1.3 Aranha

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"Aranha: a aranha é um animal predador e, por isso, muitas vezes simboliza o perigo. Dedicada à fiação e tecelagem, representa, assim, um símbolo da divindade interior bem como do narcisismo; por outro lado, contém na sua simbologia a obsessão pelo centro, como acontece na da teia que tece."

- luke - 

Após ter acendido o cigarro por influência indireta da Iris, olhei em frente e senti cada célula do meu corpo falecer subitamente. Observei um carro desportivo preto com uma matrícula familiar e uma figura alta que, apesar de pintar o cabelo de cores diferentes, era inesquecível.

Michael.

Temia profundamente que a Iris se apercebesse do meu estado gélido após ter posto olhos no Michael, mas era mais forte que eu. Senti que ela, depois de o ter observado atentamente - pareceu-me - me observava a mim atentamente, tentando decifrar o que estaria por trás da incomodativa troca de olhares entre mim e o Michael e o facto de ele se estar a dirigir até mim/nós. "Uhm, vemo-nos amanhã?" "Pensei que íamos a caminhar até minha casa, tu até já tinhas avisado o teu amigo..." Era impossível ignorar a fracamente disfarçada decepção no seu tom de voz, o que me partia o coração. A Iris era a última pessoa que eu queria ferir, fosse de que modo fosse, e esta merda desta história sem fim obrigava-me a fazê-lo. Parei de caminhar assim que estava paralelo ao carro preto e olhei nos olhos de orgulho ferido. "Prometo que amanhã te acompanho, mas hoje surgiu um imprevisto." Antes que ela pudesse falar, pousei a minha mão na sua nuca e dei-lhe um beijo na testa. Olhei-a uma última vez, constrangimento perfeitamente esboçado na sua face - e na minha também, eu sentia - e caminhei até ao Michael. "Que raio estás aqui a fazer?" "Bom dia, Luke! Bem, como me deixaste pendurado da última vez, decidi vir buscar-te à escola. E podias ter dito à Iris para vir também, ainda há lugar para ela. Nem que seja ao meu colo." "Como é que sabes a merda do nome dela?" "Digamos que somos conhecidos." "Conhecem-se de onde?" "Tivemos uma espécie de encontro escaldante." Aquele sorriso estava a meter-me uns nervos abismais, estava capaz de o partir em dois, mas ele tinha muita mais força que eu. Sempre teve, e não me apetecia ficar com a cara amassada. "Deixa-me adivinhar, tu foste indecente, ela deu-te uma joelhada na pila e pronto, romântico." "Nada disso, houve contacto com a minha pila, mas foi mais suave." Juro que se ele não tira aquele sorriso nojento, não me controlo. "És um merdas de primeira." "Não te imaginava ciumento, Lucas." "Cala-te." O Michael fez-me sinal para entrar no carro e assim o fiz, por menor que fosse a minha vontade. Ver a Iris a caminhar sozinha era como se me carregassem numa ferida, eu não queria, de modo nenhum, deixá-la assim, até porque lhe tinha dito que iria com ela. Pensei, na verdade, que ela ligasse ao tio para a ir buscar, mas não, ela optou por caminhar até casa, sozinha, debaixo das nuvens carregadas que ameaçavam, a qualquer momento, deixar escapar uma chuva intensa, chuva essa que iria cair sob o seu corpo franzino, pois não trazia consigo nenhum guarda-chuva.

Porque estou eu a preocupar-te tanto?

Passamos por ela uma última vez, de carro, com o Michael a querer parar e oferecer-lhe boleia, mas jamais eu deixaria que ela se aproximasse dele. Faria tudo que estivesse ao meu alcance para impedir isso.

Assim que chegámos à casa do Michael, encontrei o Calum, que me recebeu com um sorriso perverso, como se houvesse alguma armadilha na qual eu iria cair somente por ter entrado naquela maldita casa. "O que é que querem de mim, afinal?" - perguntei, após o Michael se sentar ao lado de Calum, que jogava uma porcaria qualquer na Play Station. "Ainda tenho aqui o que deixámos combinado para o dia em que te baldaste." "Foi um momento de fraqueza do qual me arrependo, já te disse que me saturei disto." "Mas Luke" - interviu o Calum, parando de jogar - "sabes perfeitamente que não é assim que funciona. Foste avisado quando entraste aqui que assim que entrasses, não saías." "Eu já vos disse que da minha boca não sai nada, podem estar descansados. Aliás, já dei mais que provas disso. A única condição é deixarem-me em paz." "Desculpa, mano, mas isso não vai acontecer." "Vocês não me podem obrigar." O Michael parou, tal como o Calum, de jogar e levantou-se, começando a caminhar à minha volta, lentamente, em passo provocativo.

Crash // l.hOnde histórias criam vida. Descubra agora