0.6 Lillith

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"Lilith: foi uma deusa muito cultuada na Mesopotâmia, comparada à sombra do inconsciente, ao mistério, ao poder, ao silêncio, à sedução, à tempestade, à escuridão e à morte.

Lilith representa a força feminina, aquela que procura a sua afirmação e igualdade. Nesse sentido, representa a primeira mulher do Jardim do Éden, aquela que nasceu do barro, durante o período noturno."

- luke -

Admito que não me achava grande fã do Sol. É simplesmente um bola de fogo gigante que paira no céu a aquecer os planetas que giram à sua volta. Também ilumina, é verdade, mas eu atingira um ponto em que a luz significava somente vergonha.

"Luke, vamos!" A doce voz que insistia em ausentar-se da minha vida chamava. A doce voz que me acalmava mas que não fazia ideia da influência que tinha em mim. "Estou a ir, mãe." Pela primeira vez em meses, a minha mãe havia-se oferecido para me levar à escola. A distância era insignificante, mas a companhia dela era importante para mim, nem que fosse por meros 30 segundos. Entrei no carro preto de assentos confortáveis. As saudades que eu tinha daqueles assentos. "Já há meses que não passávamos tanto tempo juntos." murmurei de modo a que fosse ligeiramente audível. "Desculpa. Sabes que tenho sempre imenso que fazer." "Claro. Só gostava que me pusesses em primeiro de vez em quando, nada mais." Ela olhou-me tristemente, com arrependimento. Eu não a queria magoar com as minhas palavras gélidas, mas eu precisava que ela soubesse que preciso dela e que não tenho a obrigação de lidar com o meu pai sozinho. Ela precisava de saber que eu sou como qualquer outro filho que precisa da sua progenitora. Saí do carro após lhe ter deixado um beijo leve na bochecha e fui para a aula.

O relógio anunciava os 14 minutos que passavam já do toque de entrada. Bufei e dei uma corrida até à sala. Sala 42, a sala de história às quartas feiras. A única sala onde a mesa que partilhava com a Iris não era do lado das janelas. Estas aulas sempre foram uma tortura, desde que me lembro de as ter, mas podia dizer que as aulas da quarta feira eram as minhas favoritas porque a Iris não tinha para onde desviar o olhar nos intervalos das nossas pequenas conversas envergonhadas sobre meras simbologias, apenas se concentrava em mim e, por muito egoísta que isto pudesse soar, era exatamente o que eu gostava. Olhem para mim, a ser todo sensível e a ficar estranhamente entusiasmado por ter uma rapariga a olhar para mim, como se isso não fosse algo normal.

Ocupei a cadeira soltando um sorriso para os olhos esverdeados que me observavam esporadicamente. Fiquei à espera de uma palavra simpática, mas apenas obtive um sorriso obviamente forçado e um olhar fixo na parede que outrora branca. Quis perguntar o que estava a acontecer ou o que havia acontecido, mas quem era eu para me meter onde não era chamado? Não era da minha conta, pelo que me virei para a Mrs. Thompson, pronto para 60 minutos da tortura típica.

"Lágrima." Espreitei para o lado, ouvindo a voz de Iris num tom moribundo. "Símbolo de dor, padecimento, sofrimento. Frequentemente comparada a uma pérola." Esperei que ela continuasse o seu desabafo, mas o silêncio regressou, silêncio esse que achei pertinente matar. "Para os Aztecas, as lágrimas das crianças que eram conduzidas ao sacrifício para invocar a chuva simbolizavam as gotas de água." Ela olhou-me e sorriu genuinamente. Foi bom vê-la sorrir. "A que propósito veio a lágrima à conversa?" "Não sei. Sinto-me melancólica." "É, provavelmente, por causa da voz da Mrs. Thompson." Ambos soltámos uma gargalhada em perfeita sintonia. Não, não a conhecia há muito tempo, mas não me agradava vê-la infeliz. "Mas não vais chorar, pois não?" eu disse sorrindo. "Corar é inútil."

O toque de saída surgiu repentinamente. Nunca pensei que a aula passasse tão rápido, mas, na verdade, passou. Cortesia da Iris. Reparei na sua ida até ao portão da escola envolvida na multidão que fazia o mesmo, todos com o mesmo objetivo. Deixei o Calum para trás e segui-a, numa corrida, porém apanhei-a já do lado exterior da escola. "Tens um para mim?" falei ao ouvido de Iris, enquanto ela tirava um cigarro do maço. "Luke? Não te julgava deste tipo de pessoas. Não me digas que queres lançar um ar misterioso." "Acho que já tenho mistério suficiente em mim. Achei de bom tom fazer-te companhia neste dia tão melancólico." Fiquei na sua simpática companhia durante 10 minutos sem dizer uma única palavra. Apesar de nenhum de nós falar o que quer que fosse, foi um momento muito melhor do que qualquer tarde e noite que já passei com a Danielle, nas quais era impossível haver um minuto de silêncio.

"Bem, vou andando. Vemo-nos à tarde. Até logo." A questão aqui era que eu não queria vê-la à tarde, eu queria continuar a desfrutar da sua presença ao pé de mim; eu queria falar sobre coisas banais, idiotas, sérias, passados e presentes. Eu não queria ficar sozinho ou na companhia de alguém que me fizesse sentir sozinho. "Uhm, Iris!" Ela olhou de forma surpresa para trás, esperando algo que eu não percebia o quê. Fiz-lhe sinal para voltar até mim e ela assim o fez, em passos lentos. Eu queria pedir-lhe para passar o resto da manhã comigo; queria implorar-lhe a sua companhia que tão alegrava os minutos degradantes pelos quais tinha que passar todos os dias, mas eu era um covarde. "Uhm, vais a pé para casa? Se fores, eu posso acompanhar-te. Vou até casa de um amigo e fica em caminho. Se quiseres." Os seus olhos estavam fixos em mim em jeito pensativo. Eu não fui capaz de dizer-lhe que ia para casa de uma amiga com a qual passava as tardes aos beijos, acabando em sexo sem qualquer significado, sob a cama confortável numa agonia que eu próprio não entendia. Não fazia ideia, também, se ficava em caminho, mas eu queria acompanhá-la. "Tudo bem." Sorri abertamente e começámos a caminhar. "Nunca hei-de entender o porquê de tanto fascínio pelo sol. É apenas uma bola gigante de fogo que nos faz suar e nos bloqueia a respiração." Relembrei o meu primeiro pensamento matinal - que foi precisamente igual ao dela -  perante o seu desabafo coloquei um enorme sorriso nos meus lábios que tentei disfarçar. "Qual é a piada? Espera, já sei, pareço uma velha resmungona? Não serias o primeiro a dizê-lo." "Longe de mim pensar tal atrocidade." Ela prontamente virou os olhos para o chão, num sorriso envergonhado. Continuamos a caminhar em silêncio apenas escutando a brisa de um dia de Verão, desfrutando mutuamente a companhia. Esperava eu.

"Tens a certeza que a casa do teu amigo fica em caminho?" ela questionou, num sorriso, como que adivinhando a resposta. Eu não sabia o que responder, não lhe podia dizer que inventara isso simplesmente porque queria acompanhá-la até casa. Ela iria achar que eu era um perseguidor doentio. "Suponho que sim." tartamudeei profundamente embaraçado.

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n/a: olá :-) espero que estejam a gostar disto tudo até agora; sei que tenho empatado um pouco, mas a história entre o Luke e a Iris começa agora yay! Comentem e votem, caso gostem, obrigada pelas quase 700 leituras e pelos quase 80 votos e pelos comentários :-D

Já agora, digam-me o que estão a achar da fic até agora, se mudavam alguma coisa e como gostavam de ver desenvolvida a relação deles e assim. já tenho a história mais ou menos definida, mas gosto de saber as vossas opiniões :-)

Crash // l.hOnde histórias criam vida. Descubra agora