CAPÍTULO 1 - SABRINA

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Ele olhava para os olhos verdes esbugalhados de Sabrina, algo dentro dele o fazia ter certeza que ela também queria aquilo. Não sabia ao certo o que a entregava, mas talvez o fato de estarem sozinhos numa cama? Então, tentou beijar o rosto dela, os lábios mal encostaram a pele morena da garota quando ele ganhou um arranhão na testa. Não desconfiou do ato em primeiro momento, contudo, não demorou a perceber que ela almejava surtir distância. Ele, por sua vez, grunhiu e contestou.

- Desculpa - pediu ela, ajeitou-se na cama e se encostou à cabeceira, recebendo um olhar penetrante do suposto parceiro.

Ele refletia nas curvas dos escuros cachos dela, contraste perfeito com o olhar, a sobrancelha grossa sem nenhum pelinho fora da modelagem, o nariz levemente arrebitado, mesmo que particularmente o achasse gordinho demais para um nariz, gostava da visão daquele momento presente. Sem se segurar, tateou o ombro e a alça da blusa azul-escuro dela, dizendo:

- Você ainda está de blusa, deixa eu... - Antes que ele completasse a oração, sente mais um toque de repulsa dela, dessa vez no ombro. Ele alardeia: - Ow, por que você está me empurrando? Já é a segunda vez!

A mente dele um pouco narcisista com uma pitada de imodéstia - teve a quem puxar - não via motivos para ela não querer um gato como ele, já que provia de um par de olhos verde-água, um cabelo tão loiro que o amarelo não dava conta, o platinado seria exagero e o dourado seria insuficiente, um rosto um pouco alongado, com um queixo no encaixe e, claro, um pouco depois da ponta da sobrancelha esquerda - nem muito fina nem muito grossa -, uma pintinha: o seu charme essencial, com certeza a carta na manga que o fazia nunca levar um fora, estava convicto disso. Por que, então, ela agia de forma deliberadamente incomum?

- Desculpa. Eu acho que não deveríamos ter chegado a esse ponto. - Ela sentou mais distante dele.

- A que ponto, Sabrina? - investigou.

Nessa altura, ela falava um idioma jamais visto por ele, porque percebeu, naquele exato momento, que eles não tinham a mesma visão de vida, as intenções eram diferentes, e sentiu dentro do peito a dor de ter que deixar um cara tão lindo ir. Rapazes bonitos eram raríssimos, bonito e com caráter, então, eram inexistentes, ela não poderia esperar coisa boa, de qualquer maneira. Estava treinada, acostumada e, por mais que tentasse, não conseguia se entregar aos homens esnobes.

- Ao ponto do que estávamos fazendo... - assim ela respondeu.

- Não devíamos ter começado as preliminares? Como não? Já estava passando da hora - ele provocou.

Ela pestanejou um pouco, inclinando levemente a cabeça para trás, procurando alguma parte livre de sua garganta para que fizesse descer o que acabara de ouvir. Engolindo seco, juntando toda sua coragem e buscando a postura, ela respondeu:

- Já estava passando da hora?! Não. Isso não. Não sem nos amarmos de verdade.

Bruno, instantaneamente, perguntou-se o que o amor teria a ver com isso.

- Por que não, Sabrina? É claro que poderíamos, estamos juntos pra isso.

- Está dizendo que está comigo só por sexo, Bruno? - a voz dela, que estava baixa até agora, aumentou consideravelmente, embora quase falhasse.

Percebendo a gravidade da entonação dela, ele disse com voz insegura:

- Não... - mas quis dizer, sim.

- Sem compromisso, sem sexo.

Boquiaberto, ele soltou uma risada breve e, em tom esnobe, indagou:

- Está louca? O que uma coisa tem a ver com a outra? - Continuava rindo.

Os olhos dela se abriram mais, ele nem sabia que tinham como ficar maiores, foi quando percebeu que estava piorando a situação e a risada dele sumiu um pouco quando a viu revirar os olhos, morder os lábios e, balançando a cabeça negativamente, com o olhar oscilando para longe, respondeu:

- Se você não sabe, nem deveria estar na minha casa. - Cruzou os braços.

- Beleza, então. - Bruno se desfez do olhar dela e procurou por sua blusa em cima da cama e, vestindo-a, ia em direção à porta.

Como ele se achava o garoto em cima de um pedestal, ouvir os passos de Sabrina só poderia significar que ela já estaria arrependida. Com um sorriso convincente, ele abriu a porta de saída, com a certeza de que a fuga dele faria ela voltar atrás. Entretanto, ela segura a maçaneta enquanto ele vira para ela, fitando-a com um sorrisinho malicioso, odiando o fato de ela ainda estar vestida, desejoso para encaixar a mão na cintura dela e se livrar de cada peça de sua vestimenta.

- Quero viver esse momento com alguém que vai olhar para mim como se eu fosse a coisa mais preciosa que já se viu. Vai e só volta quando descobrir o que sexo tem a ver com compromisso. Ou melhor, não volte - esbravejou.

O barato de Bruno foi cortado pelo alvoroçado bater da porta, só quando o silêncio do corredor ecoa nos ouvidos dele que ele vem perceber o que ela disse. Sem saber como assimilar uma coisa dessas com as expectativas dele, ele indaga a si mesmo:

- O quê? - Encara a porta sem entender. - Ôxe, como uma mulher pode recusar sexo no século XXI? Nunca vi uma coisa dessas. Em que ano essa garota vive? - pensou e não poderia achar uma resposta, não entrava na mente dele o que acabara de acontecer.

Em meio aos reflexivos vazios pensamentos do menino, o celular dele toca. Colocando-o na orelha, ele diz:

- Alô?

- E aí, meu mano. Onde 'cê tá? - questionou a voz conhecida, do outro lado da linha.

- Na Sabrina? - ele respondeu, duvidoso da veracidade da própria informação. - E... - Antes de terminar, o amigo o interrompeu.

- Ah, desculpa. Não vou atrapalhar... - Também se vê interrompido.

- Não, Peá, relaxa. O que foi? - Ele sabia que tudo que tinha agora era aquela ligação.

- Ia te chamar para vir aqui em casa, vai rolar clássico, Flamengo e Atlético-PR.

- Ah, tinha que ser o mulambo, não é? Está bem, estou indo. - Bruno vai desligando quando percebeu um ruído na ligação, Pedro tinha dito mais alguma coisa. - O quê? - Voltou o celular na orelha.

- Eu disse que só se não te atrapalhar com a Sabrina.

- Relaxa, mano. Já falei que tô indo.

Meio desconexo da realidade, por ainda estar em frente à porta do apartamento de Sabrina, ele andou até os três elevadores comuns, só que sentiu as mãos vazias demais. Franzindo o cenho, ele procurou entender o motivo da centelha de instinto que raramente existia nele.

- Droga - grunhiu para si mesmo quando se deu conta e voltou à porta da menina, dando algumas batidas enquanto fitava o tapete cinza, escrito "BEM-VINDO" na cor preta.

Ela abriu, evitando colocar o rosto todo para fora e perguntou:

- O que foi? - As sobrancelhas dele tremeram com a arrogância.

- Minha bola... - Ele pediu, percebendo que os olhos verdes dela até desbotaram.

- Ah - respondeu seco, fechou a porta e abriu novamente. - Toma essa merda. - Jogou no chão, fazendo a bola quicar para longe, e se trancou novamente.

Bruno proferiu alguns palavrões quando viu a bola indo com vontade pelas escadas de emergência no canto à esquerda dos elevadores. Ele correu para acompanhar o trajeto e acabou descendo oito andares pelas escadas mesmo, com preguiça de voltar para ir de elevador.

Saindo do condomínio, ele avistou estação de metrô e pegou um para casa de Pedro, em Águas Claras.

PLÁGIO É CRIME - MENINO DO CÉU! - CARINE AGUIAR

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