10 | A ponta do iceberg

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— Neil, podemos conversar?

O garoto em questão se virou, vendo Kevin parado atrás dele, com as mãos enfiadas nos bolsos posteriores da calça. Estavam a uma pequena distância do estádio.

— O que foi? — Neil não tentou esconder a rispidez.

De todas as pessoas ali, Kevin era, supostamente, o mais confiável. Ele estava cansado de se decepcionar com o mais velho. Na Virgínia, Neil era mais próximo de Jean e Kevin de Riko. Apesar de sentir que se importava mais com Kevin do que o contrário, Neil estava acostumado. Agora, na Carolina do Sul, no fundo, ele esperava um pouco mais de companheirismo, por terem vindo do mesmo lugar e dividirem momentos e sentimentos que os outros do time não podiam entender. Mas Kevin tinha posto outras pessoas na frente de Neil mais uma vez. Eles se conheciam desde crianças, mas meses com Andrew pareciam valer mais.

— Olha, eu sei que...

— Não, você não sabe — Neil o interrompeu, aumentando o tom de voz. — Ele tentou me drogar, não tentou?

Kevin apertou os lábios.

— Tentou, mas não aconteceu.

— Você está de sacanagem? — Neil soltou uma risada seca. Sua raiva estava crescendo, ainda mais agora que tinha a completa certeza de que Andrew tinha tentado lhe drogar. — Você sabe o quanto eu detestava tudo o que acontecia nos corvos; a sensação de ser forçado a fazer algo, de te drogarem à força. E quando eu acho que poderia finalmente me livrar da sensação de dominação, tentam me passar para trás de novo e você é simplesmente conivente com a situação.

— Andrew não ia fazer nada com você. Eram apenas perguntas. Ele me garantiu.

Neil avançou, levantando a mão e empurrando o ombro de Kevin com força. O mais velho se desequilibrou levemente e o ruivo procurou seus olhos, o olhando profundamente enquanto falava: — Quando você vai parar de olhar para o próprio umbigo e ser um pouquinho mais empático? Eu sei que não fui muito sensível à sua situação e sei que, apesar de termos crescido no mesmo lugar, nós lidamos com isso de maneira diferente, mas eu estou cansado, Kevin, e não estou pedindo muito de você, eu nunca pedi.

Os dois se encararam por um instante que pareceu uma eternidade. A expressão de Kevin mudou, uma angústia não proveniente do medo como de costume. Ele abriu a boca algumas vezes, como se tivesse muito a dizer, mas demorou bastante até formular as duas palavras que saíram de sua boca.

— Me desculpa, está bem?

Neil levantou minimamente a sobrancelha, realmente surpreso com o primeiro pedido de desculpas que já tinha ouvido sair da boca de Kevin. Os olhos do mais alto piscavam sem parar, como se estivesse tentando se orientar após uma pancada.

— Porra, Neil, me desculpa — ele repetiu, em um tom mais alarmante, como se quisesse ter certeza de que o outro havia escutado.

Neil desviou o olhar, sentindo um aperto incômodo na garganta, uma vontade de chorar que há muito não sentia.

— Não — respondeu por fim —, mas valeu por tentar.

Ele se virou, voltando a andar e se recusando a olhar para trás.

Neil sentia que aquele dia era o mais longo que já vivenciara e estava prestes a arrancar os cabelos de tanto estresse. Depois de voltar para a torre, ele se jogou na cama, cansado, e se permitiu dormir, aproveitando que ninguém se encontrava no quarto àquela hora.

Ao acordar, já ao entardecer, trocou de roupa e foi correr pela cidade. Quando finalmente achou que teria alguma paz, ele acabou esbarrando com Andrew. Ou melhor, havia percebido que Andrew o seguia por algum tempo, mas o ignorou até o loiro entrar na sua frente, com os olhos estreitados, como se estivesse o analisando. Seu olhar não foi sutil, percorrendo o corpo do outro de maneira quase prática.

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⏰ Última atualização: Jul 19, 2023 ⏰

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