04 | A calmaria antes da tempestade

261 50 10
                                    

— Tem algum apelido pelo qual posso te chamar? — Abby perguntou, horas mais tarde, no jantar.

Depois de ter conversado com Kevin, Nathaniel se entregou ao sono no novo quarto, resguardado pela promessa do mais velho de estar ali presente. Quando acordou, o sol já estava se pondo, mas Kevin ainda permanecia no mesmo lugar, sentado na poltrona ao lado da cama, de fones, vendo uma partida de exy pelo celular. Minutos mais tarde, Andrew chegou de carro e apenas buzinou, não fazendo questão de entrar. Day prometeu que no dia seguinte estaria de volta e foi embora com o loiro. Já ele ficou se revirando na cama, olhando para a porta fechada. Ele podia escutar o som de passos pela casa e o barulho da televisão, mas não estava nem um pouco empolgado de ter que encarar Abby sozinho. Quando finalmente começou a achar que ia morrer de tédio, a enfermeira bateu na porta, fazendo a nuca do garoto se arrepiar e seus olhos se arregalarem um pouco antes de se acalmar. Abby o informou, com a porta ainda fechada, que o jantar estava pronto e então ele se fez levantar e encarar seu mais novo medo - uma mulher loira baixinha e simpática. É claro que também ela não tinha o obrigado a ficar sentado na mesa e comer com ela, mas estava implícito, pelo menos parecia que sim, então se sentou obediente; ele estava contente em ver apenas o lado gentil de Abby, ele não sabia se ela escondia outro menos simpático e não estava afim de descobrir.

A pergunta sobre seu nome o pegou desprevenido e, por um momento, ele só pôde encarar Abby, paralisado, com o garfo cheio a caminho da boca.

— Desculpe, não quis parecer invasiva...

— Neil — ele respondeu em um fiapo de voz. — Neil seria... bom.

— Tudo bem, Neil. — Abby concordou, abrindo um sorriso e se servindo de um pouco de suco. — Sei que pode ser um pouco estranho ficar aqui comigo, mas amanhã os garotos virão para cá e você vai ter pessoas da sua idade para conversar.

Nathaniel decidiu ficar calado quanto a isso. Ele não estava nem um pouco animado para o dia seguinte, preferia ficar naquela casa apenas com Abby, por mais que fosse um pouco desconcertante, do que conviver com os novos amigos de Kevin.

— Você não liga? — perguntou e Abby estreitou os olhos, confusa. — Digo, abrigar eles nas férias — a mulher franziu o cenho, ligeiramente pensativa sobre como responder e Nathaniel estalou a língua. — Deve ser horrível.

Deixando o garoto surpreso, Abby soltou uma gargalhada.

— Acho que você não teve uma boa primeira impressão deles, não é mesmo?

— Pelo que parece, eles não são muito receptivos com ninguém, então não fiquei pessoalmente ofendido.

Abby encarou o tampo da mesa por alguns segundos, deixando o silêncio se instalar. Ela parecia meio incerta sobre o que dizer, mas pigarreou e voltou seu olhar para o garoto.

— Todos passaram por muita coisa. Ao mesmo tempo que isso pode unir, também pode separar. Infâncias difíceis, mas diferentes. Acho que... entender a dor do outro é muito complicado. E não estou dizendo isso como uma desculpa, mas há uma certa proteção entre esses meninos. E, consequentemente, um certo impedimento de chegar perto deles — ela deu um meio sorriso. — Mas não fique preocupado e nem envergonhado.

— Envergonhado? — Nathaniel estreitou os olhos, fingindo não entender, mas já sabendo o que ela queria dizer com isso.

— Suas cicatrizes — foi direta, o que surpreendeu o garoto. Ele ficou se perguntando quantas situações horrendas ela já tinha presenciado ao fazer um check-up em cada membro daquele time.

Ele sentiu um gosto amargo na boca. Seu pai ficaria enraivecido se soubesse que Nathaniel e as raposas estavam sendo vistos como iguais. Mas, claro, a culpa seria dele mesmo.

HURT ROADOnde histórias criam vida. Descubra agora