9- Regressão

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Na noite anterior, apesar de Nerian ter ameaçado que iria dormir no quarto, ele foi para a floresta. E particularmente, eu me senti melhor assim.

– Bom dia, Eileen. –Ele sorriu torto para mim quando abri meus olhos pela manhã.
– Há quanto tempo está me olhando? – Balbuciei preguiçosamente, enquanto me espreguiçava, tentando disfarçar meu constrangimento ao vê-lo.
– Não sei. –Nerian sorriu ainda me observando. –Você parece tão dócil enquanto dorme.
Eu o encarei cética, enquanto ele trouxe a mão esquerda até meu rosto, acariciando minha bochecha. Meus olhos então se fixaram na aliança cristalina em seu dedo anelar, o que fez com que eu me afastasse do toque da mão dele.
– Não me diga que ficou me vigiando dormir... – Brinquei tentando disfarçar o quanto a presença dele estava me deixando tensa, e me levantei. Nerian continuou deitado, com olhos astutos ao me observar.
Tentei ignorar seu olhar em mim, e me dirigi até a bandeja de frutas sobre a bancada e peguei alguns morangos, antes de me voltar na direção dele.
– Calleo deve estar chegando, preciso me arrumar.– enfiei um morango na boca e corri para me arrumar.
-Isso está ficando desconfortável, Eileen. –Nerian se levantou vagarosamente das almofadas e olhou para mim –Sinto falta da antiga Eileen, aquela que me desafiava.
-Eu também sinto falta dela. –Eu disse saindo do quarto.
Ao descer as escadas, avistei Calleo conversando despreocupadamente com Kepri, os dois sorriam, e vez ou outra Kepri afagava os cabelos prateados de Calleo.
– Bom dia. –Kepri me cumprimentou gentilmente. Ela usava sua túnica amarela que parecia se moldar perfeitamente em seu corpo esguio. Na longa trança prateada de seus cabelos, haviam pequenas presilhas douradas, que lhe enfeitavam os cabelos da raiz às pontas.
– Bom dia, Kepri. – Respondi timidamente, e me voltei na direção do jovem lemuriano. –Bom dia, Calleo.
Calleo me lançou um largo sorriso, o qual alcançava até seus arredondados olhos cor-de-rosa.
– Meu filho... –Kepri se voltou na direção de Calleo. –Convide a Eileen para se juntar a nós durante a colheita.
– Sim, senhora. –Calleo deu um rápido beijo na face morena de Kepri e se afastou. –Temos que ir agora, até mais tarde, mãe.
– Mãe? – Inclinei a cabeça para o lado e observei os dois juntos. Calleo anuiu com a cabeça, sorrindo meia boca para mim.
– Se cuidem. –Kepri sorriu graciosamente em nossa direção e nos deu as costas, indo embora.
Eu e Calleo saímos da bromélia em silêncio. Ele parecia significativamente alegre, e isso me chamou a atenção. Enquanto passávamos pelos lemurianos que cuidavam do plantio das hortaliças, Calleo se agachou próximo a um canteiro de morangos e se agachou de joelhos no gramado.
– Se agache até aqui. –Calleo gesticulou com a mão. –Vou te ensinar a colher morangos.
– Isso vai me ajudar a recuperar minhas asas? –Cruzei os braços me sentindo levemente irritada, mesmo sem entender por que. Calleo me olhou de baixo, juntando as sobrancelhas. Eu suspirei e me agachei ao lado dele.
– Os morangos mais gostosos são os que tem as folhas mais verdes. –Calleo fingiu não perceber minha mudança de humor repentina. –E o fruto bem vermelho.
– Todos estão vermelhos. – Comentei.
– Na verdade, –Calleo segurou um dos morangos sem arrancá-lo e girou-o para que eu olhasse a parte branca abaixo do talo fininho. –alguns ainda estão um pouco brancos.
– Apenas os vermelhos... Entendi. – Revirei os olhos e estiquei a mão para puxar um dos morangos. –O quão complicado pode ser isso?
Antes que eu tirasse o morango, Calleo segurou minha mão impedindo que eu pegasse o morango.
– Há uma maneira certa de colher um morango. –Calleo lentamente soltou minha mão. –Você tem que quebrar o talo do morango, por que assim ele dura mais tempo depois de ter sido colhido.
Calleo colheu dois morangos, e estendeu a mão para que eu pegasse um deles.
– Algo me diz que você e os morangos tem muito em comum. –Calleo estreitou os olhos e me fitou de um jeito estranho. –Meus instintos me dizem que sua fruta favorita é o morango. Estou certo?
– Seus instintos lhe dizem isso? – Perguntei um tanto desconfiada. –Ou você reparou que eu estou comendo morangos todos os dias desde que cheguei aqui.
– Os dois! –Calleo acenou com a cabeça e piscou para mim. –Venha, quero ver como estão as outras frutas para a colheita de hoje.
Continuamos andando pelas hortaliças, Calleo parecia maravilhado ao constatar que os frutos estavam bonitos e com boa qualidade. Ele parecia estar se deliciando ao observar como o pomar estava frutífero, era como se o jovem lemuriano de túnica azul transbordasse de alegria. Não só ele como todos os lemurianos que encontramos pelo caminho. Alguns até mesmo cantarolavam sorridentes enquanto colhiam algumas outras frutas.
Eu não entendia o motivo de tanta felicidade por ver o pomar carregado de frutas, mas tentei me deixar envolver, na expectativa de disfarçar a irritação que me abrangia. Eu estava com pressa de ter minhas asas de volta, não queria mais perder tempo.

Calleo passou por todo o vale distribuindo sorrisos até chegarmos na cachoeira.

Eileen (PARTE II) (Em andamento)Onde histórias criam vida. Descubra agora