amarelos com letreiros luminosos. Taxi... Taxidermia.

É uma taxidermia mal feita. Ou está aí desde sempre.

Talvez fosse a segunda opção. Aquele bicho ressecado dentro da cápsula devia estar morto há décadas. A pelagem que se esfarelava era branca e cinzenta e a cabeça exibia um focinho longo, esburacado e através dele podia-se ver fileiras de dentes que poderiam destroçá-lo – caso ainda vivesse.

Está morto desde que Jesus andou na Terra. A conjectura causou a estranha sensação de cócegas em sua barriga, subiu e fez com que um sorriso surgisse. Rir. Eu estou rindo, e é gostoso. Pouco poderia dizer sobre quem era Jesus, mas de todo modo, poder alegrar-se era bom.

Inspecionar o outro tubo, no entanto, o fez parar de rir. A coisa imóvel dentro dele não era mais que um monte de ossos. Um esqueleto. É assim que sou por baixo dessa coisa macia, pensou, correndo uma mão pela pele do braço.

E seria como ficaria se não desse um jeito de escapar daquele tubo. Acreditava que a ossada era de alguém que tivesse despertado ali igual a ele, mas muito tempo antes e que morrera preso àquele túmulo de vidro. Mas como? Talvez de sede ou fome, supôs, sentindo a garganta áspera e o estômago roncar. O que o mantivera vivo havia sido aquele líquido viscoso, estivera em suspensão.

Mas o que é isso?

Partes do livro sobre a ilha habitada por monstros voltaram e ele recordou que o vilão, o geneticista corrompido, mantinha vivas aquelas criaturas nos tubos. Apenas dormiam, esperando pelo momento em que as libertaria para viverem suas miseráveis existências por conta própria.

Renascido para a LoucuraOnde histórias criam vida. Descubra agora