Vol 1 - Capítulo 3 - Reminiscência

13 2 4
                                    

Ágata tinha sentimentos mistos sobre a sua rápida recuperação. Por um lado, o ritmo de cura dos seus ferimentos e da sua perna eram mais fatores suspeitos sobre a patrulheira que ela adicionava à sua lista. Por outro lado, quanto mais rápido isso acontecia, mais brevemente ela poderia sair daquela caverna e procurar por sua tropa...

Ou, pelo menos, o que restou dela...

Refletia Ágata, tentando lutar contra o suor frio que escorria pela sua testa toda vez que pensava a respeito daquilo. Seus problemas imediatos sobre o seu próprio bem-estar físico e sobrevivência já não mais a preocupavam. Mas a falta de comunicação, e até mesmo sua confusão sobre o ataque contra as suas tropas, ganharam a prioridade merecida em sua mente.

Contando os dias em que eu estive desacordada... sete dias já se passaram desde o ataque. Se eu estiver perto do local da minha queda, me pergunto se os meus súditos já deveriam ter me localizado.

Ponderava, com o corpo já recuperado o suficiente para passar alguns minutos sentada, penteando e trançando os seus longos cabelos. Poucos tinham permissão de vê-la de cabelos soltos, e menos pessoas ainda podiam tocá-los. Ágata somente liberava as suas madeixas em duas ocasiões: para dormir, ou para tomar um banho que pedisse uma mudança de penteado para algum tipo de evento oficial. Fora ela mesma, apenas suas servas tinham permissão de mexer nele. Porém, em meio aos charcos, após perder tudo, ela não teria o luxo da privacidade. Era humilhante, mas precisava relevar o seu desconforto.

Ser uma guerreira dos "Lagos Esmeralda" (1) e ser vista sem ter seus cabelos presos em uma longa trança, era vergonhoso. Denotava falta de disciplina e irresponsabilidade com o serviço. Aquela trança só deveria ser cortada em caso de derrota em batalha, em reconhecimento de uma derrota justa. Frente a sua atual situação, ela pensou em cortar seus próprios cabelos para admitir a derrota na caçada das dríades. Mas ela não estava pronta para isso ainda. Em seu coração, ela ainda tinha uma pequena chance de sair triunfante dos seus percalços.

Sua mãe sempre achou que a adoção deste aspecto cultural local era um tanto exagerado, mas Ágata queria fazer o que achava certo perante o povo da região onde nasceu e cresceu. Se a cultura local colocava valor nos comportamentos e aparência dos guerreiros, então a herdeira da casa Nadran faria questão de honrar tal tradição.

"Tudo isso é inútil pelo fato de você ser uma mulher, Ágata. Nós ainda somos katerianas. Mesmo dominando esta região há mais de um século, a cultura local ainda não aceitou a nossa em vários aspectos. Se tivéssemos adotado a cultura local por completo, você nunca teria a liberdade de treinar com espada, nem eu herdaria a posição de liderança da nossa casa."

Ágata lembrou dos discursos da sua mãe enquanto terminava de trabalhar na sua trança. Suas palavras eram frias e cortantes como a lâmina bem afiada dos guerreiros dos lagos, mas eram cheias de honestidade e preocupação. A região do Lagos Esmeraldas carregava uma herança histórica e uma forte cultura ancestral que, muito bravamente, resistiu a expansão kateriana por várias décadas... Até que o fundador ancestral da sua casa conseguiu tomar a região comandando tropas invasoras para uma vitória sangrenta.

Ágata não tinha orgulho da dominação bélica que sua família impusera sobre a região há mais de um século, e sua mãe sempre julgou silenciosamente os aspectos culturais locais que se chocavam com seus ideais katerianos modernos. Isso afastava os Nadrans da população local, que tentavam preservar suas tradições milenares, apesar da pressão de uma cultura estrangeira. Ágata, pelo contrário, amava vários aspectos culturais locais, mas não sem ressalvas ou sem fazer suas próprias interpretações a partir da sua visão como kateriana.

Entre as cinzas (GL)Onde histórias criam vida. Descubra agora