2.4 Psicopatia

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- iris -


Psicopatia.


Desequilíbrio patológico no controlo das emoções e impulsos, que corresponde frequentemente a um comportamento anti-social.

Pessoas egocêntricas, desonestas e indignas de confiança. Irresponsabilidade sem motivos aparentes. Imunes ao sentimento de culpa. Insensíveis e negados ao compromisso no campo amoroso. Manipuladores.


Loucos.


Não me considero psicopata, mas nunca estive tão perto de ser louca.

As malas que trouxe de Inglaterra mentalizavam-se de que estariam prestes a regressar para o inferno gelado e húmido britânico, onde o sol não desfazia o nevoeiro que pairava sob o telhado da pouco modesta casa dos meus pais. "Tens a certeza de que queres fazer isto, Iris?" "Tenho."


Eu apenas tinha a certeza de que acabara de mentir. Cada vez que pronunciava a certeza sobre o que quer que fosse na minha existência de incógnitas, eu mentia. Mentia forte e feio. Mentia como nunca antes havia mentido, à exceção de uma vez que havia roubado um cigarro ao meu pai e ele me havia perguntado se tinha sido eu.

Apenas três dias me restavam debaixo do pacífico sol californiano, na companhia do parente que eu mais amava e a quem eu devia muito. Estes três dias iriam ser passados na companhia dele, da Stacy e do Adam, que estava de volta por uma semana; as noites iriam ser passadas na companhia de garrafas vazias e papel queimado. A minha liberdade estava a três dias do seu grande final, mas talvez fosse esse o destino mais apropriado para mim. Provavelmente esse sempre fora o que estava traçado para mim e a minha tentativa de dar a volta a algo destinado fosse nada mais do que um motivo de riso para os deuses do Olimpo.


0:22h


"Vou dar um passeio, aproveitar o que me resta dos ares americanos. Levo chave." "Não chegues tarde!" Tarde eu iria chegar, isso era o certo. Ou talvez não chegasse a chegar. Tudo dependeria das circunstâncias.

O único bar decente que eu conhecia era o Eclipse, mas era realmente óbvio que esse era o único sítio que eu não tencionava frequentar, pois era um espaço sob riscos de encontros inesperados; encontros para os quais eu não tinha a mínima disposição. Não tardou muito até encontrar um local chamado Nine, cujo único defeito é pecar pela criatividade. A minha intenção era incerta, pois eu apenas deambulava com um objetivo singular: beber. Dois, talvez, se encontrasse alguém que me fornecesse droga. A minha maior viagem psicadélica foi fruto de uma mescla entre absinto e ecstasy e estava disposta a tentar tudo o que estivesse ao meu alcance para repetir a experiência. Duas mesas restavam naquele bar imundo e mergulhado no negrume em sincronia com todas as almas ali presentes, inclusive a minha.

Atirei-me de cabeça e comprei uma garrafa de absinto, que tencionava beber ao longo de toda a noite no intuito de destruir o meu fígado.

Para os alcoólicos, o absinto é só uma bebida verde com forte teor de álcool. Contudo, para os artistas da Belle Époque, em Paris, era uma forma de sair dos conceitos morais e sociais impostos pelo governo na época e atingir inovação artística. Talvez eu precisasse desta garrafa para descobrir uma fora artística de inovar a minha existência e tudo o que a rodeia.

Cravei as unhas naquela garrafa, cuja único aspeto de esperança que carregava era a cor, e rumei até à baixa da cidade, plena de todo o tipo de pessoas. Eu caminhava e observava na esperança de encontrar um grupo que aparentasse ser capaz de me orientar alguma substância. Dei um largo gole na garrafa e ao sentir prontamente o meu estômago a contorcer-se, ocupei o primeiro banco que encontrei disponível. "Partilhas, Iris?" "Calum?" "Boa noite." Rapidamente corri todo o horizonte diante de mim com horror espelhado na minha face, na dura realidade de que o Luke poderia estar por perto. "Calma, o Luke não está comigo." Nenhuma pergunta foi necessária, pois a minha expressão de intriga substituiu qualquer palavra que fosse necessária. "Ele contou-me o que aconteceu entre vocês. Peço-te que compreendas que ele está numa fase menos ... digamos ... boa. E também soube que vais deixar a Califórnia. Vou entender essa garrafa como uma despedida." "É, é uma despedida que cairá em esquecimento, se tudo correr como planeado." Estendi-lhe a garrafa e ele deu um largo gole seguido de uma expressão facial pouco amigável."Desculpa ser tão direta, mas sabes de alguém que venda droga?" "Que droga?" "Ecstasy." "Por acaso, sei." Tenho plena noção de que os meus olhos se iluminaram. "Levas-me até essa pessoa?" O Calum puxou, discretamente, uma caixinha do bolso interior do casaco e colocou-mo na mão de forma a que ninguém notasse do que se tratava. "É por conta da casa." - ele sussurrou, enquanto piscava o olho. - "aproveita bem o resto da noite. E cuidado, não te metas em problemas." Agradeci e prontamente me dirigi para um canto e digeri uma quantidade incerta de comprimidos, que engoli com um gole de absinto. Decidi continuar a vaguear pelas ruas e, para aumentar o efeito de vibe da bala, fumei um cigarro.


3:12h


Ao passar numa das ruas, senti uma música profunda e estranhamente melódica: avancei e reparei em dois rapazes que tocavam guitarra e cajon numestabelecimento parecido a um club em ruínas. Já fora do meu eu usual, entrei e comecei a dançar no meio de um pequeno grupo de pessoas. Incomodadas pelos meus movimentos descoordenados, evacuaram e um dos rapazes do grupo abordou-me.

Falámos durante alguns minutos sobre assuntos possivelmente sem nexo algum e ele convidou-me para visitar a sua casa. Dei mais um gole na garrafa e, de cabeça à roda, segui o rapaz atraente de piercing no nariz até à sua casa. Imensas coisas peculiares aconteciam à minha volta, contudo, provavelmente, cerca de 70% dessas visões eram já meras alucinações. O apartamento era numa zona obscura, mas que poderia eu perceber com tal efeito psicotrópico que me dominava? O único objetivo daquele rapaz era meramente fazer sexo e eu não lhe negava nada. Na verdade, eu havia já atingindo o meu ponto mais natural: o estado oco do meu ser. Eu não sentia nada, não tinha vontades nem desejos, nem ambições nem sonhos. Eu era um mero ser humano que sobrevivia e qualquer situação que pudesse fazer-me sentir qualquer coisa era bem vinda. Assim que entrámos, eu comecei a tirar a roupa. "Só me queres para isto?" - ele riu, tirando o casaco. "Tu só me queres para isto, portanto vamos mas é despachar." Despimo-nos até ficarmos de roupa interior e, em beijos sensuais, deitámo-nos na cama dele. As mãos dele percorriam todo o meu corpo e as minhas prendiam o cabelo dele. As nossas peles tocavam, mas eu não sentia nada. Porque é que a minha mente não de deixava dominar completamente pelos químicos? Porque é que havia uma parte de mim que insistia em manter-se sã e pensar que a minha viagem de volta estava perto, que eu estava a ir contra o que eu queria e que o que eu queria não me queria a mim? Nesse momento, olhei nos olhos do rapaz e nuns olhos castanhos vi uns azuis e num cabelo preto vi um louro e numa pele áspera senti a suavidade da seda e numa pupila vi o meu mundo inteiro. Vi o Luke. Vi, senti, vivi o Luke ali mesmo, sobre mim, nu, pronto a afundar-nos em suposto pecado. E morri.

Levantei-me bruscamente, peguei nas minhas roupas, atirei um desculpa entre murmuros e corri para fora daquele edifício.


4:09h


Lavei o rosto em lágrimas negras da maquilhagem e sentei-me na berma de um passeio a uns metros dali. Eu não tinha a mínima noção do que estava a fazer com a vida, mas nada batia certo.





n/a: demorou, mas saiu. i hope u like it x








Crash // l.hOnde histórias criam vida. Descubra agora