Epílogo

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Os gritos de Eriksson se perdiam na cacofonia da batalha; ele olhou para o demônio que o carregava e ficou sem ar ao encontrar aquelas fendas em brasa que eram seus olhos. Saindo na nave principal do templo, passaram como morcegos do inferno pela tenente ferida e tomada de pavor.

— ERIKSSON! — desesperou-se ela, mas em um segundo não estavam mais lá. Seus vultos haviam passado pela porta e ganhando os céus lá fora.

As últimas habitações do decrépito distrito passaram num borrão. Eriksson pôde ver os destroços carbonizados de uma estranha aeronave pouco depois dos limites entre a cidade e o deserto. Ainda soltava uma coluna de fumaça escura. Mesmo terrificado, ele não conseguiu deixar de pensar em Dhalia e que se a cientista não enviasse sua gente em outro heli-sabe-se-lá-o-que para salvá-la, a jovem logo morreria.

Curiosamente, não se importava mais consigo mesmo. Se não a tivesse achado no templo, provavelmente já teria virado uma estátua de gelo arriscando-se nos ermos adiante. Se a sombra alada o levava até seu amo (como a pedra afinal de contas havia lhe mostrado), tudo o que poderia fazer era aceitar e morrer tentando impedir os seres de deixarem aquele lugar.

Se eu pedir com educação, talvez possam dar meia-volta.

Seu pensamento alienado foi interrompido por um XION! que veio de trás deles. O ar aquecera-se por um momento quando o raio de energia passou a centímetros das asas do ser de sombras. Eriksson olhou de onde viera o disparo e ficou quase feliz por ver que cinco daqueles vigorosos Grandes Antigos perseguiam o demônio. Sua alegria só não era completa porque sabia que tudo o que lhes interessava era o trapezoedro e que se destruíssem o inimigo (causando uma queda fatal para ele), apenas desceriam até seu corpo quebrado, pegariam a pedra e voltariam para sua batalha.

XION!... XION!...

— Parem com isso! — gritou inutilmente.

Contudo os Pepinos de fato cessaram fogo. Não por consideração ao inseto que portava sua relíquia sagrada, mas por terem sido transformados em nuvens de cinzas. Eriksson arregalou os olhos quando foram desintegrados, então se virou para frente a fim de ver o que lhes atacara e notou duas coisas: o demônio descia com ele, e a neve alva que a tudo cobria havia se tornado escura, como se atingissem a sombra de uma montanha.

E era mesmo uma montanha.

Eriksson quase largou a pedra. Sua bexiga verteu o restante da água que tinha bebido aos litros com Lars e lá no fundo de sua mente ele sentiu algo se trincando; as últimas defesas de seu cérebro contra a total insanidade, talvez.

Ele ainda gritava, urrava e se esperneava quando a coisa de sombras o colocara no chão. Se gritasse mais alto, sua garganta e seu coração explodiriam.

Caiu de joelhos na neve, entregue. Como pudera pensar que impediria aquilo?

Não me admira Danforth ter enlouquecido. E aquele fora seu último raciocínio de mais tênue lógica.

Era como na hedionda visão concedida pelo Trapezoedro Brilhante, mas muito, muito pior. Estar ali aos pés (Pés?! Aquilo não eram pés!) da montanha viva, um deus pesadelar cujo topo nem ao menos podia ser visto por esconder-se entre as nuvens de tons que se tornavam mais e mais rubros, nuvens que carregavam uma tempestade de raios e trovões, faziam a palavra 'pior' perder todo o sentido.

Não passava de uma formiga perto do colosso que estacara suas passadas que cobriam uma centena de metros cada e faziam tudo ao redor tremer. A entidade devia ter pelo menos dois quilômetros de altura, mas Eriksson não tinha o menor equilíbrio mental para convertê-la em Erikssons. Era apenas gigantesca para lá de qualquer ser que já vira – mesmo em seus mais loucos devaneios.

Renascido para a LoucuraOnde histórias criam vida. Descubra agora