CAPÍTULO 4 - MARGARIDA

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Ao deitar-se, Bruno dormia rápido, mas, em compensação, acordava muito cedo, às seis da matina. Como ele descrevia: uma "parada biológica". Sendo assim, ele já estava de pé e não conseguia deixar a cama cheia de cobertores, mas também não conseguia dobrá-los com capricho, fazia um bolo de tecidos e o jogava dentro do guarda-roupa, mesmo sabendo que a mãe dele ia abri-lo dez minutos depois e reclamar. Antes de fechar as portas do móvel, ele ouviu uns grunhidos do neném no berço e, por perceber que a mãe ainda dormia, mesmo antes de ir escovar os dentes, correu até o quarto para pegar a criatura "chorante" e, quando foi passar pela porta...

- Ow, toma cuidado aí - disse o jovem, que foi surpreendido pelo padrasto e ficou querendo espremer a cara enrugada do traste em um ralador de cenoura.

- Toma cuidado você. Eu que acordo cedo para trabalhar, você que fica aí sendo vagabundo e ocupando a passagem - rebateu Ramon, empurrando o menino e indo em direção à cozinha.

Bruno optou pelo silêncio antes que a mãe acordasse, seguiu para o berço, cumprimentando o irmão:

- Bom dia, maninho... - A voz de Ramon logo o interrompeu.

- Acorda tua mãe aí para me fazer o café - ordenou, entrando no banheiro.

- Você não pode fazer? - Levantou a voz.

Ramon abriu uma brecha da porta e revidou:

- Você quer fazer para mim, então? Seu desgraçado!

Bruno segurou a raiva, soltando um ar pela boca, procurando a paciência que ele não tem, virou-se para mãe, indo até ela, balançando-a.

- Mãe, mãe, acorda - tentou.

- O que foi, Bruno? Estou morrendo de sono. - Ela se remexeu com a voz fraca. - Estou cansada, fiquei a noite quase inteira cuidando do Bryan, que só dormiu de manhã - desabafou, ainda com os olhos fechados, tentando esconder o rosto no travesseiro.

- O asqueroso que a senhora escolheu para ser seu marido que está te chamando para levantar e fazer café - jogou e voltou ao socorro de Bryan.

- Que horas são? - Ela abriu os olhos, com urgência, e olhou para o relógio no banquinho ao lado da cama. - Meu Deus, já são quase sete horas, se eu não preparar o café vou fazer Ramon se atrasar para o trabalho. - Ela sentou na cama, calçando a sandália com pressa.

- Ele poderia muito bem preparar, mãe, até eu sei fazer isso. Água, pó de café, coador, o que pode dar errado? - alfinetou ele, acalmando o irmão nos braços.

- Bruno, não piora a situação. Fica de olho no Bryan para mim. - Ela saiu do quarto, de pijama e tudo, direto para o fogão, que não era muito longe já que ficava no mesmo cômodo da sala, que era ao lado.

- Eu que pioro as coisas. - o garoto se mordeu de raiva e bateu o pé no chão. - Eu que pioro!

- Calma nos nervos... - Ramon saiu do banheiro - ...que você não está muito no direito de reclamar. - Saiu do quarto também.

- Você faliu uma empresa de administração e hoje trabalha em um bar, está se gabando por quê? - devolveu Bruno.

- Pelo menos eu trabalho - gritou e puxou a maçaneta da porta, já desgastada, com tanta força que ela terminou de desprender. - Não mexe comigo não, desgraçado! - Tacou o objeto no chão com força, fazendo tinir nos ouvidos.

- O que está acontecendo? - Minha mãe voltou enxugando a mão no pano de prato.

- Seu filho, Margarida. Seu filho! - resmungou, saindo do quarto com o rosto tão vermelho que Bruno quase pode ver sair faísca.

- Bruno... - a voz serena dela ecoou na mente dele. - Você tem que aprender a respeitar mais o seu padrasto!

- Ah, tá. - O filho soltou uma gargalhada irônica. - Eu que tenho. Eu que tenho. Tudo bem, beleza - assentiu, cético, com a voz arrastada e se segurando para não responder mal à mãe sem ela merecer.

Ele sentiu o olhar doce dela sobre ele, mas ela não fez nenhum comentário a mais, apenas voltou para a cozinha.

Enquanto isso, ele soltou o ar pela boca novamente para conter o nervosismo, foi até Bryan e começou a acariciar a pequena mãozinha dele, não demorando muito para ele estar segurando o dedo do irmão. Só assim para ele se acalmar.

- Bryan, infelizmente, você nasceu com um pai otário - desabafou, mesmo sabendo que ele não entendia.

Depois de falar isso, o inocente sorriu, fazendo Bruno também soltar uma risada fraca. Tirando ele do berço, ficaram deitados na cama, brincando com um chocalho. Até que Ramon bate a porta e pronto: o mal da casa já saiu para enriquecer vendendo porcaria.

A mãe continuava inquieta e silenciosa, procurando uma roupa no guarda-roupa, com pressa em seus movimentos. O avental azul dela incorporava-se no vestido preto que usava para dormir.

- Hoje vou de novo fazer faxina na casa da Cássia. Acho que ela está querendo me fichar - disse, entrando no banheiro para se trocar.

- Vai levar o Bryan? - perguntou Bruno.

- Sim, por enquanto. Depois que eu for fichada você vai ter que ficar cuidando dele até eu chegar - informou com a voz abafada pela porta fechada do banheiro.

- Ah não, mãe. Que saco cuidar de neném o dia inteiro! - reclamou.

- Sem reclamar, você não está trabalhando mesmo - retrucou.

Apesar de saber que ela não falou isso no sentido de ofendê-lo, ele sentiu uma alfinetada, de tanto que o padrasto o fazia.

- Que horas você tem que estar lá? - Bruno mudou de assunto.

- Oito horas.

Olhando no celular, viu-se já ser sete e meia. Ele odiava que a mãe tivesse que se atrasar para os compromissos dela no lugar de Ramon.

- Quer que eu vá trocando o Bryan enquanto a senhora se arruma?

- Pode ser. - Ela saiu do banheiro já com um vestido preto e leve, e pegou o pente de cabelo.

- É lá em Águas Claras, né? A senhora ainda vai ter que pegar o metrô... - disse, imaginando o trajeto e a demora para ela chegar lá.

- Sim, mas a patroa é muito boa comigo. Parece que é parente. Comparando com minha irmã, ela é muito melhor - admitiu, calçando o sapato.

- Cuidado, não confia muito em ninguém não - alertou, pegando uma roupinha do Bryan, um body azul e uma calça preta e começando a tirar a fralda, mas ela o interrompeu antes que ele terminasse.

- Me dá aqui que eu termino mais rápido. - Pegou Bryan.

Na hora de sair, ele segurou o irmão enquanto ela ajeitava a bolsa e jogava-a no ombro esquerdo. Nisso, ele entregava-o nos braços dela e dizia:

- Toma cuidado, boa sorte. - Abriu a porta para ela passar.

- Fica com Deus. - Ela segurou o rosto do filho mais velho e deu-lhe um beijo na testa. - Obrigada por se preocupar comigo. Vai dar tudo certo. - Sorriu.

Ele conseguiu denotar o cansaço nas pequenas rugas de seus olhos. Em poucos segundos, admirou como a mãe é linda. Pele escura, cabelo lisinho natural, franjinha na testa e, apesar de parecer cansada, era muito jovem.

- Tchau. - Sorriu mais.

- Tchau - respondeu, virando e sumindo das vistas de Bruno.

Quando ia fechando a porta, ele ouviu-a chamar seu nome.

- O que foi? - Saiu no corredor enquanto ela esperava o elevador.

- Não se esqueça de adoçar o café.

- O quê?

- Mais cedo, você disse todos os ingredientes, menos o açúcar. Adocica, meu amor!

PLÁGIO É CRIME - MENINO DO CÉU! - CARINE AGUIAR

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