2.2 Infinito

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"Infinito: o desenho do infinito é representado por um oito deitado, ou seja, uma curva geométrica com um traço contínuo simbolizando a inexistência do início e do fim, ou até mesmo do nascimento e da morte. Do latim infinítu, significa principalmente, as coisas que não tem limites, que são incontáveis, imensuráveis. Muitas culturas também utilizam esse símbolo como representação da união do físico e do espiritual, da morte e do nascimento, bem como da evolução espiritual uma vez que seu ponto central significa um portal entre os dois mundos e o equilíbrio dinâmico e perfeito dos corpos e dos espíritos"

- luke -

O medo de crescer sempre foi um medo gradual na minha vida. Quando somos puramente crianças, a única coisa que nos caracteriza é a vontade de brincar, de correr, de esfolar joelhos e rir; rimos com pouco, somos amigos de todos sem acrescentar qualquer tipo de preconceitos físicos, psicológicos ou emocionais. Somos genuinamente bons. Somos crianças, o símbolo máximo da pureza e bondade. À medida que os anos escorrem como uma gota de água num vidro, as preocupações, as responsabilidades, os vícios, os maus hábitos, as companhias decadentes, as ideias reles e os comportamentos que jurámos que nunca iriamos ter acumulam-se drasticamente e transforma-nos nas pessoas sobre as quais os nossos pais constantemente nos avisaram - e talvez ainda avisam. A dor de crescer leva qualquer mente complexa ao desconcerto e, consequentemente, à ruína: como um grande poeta disse, à medida que um indivíduo envelhece, a felicidade diminui porque a inconsciência transforma-se em consciência. Todos temos uma grande vontade de recuar ao tempo em que não tínhamos consciência - a infância - mas termos consciência disso mesmo, termos plena noção que somos inconscientes para que sejamos realmente felizes. E eu não sou uma exceção a essa regra.

A minha estadia que se estende já por quatro dias em casa das pessoas que deveria ter evitado ao máximo tende a consumir-me a todos os níveis e, neste momento, já só anseio pelo final de tudo, a solução para todos os problemas que se acumularam conforme os anos: a morte. Como pode a condição humana atribuir uma conotação somente negativa à única solução dos problemas impossíveis de resolver?

O meu há muito apagado coração dispara para todos os lados os reflexos das minhas ações. O arrependimento, o fracasso, a inferioridade, o ridículo, a dor, as saudades. As saudades da Iris. Que saudadades. Minto totalmente ao dizer que nunca tentei entrar em contacto com ela, mas não quero adquirir um rótulo de fraco e ridículo perante a única pessoa que me importa neste mundo. A única pessoa a quem, de facto, faz diferença a minha existência. "Ainda estás aí especado? Já te chamei à 15 minutos, Luke." Aquele cabelo vermelho. O quão eu odiava aquele cabelo vermelho. "Sabes, Michael, estive a pensar e o vermelho do teu cabelo assenta-te mesmo bem. Sabes porquê? Porque a simbologia do vermelho está diretamente ligada ao Inferno e tu não és nada mais nada menos do que um Lucifer." "Esta bateu-te forte, já estás a delirar, puto." As gargalhadas daquela figura diabólica ferviam-me o sangue e tudo o que me apetecia fazer era bater-lhe. Desancá-lo em punhos cerrados, mas os efeitos psicotrópicos não me deixavam ver claramente, quanto mais aplicar força. "Esta é a última de hoje para vocês, rapazes. Pelo menos para ti, Luke. Ontem tive uma surpresa agradável à noite, no Eclipse e acho que a pessoa que encontrei merece um momento de felicidade. Tal como tu."

A minha cabeça confusa que ainda juntava as palavras na ordem que permitisse coerência frásica pousava na direção do chão, à espera de ouvir o resto. "A Iris." Uma luz acendeu dentro da massa cinzenta completamente consumada pela droga e os meus olhos foram de encontro à bolas oculares cinzentas com um rastilho de maldade no rosto do Michael. A vontade de lhe bater aumentou novamente somente pelo facto de aquele maldito pronunciar o nome da Iris, contudo, tal como há pouco, era-me impossível envolver-me numa luta dada a minha condição denegrida. Arrastei-me até à cozinha invadida pelo sol que se aproximava do seu esconderijo, por detrás do horizonte. O Michael usava-me a mim e ao Calum como cobaias dos seus produtos novos, importados do estrangeiro através de vários tipos de, digamos, máfias. Eu fui completamente idiota por ter aceite tal cargo, ainda para mais sob a fidelização de "quem entra, nunca mais poderá sair, ainda que tente." Ele forçava-nos a experimentar os produtos, ele obrigava-nos a sujar as mãos com os trabalhos imorais que os seus superiores o encarregavam de tratar. Eu já havia feito muito em nome do Michael e se, de facto, existisse um Céu e um Inferno, até o Inferno seria bom demais para mim. "Luke! Despacha-te!" Segundo a teoria de Platão, existem dois mundos: o mundo dos arquétipos e o mundo dos sentidos. No primeiro, vive-se uma vida de ideias curas e perfeitas; o segundo, é o mundo humano. Significa isto que à condição humana está inerente uma dualidade: o mundo espiritual - a alma - e o mundo físico - o corpo. As almas pertencem ao mundo dos arquétipos, contudo sofrem, inexplicavelmente, um acidente, ficam amnésicas e caem dentro de um corpo, que é para elas uma prisão muito imperfeita. Esta alma vai tendo pistas que, se souber interpretar, lhe permitem recordar-se do mundo extraordinário em que vivia antes e a única forma de abandonar este mundo imperfeito e cair nas graças de uma vida paradisíaca é através de um veículo escolhido pela alma. Eu, à luz deste platonismo, vi na Iris o veículo para me salvar da depravação existencial e viajar para um mundo perfeito. Vi nela um rasto de esperança para mim e vi a possibilidade de me redimir de tudo o que fiz mas, como o Michael disse da última vez que abandonei esta vida, "ela irá perseguir-te até aos confins do mundo. Esta vida é a tua sombra, Luke, nunca irás livrar-te dela nem da história que carrega."

✺✺✺

"Porta-te bem e não faças asneiras." avisou o Michael enquanto eu me preparava para sair de casa. Não podia bem dizer que estava feliz por regressar; estava aliviado por finalmente sair daquelas quatro paredes, mas a quantidade de perguntas que a Iris reservava para mim assustavam-me já. O Michael deveria querer, com certeza, que eu contasse tudo à Iris e ficasse, assim, sem ela, de qualquer forma.

O toque havia já soado há algum tempo e com ele erguia-se a minha ansiedade misturada com muito pouca lucidez ainda. Bati à porta, já fechada devido ao longo tempo que havia já passado do toque e foi aberta pela figura baixa e careca que se intitulava de professor da disciplina.

"Mr. Hemmings, já foi avisado inúmeras vezes em termos de assiduidade."

Ignorando completamente o que ele havia dito, olhei prontamente para o local onde a mesa da Iris estava e pude encontrar uns olhos verdes que olhavam arregalados para mim. Como eu gostava de ter corrido para os braços dela para me sentir finalmente em casa, mas, obviamente, isso não podia acontecer. O olhar doce dela lembrava-me o porquê de eu ter abandonado o Michael e tudo o que o rodeava; lembrava-me do porquê de eu querer redimir-me; o porquê de eu querer mudar definitivamente. As saudades. Iris.

Era notório que o seu olhar seguia cada passo e movimento meu, nem que fosse o erguer do pulso para verificar as horas. A aula passou num ápice, talvez por adivinhar o que esperava assim que pusesse o pé fora da sala. Mal tocou, peguei na mochila e apressei-me, contudo senti uma mão agarrar firmemente no meu pulso e guiar-me para bem longe de tudo e todos. Fui guiado para um canto escondido da escola, por trás de um dos pavilhões de educação física, o local onde geralmente eram aplicadas técnicas dos alunos de jardinagem.

Antes que eu pudesse dar conta do que estava à minha volta, senti a minha bochecha a arder acompanhada pela visão de uma lágrima a deslizar pelo rosto da Iris. Caramba, ela nunca tinha chorado à minha frente. E certamente nunca antes me tinha dado um estalo.

"Quem é que tu pensas que és?! Como tens a puta da indecência de pensar que tens o direito de fazer o fizeste?! Onde raio de enfiaste?!"

"Uhm, Iris,..." - comecei, sem saber minimamente o que dizer. Ela olhava-me intensamente de olhos brilhantes, com um par de lágrimas a saltar contra a pele. "Não chores." - pedi.

Ela limpou as lágrimas e virou costas para mim, respirando fundo. Voltou a virar-se, já de cara seca, porém com os olhos ainda mais brilhantes do que antes.

"Porquê?" - ela perguntou com voz fraca, deixando-se cair de forma a sentar-se num relevo de cimento que existia ali. Sentei-me ao seu lado fitando o chão.

"É complicado."

"Testa-me."

"Acho que o melhor para os dois é afastarmo-nos."

Nunca me custou tanto dizer uma simples frase na vida. Senti cada célula em mim morrer ao pronunciar aquelas palavras. Como era eu capaz de ser uma besta tão sadia? Deplorável. Um narciso, como sempre assumi ser. Pressenti que era ferozmente observado por um ser que se afogava em dor, mágoa e, acima de tudo, arrependimento.

"Não tinhas o direito. Não agora."

Ela levantou-se e começou a afastar-se.

"Iris..." - chamei, sem qualquer intenção de acrescentar ou mudar de ideias. Apenas queria observá-la pela última vez, talvez na procura de um reconforto.

"Eu hei-de descobrir todo esse mistério que te torna tão egocêntrico e despegado. Mas aviso-te que nada poderá alguma vez justificar isto."

Oh, se ela soubesse.

✺✺✺

N/a: desculpem a demora, sou merda, eu sei. também sei q deixei o último capítulo em aberto mas vou continuá-lo no próximo, ainda que seja muito obvio quem ela encontrou lmao. espero q gostem, opinem e tal cenas obg malta

Crash // l.hOnde histórias criam vida. Descubra agora