1.6 Abelha

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"Abelha: no hinduísmo, a abelha está associada com Kama, o deus do amor, representado por um jovem montado num papagaio, que carrega um arco e flecha. O fio do arco é feito por abelhas, pelo que pode ser associado ao cupido e simboliza a dor e o amor."

- luke -

O Michael conseguia ser o maior cabrão à face da Terra quando queria. Ele sabia perfeitamente o poder que a Iris tinha sobre mim e sabia, também, que a ultima coisa que eu queria era que o cérebro dela me associasse diretamente a ele, principalmente visto que eles os dois são, aparentemente, conhecidos. Vai daí, o sacana convidou-me a mim e à Iris para nos dirigirmos simultaneamente ao mesmo local. Que grande cabrão.

Assim que vi a Iris entrar, paralisei por uns segundos, é verdade, mas o facto de uma rapariga qualquer lhe ter roubado a atenção foi a situação perfeita para eu fugir para a casa de banho e saltar pela janela. Tinha 99% de certeza que ela não me tinha visto, mas estava disposto a obter o 1% que estava em falta.

"Estás em casa?"

"Não."

"Quando irás estar em casa?"

Ela demorou uns 10 minutos a responder, tempo durante o qual sofri como nunca antes tinha sofrido.

"Dentro de 15 minutos. Espero-te ao portão."

O relógio anunciava as 2:54h. Esperei uns minutos e depois comecei a caminhar até casa da Iris. Não podia pôr em palavras o quão aliviado e feliz estava por ela não ter passado mais de meros minutos na presença do Michael e do Calum - especialmente do Michael - e por ir para casa para estar comigo. Devo confessar que a última parte não me deixava tão aliviado quanto feliz. Era, de facto, algo que me deixava, usando um estrangeirismo, over the moon.

Quando cheguei à enorme e obscura moradia, vi a Iris sentada na berma do passeio, a fumar. Era impressionante como eu a encontrava sempre a fumar.

Sentei-me ao seu lado e apenas a observei. O seu cabelo estava significativamente mais comprido do que quando a conheci: já lhe passava os ombros, porém continuava negro como a noite. Os seus olhos estavam escuros, mas sem nunca perder o tom esverdeado que tão bem contrastava com o negrume dos cabelos e melhor combinava com o tom absolutamente pálido da sua pele límpida. Estava toda de preto, como usual. Vestia uma camisola comprida que servia de vestido e umas meias rendadas cobriam-lhe as pernas; um casaco de cabedal cobria-lhe o torso franzino. Ela era magnífica e cada segundo que os meus olhos pousavam na sua figura, mais se formava em mim um sentimento cujo nome eu jamais iria sequer deixar vaguear a minha mente. Era um sentimento que me iria amargurar e que iria pôr em questão demasiadas coisas que, de momento, estavam no ponto.

Tomei o lugar ao seu lado, para fumar um cigarro também. Ficámos no silêncio vendo o fumo de cada cigarro tornar-se numa só solitária massa cinzenta e leve. "Vais explicar-me o porquê desta aflição toda de vir para casa?"

Odiava quando ela interrompia o silêncio com perguntas às quais a resposta era não difícil mas muito evitável. Contudo, eu estava farto de responder de forma eufemística e muito indireta. "Queria estar contigo." A sua expressão facial mudou de opaca para surpresa. Tão surpresa que provocava em mim o riso. Talvez fosse difícil para ela acreditar, ou talvez ela não quisesse ouvir aquilo. Ou, talvez, fosse aquilo mesmo que queria ouvir. "Não dizes nada?" "Que queres que diga?" "Não sei." Eu sabia o que queria ouvir, mas não iria envergonhar-me ainda mais. Ela, obviamente, acabou o cigarro primeiro que eu, mas esperou que eu acabasse o meu. "Bem, vou andando. Obrigado pela companhia." Dito isto, levantei-me e ajustei as calças, preparando-me para ir para a monotonia de casa, marinar em arrependimento. "Uhm, Luke?" Olhei-a sem pronunciar uma palavra, tendo noção de que os meus olhos jorravam ansiedade. "Tens noção de que não vais nada embora, certo? Fizeste-me vir para casa e não foi apenas por 10 minutos." Ela falava como se estivesse furiosa, mas havia um certo pedido doce misturado com vergonha no seu tom de voz. "Eu acho que já fiz estrag-" "Cala-te e segue-me."

Ela agarrou a minha mão e guiou-me até à porta de entrada. Afligia-me um pouco entrar em casa dela pela entrada regular, porém ela guiava-me naturalmente sem a mínima preocupação. "O meu tio deve estar no estúdio e a Stacy, a esta hora, já está no quarto a ver televisão ou a ler." Continuei atrás dela, sem soltar a sua mão fria, olhando sempre a toda a volta. Passados uns instantes, já estávamos no quarto dela. Não havia mudado nada desde o dia em que eu entrei lá pela primeira vez, no dia do incidente com o quadro.

"Porque é que te estás a rir?" Apercebi-me, após a observação da Iris, que estava a rir sozinho, ao pensar em acontecimentos passados que partilhámos.

Olhei-a durante um pouco sem desfazer o sorriso. "Lembras-te quando entrei no teu quarto porque pensei que era a casa de banho e encontrei aquele quadro abstrato?" Ela entrou na casa de banho, onde pousou as pulseiras que trazia. "Sim." "Estava a recordar isso e deu-me vontade de rir. Nunca me chegaste a dizer o significado do quadro." "É pessoal." Perante aquela resposta, não disse mais nada. Pensei que estava suficientemente à vontade para lhe dizer que sabia que éramos nós representados naquele quadro, mas não fui capaz. Ela saiu da casa de banho e sentou-se ao meu lado, na cama. O silêncio, como sempre, estava presente. Eu limitava-me a observá-la e a vontade de a beijar aumentava descontroladamente. Eu só pensava em encostar os meus lábios aos seus e isso estava a deixar-me fora de mim. "Ouves U2?" "Não vamos ter uma debate sobre uma música novamente, pois não?" "Eles têm uma música chamada Iris." "A falar bem, suponho." "'Iris, hold me close.' Não me importava de ta cantar." "Luke Hemmings, não sei o que se passa hoje, mas amanhã vais marinar em vergonha pelas coisas que me estás a dizer hoje." "Mas ao menos não me irei arrepender por não terem sido ditas." Ela levantou-se e fez sinal de que ia fumar. Eu fui também, até porque fumar nunca é demais. O céu noturno da Califórnia não era o melhor, pois não era possível ver as estrelas, porém de casa da Iris, era possível ver o céu completamente estrelado. "Na mitologia grega, Íris era uma deusa mensageira dos outros deuses e manifestava-se como um arco-íris colorido no céu, simbolizando sua ligação entre o Céu e a Terra." "Até o significado do meu nome sabes?" "É um significado muito apropriado. És a ligação entre o Céu e a Terra." "Eu sempre me vi mais como uma pessoa de inferno." "A Terra é o Inferno, pelo que és tipo o portal para o lado bom da vida." "Esse é provavelmente o maior elogio que já recebi, mas vindo de ti não sei bem. Ainda para mais no estado espiritual em que estás. Tens a certeza que não andaste a beber ou a fumar umas brocas?" "Estou muito lúcido. Tão lúcido que até já estou com frio." Ambos nos levantamos simultaneamente e caminhamos para dentro do quarto. Eu estava a preocupar-me a mim mesmo, de certo modo, porque não conseguia conter-me. Eu sentia a necessidade de revelar à Iris o que eu sentia e como eu me sentia, ainda que ela estivesse assustada. "Tenho uma ideia" - comecei a propor - "eu sei de um filme genial que podíamos ver." "Queres ver um filme?" "Sim, tenho frio e quero ver este filme contigo."

"Como queiras. Para mim serve." Sorri. "Iris." "Sim?" "Posso dormir aqui hoje?" Ela olhou-me por instantes, a tentar não parecer confusa. "Sim. Vai pondo o filme que eu vou vestir o pijama." Ela entrou na casa de banho e eu escolhi o filme. Eu não fazia ideia que filme era, até porque a história de ter um filme para ver com ela era inventada. Eu somente queria estar com ela de uma forma que nem eu sabia. Escolhi um filme aleatório na internet, conectei o computador à televisão e esperei que ela saísse. Não demorou mais de dois minutos até ela sair, de calções (uma vez que o aquecimento estava ligado), uma t-shirt larga e comprida e sem qualquer tipo de maquilhagem. Ela era perfeita. Vesti as roupas que ela me deu do filho da Stacy e, após por o filme a dar, sentei-me ao lado da Iris, debaixo dos cobertores, encostando-me a ela o máximo que consegui. Não me saía da cabeça os seus lábios finos e frágeis que tão bem dançariam com os meus, se ela o permitisse. "Luke." "Sim?" "Tu inventaste a história do filme, não inventaste?" "Não, porquê?" "Então o filme que tu tanto querias ver comigo era o Grinch?" Olhei para o ecrã e apercebi-me que havia escolhido um filme sobre um boneco verde que não gosta do Natal. Inevitavelmente, desatei a rir, o que se contagiou, pois a Iris também começou a gargalhar descontroladamente. "Eu só queria estar aconchegado a ver um filme." Ela olhou-me sem dizer nada, com um leve sorriso e, instintivamente, os meus olhos desviaram-se para os seus lábios. À medida que a minha face se aproximava da sua a uma velocidade mínima, os nossos ritmos cardíacos também aumentavam, tornando a respiração ofegante. Levei a minha mão à sua bochecha, acariciando-a e, finalmente, após tanto sofrimento, os meus lábios ligaram-se aos seus, fazendo uma faísca inédita e provocando um choque por todo o meu corpo. Só esperava que ela estivesse a sentir o mesmo.

Crash // l.hOnde histórias criam vida. Descubra agora