Capítulo XVI - A Enéade

542 74 13
                                    

Como membro da Enéade, Hórus havia contado como funcionavam as audiências dos Altíssimos da Câmara logo no início de minha servidão. Elas aconteciam no interior da Grande Pirâmide de Gizé, Quéops, e tinham como participantes Tefnut, Ísis, Hator, Osíris e o próprio Hórus. Uma reunião com a Enéade era séria, o assunto a ser debatido deveria ser estritamente urgente e importante, não cabendo zombarias, violência e mentiras no seu discorrer.

Nos meus doze anos sendo avatar de Hórus, era a primeira vez que participaria de uma audiência. O friozinho que atingia minha barriga era inevitável, uma vez que eu deixaria o deus falcão controlar-me durante todo o julgamento, não seria capaz de intervir a favor de Marc por vontade própria. Não que eu não confiasse em Hórus para defendê-lo, mas tive um gostinho de ter a mente manipulada por um tempo e não foi uma experiência agradável, quem dirá ceder todo o seu corpo para ser controlado por um deus.

O interior de Quéops era majestoso, para dizer o mínimo. As paredes do corredor que eu e Marc adentramos eram douradas e refletiam nossa imagem perfeitamente. Ao seu fim, agigantava-se uma câmara quadrada, adornada por uma grande estátua e pilares ornamentados em suas extremidades. No meio, descia alguns degraus que davam acesso a uma valeta retangular onde quem convocou a Enéade ficava, na sua frente e laterais ficavam estátuas dos membros dos Altíssimos da Câmara, bem como seus assentos. Todos esse espaço era iluminado por pequenas tochas espalhadas estrategicamente, banhando os detalhes da câmara com uma luz alaranjada.

Steven devia estar pirando ao ver tamanha grandeza e beleza egípcia. Falaria com ele a respeito mais tarde, quando estivéssemos mais tranquilos.

Nós saímos do corredor de nosso portal, acessando a valeta. Os avatares iam chegando aos poucos e nos encaravam com altivez. Marc aparentava estar mais nervoso do que eu com tudo aquilo, especialmente estando num espaço intimidador como aquele. Para acalmá-lo, segurei sua mão.

-Vai dar tudo certo - sussurrei, apertando seus dedos - Se quer uma dica, tente não lutar contra.

-O que quer dizer com isso? - me encarou, franzindo o cenho.

O barulho de um portal se abrindo à nossa direita me impediu de respondê-lo. Dele saiu uma mulher delicada e sensual, a pele morena, assim como os cabelos negros, eram agraciados pela luz das tochas. O vestido laranja largo caía até seus pés e um grande colar adornava seu busto. Ela andou até nós, sorrindo amistosa.

-A teatralidade de Khonshu é incomparável - a mulher comentou, dirigindo-se à Marc - Você deve ser o avatar dele.

-Oi - o moreno exclamou - Quem é você?

-Eu sou Yathzir, avatar de Hator, deusa da música e do amor - se voltou à mim - E você é?

-Akila, avatar de Hórus - respondi sorrindo pequeno.

Yathzir alternou o olhar entre mim e Marc, ela parecia enxergar diretamente nossas almas com aqueles olhos escuros feito jabuticabas. Um grande sorriso apareceu em seus lábios carnudos ao encontrar algo nadando em nossas feições.

- Oh, então são vocês... Hator está muito satisfeita que enfim tenham se reencontrado para selarem seus laços - a confusão estampada no meu rosto e no de Marc a fez rir - Ora, vocês não sabem disso? Hórus e Khonshu não contaram suas histórias?

-Yathzir, Akila! - uma voz trovejou nossos nomes.

Vinha de um homem vestido impecavelmente num terno caríssimo, em pé na frente do assento acima da estátua de Osíris. Era seu avatar, afinal.

Yathzir indicou com os olhos o meu assento e o dela. Entendi no mesmo instante, dei um olhar tranquilizante à Marc antes de soltá-lo e caminhar em direção à estátua de Hórus, acompanhada da avatar de Hator.

Sunrise and MoonOnde histórias criam vida. Descubra agora