01 | Um corvo na toca

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Nathaniel Wesninski estava tendo um dia de merda.

Sua mão esquerda massageava seu pescoço freneticamente, tentando aliviar o torcicolo resultante da noite mal dormida no carro roubado.

Finalmente tirando a chave da ignição, seu olhar se voltou para a vista à sua frente. Acostumado com Evermore, o estádio da Universidade do Estado de Palmetto não fez seus olhos brilharem, mas ele se sentiu aliviado. A grande pata de raposa impressa na fachada poderia tê-lo feito gritar se não fosse seu estômago embrulhado e a dor que sentia pelo corpo todo.

Ele sabia que, mesmo se houvesse alguém treinando àquela hora da manhã, ele não conseguiria entrar sem a senha, mas seu objetivo era outro. Ele saiu do carro com cuidado, olhando para os lados, com tudo o que precisava nos bolsos de seu moletom.
À longa distância, ele podia ver algumas pessoas espalhadas pelos arredores, mas o campus estava bem calmo e silencioso já que as férias tinham começado e provavelmente só os atletas e os estudantes com pendências iam ao campus. Nathaniel se lembrou da prova que tinha que fazer no dia posterior e quase gargalhou. Reprovar em uma matéria deveria ser a coisa mais normal que ele já tinha feito.

Com o capuz sobre a cabeça baixa, Nathaniel passou por uma entrada aleatória e andou por corredores desconhecidos, mas ele não estava tão preocupado no momento, afinal estava em um campus universitário, encontrar um banheiro em um lugar que não conhecia era, provavelmente, a tarefa mais fácil que já fizera em sua vida.

Assim que seus olhos captaram as palavras impressas em cima de uma porta azul à sua direita, ele entrou e foi direto verificar as cabines e fechar o basculante pequeno. Depois se voltou para a porta novamente e pegou do bolso sua trava de segurança portátil, já que era de se esperar não haver chave em um daqueles banheiros. Ele sempre havia detestado olhar para aquele apetrecho desde que o comprara, há anos atrás, porque era mais um lembrete de que não estava seguro em lugar nenhum, mas ali, travando a porta e conseguindo alguns minutos de privacidade em um espaço fechado, se sentiu extremamente contente.

Girando em seus calcanhares, ele se olhou no espelho e fez uma careta, estremecendo um pouco. O laranja forte de seu cabelo estava notavelmente sujo, seus olhos azuis estavam sem vida, o número 4 gravado abaixo de seu olho parecia apagado e o que mais se destacava em seu rosto era o tom arroxeado forte em sua mandíbula que doía ao menor toque. Tomado de surpresa, percebeu que era a primeira vez que não se parecia tanto com seu pai, mas isso não o fez saltitar de felicidade. Preferia se parecer com ele assim, machucado e assustado. O que mais o irritava era que seu pai estava lá em seu rosto nos melhores momentos, quando ele sorria, fazia piadas ou vibrava com a vitória de um jogo. Ele detestava que, em suas memórias, Nathan sempre estivesse bem. Ele nunca via semelhança entre eles quando Nathaniel chorava ou implorava, gritando de dor.

Fechando os olhos por um momento e se livrando desses pensamentos, ele se lembrou de ser prático. Então, esvaziou seus bolsos na pia e tirou, com cuidado minucioso, suas roupas e tênis, dando uma verificada analítica em todas as partes de seu corpo.

Se Jean visse os pontos desleixados à mostra em seu peitoral, ele xingaria Nathaniel em todos os idiomas que sabia por esse descuido. Mas o garoto não estava acostumado a ter que se costurar. Na verdade, ele era muito bom nisso, o que era bem triste de admitir (a prática leva à perfeição, oras), mas só quando se tratava de dar pontos em outras pessoas. Antes, ele nunca tivera que fazer isso em si mesmo. Jean sempre estivera com ele, mas não no dia anterior e nem na semana passada. Ele já não estava mais com Nathaniel fazia um bom tempo.

Nathaniel mordeu o interior da bochecha e se aproximou mais do espelho. Ele lavou as mãos da melhor forma que conseguiu e olhou para as coisas que havia comprado em uma loja de conveniência em um posto ao chegar na Carolina do Sul. Ele abriu a embalagem do sabonete e com ajuda de um pano pequeno e água, limpou a ferida, trincando os dentes e tentando pensar em qualquer coisa menos no machucado que ardia. Isso era um pouco difícil de fazer já que suas últimas horas se resumiram em apanhar e sentir dor,  então se contentou em cantarolar baixinho uma canção que cantava com a mãe quando era pequeno.

HURT ROADOnde histórias criam vida. Descubra agora