Vol 1 - Capítulo 15 - Instinto

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Ágata corria o mais rápido que podia. O caminho era cheio de obstáculos, e havia o perigo real de ser vista por algum predador ou pelos montadores à espreita. Mantendo um perímetro largo em relação ao caminho por onde veio, Ágata passava entre as grossas raízes e troncos de árvores; atrás das rochas e cogumelos gigantes; ao lado dos arbustos e poças de orvalho acumulado — a mente ocupada apenas com a sua preocupação quase irracional sobre a possível descoberta do esconderijo e da mercenária que repousava nele.

Surpreendendo-se com sua capacidade de achar o caminho de volta ao local, mesmo que não utilizando a mesma rota, a nobre chegou relativamente próxima sem ser vista pelos montadores. Agachada atrás de uma das raízes protuberantes, ela pôde vislumbrar o montador por entre as árvores. Ele estava ajoelhado ao lado de uma das aberrações mortas. Sua montaria descansava afastada das carcaças, visivelmente incomodada com o odor.

Mesmo de longe, Ágata pôde ver qual tipo de criatura ela era; era um javali alado, comum das regiões barguianas. Esse tipo de animal antes da domesticação, utilizava magia inata para flutuar e controlar o vento ao seu redor para isso. As criaturas foram cruzadas e modificadas para desenvolverem um faro ainda mais aguçado, mas suas asas atrofiaram com o tempo. Famílias ricas da cidade de Barges investiram grandes quantias de dinheiro para que seus criadores e adestradores de animais desenvolvessem essas variações domesticadas da besta que, um dia, já fora bastante temida nas matas barguianas.

Atualmente, os javalis alados domésticos são mais roliços e vagarosos que sua versão selvagem, mas muito mais sensíveis à essência que antes. Isso os fez úteis durante caçadas, e o monopólio sobre o uso desta criatura cabia àqueles que vinham de tal região.

Porém, com o cheiro de decomposição tão prevalente no ar, era de se esperar que tal besta mágica se incomodasse. O montador foi gentil o suficiente para mantê-la afastada a cerca de 20 metros de distância da entrada do esconderijo. O montador se levantou da sua posição, e a nobre percebeu que ele trazia algo em mãos, mas daquela distância não conseguia discernir o que era.

Imóvel, ela fez o possível para acalmar sua respiração e absorver todos os detalhes que enxergava. Tinha que arranjar uma forma de impedir com que eles encontrassem o esconderijo, e para isso, torcia para que a distração do Trinco fosse o suficiente para tirar aquele estranho dali.

O caçador guardou o objeto misterioso em sua bolsa e caminhou calmamente em direção ao esconderijo. O sangue da nobre congelou quando tal indivíduo se abaixou e continuou suas investigações no local por onde, há pouco tempo, a nobre e o feérico tinham acabado de sair.

A entrada do esconderijo entre as duas grandes pedras estava desprotegida e à vista de qualquer um que chegasse ali – Obviamente, seria um local investigado – Afinal, as marcas das garras de uma das aberrações mortas ainda eram visíveis naquelas superfícies, acompanhadas de manchas de sangue e pegadas no solo.

Claro que se eles investigassem um local suspeito de esconder um ser mágico, fariam isso de forma minuciosa. Seria ingenuidade de minha parte achar que não.

Com uma das mãos segurando firmemente a bainha da sua espada, Ágata se ajoelhou no chão – a sola de sua bota fincando-se na terra a fim de ajudá-la a se levantar e correr mais rápido. Ela teria que pensar em uma forma de retirar a mercenária dali de algum jeito. Não poderia deixar que qualquer outro leva-se-a.

Teria que correr até lá para isso.

Esperando por uma oportunidade de se aproximar – que mais parecia levar décadas para acontecer – seu suor escorreu da testa e a ansiedade corroeu seus ossos. Aquele javali poderia escutá-la ou sentir o seu cheiro, mesmo que estivesse distraído com o odor do cadáver. O montador saiu da entrada do esconderijo, ainda olhando no chão ao redor – seu rosto franzido em pensamento. Naquele momento, Ágata pôde perceber que o que ele havia guardado em sua bolsa ainda estava parcialmente pendurado para fora. O vislumbre de meio segundo foi o suficiente para a nobre reconhecer o objeto — o que pendia do bolso do homem era a armadilha que ela deixara enrolada mais cedo na aberração morta.

Entre as cinzas (GL)Onde histórias criam vida. Descubra agora