20- Os sete-cores

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Naquela mesma noite, quando cheguei até o topo da colina e avistei o ninho dos Sete-cores, me encantei. Eles eram incrivelmente maiores vendo-os de perto. Mesmo assim, não aparentavam ser perigosos. Eram seres majestosos em suas plumas coloridas e lustrosas, alguns passeavam entre diversas rochas cravadas entre o gramado verde da colina, enquanto outros sobrevoavam o céu noturno e cheio de estrelas. Eu e Nerian estávamos ocultados pelas sombras noturnas quando nos aproximamos.

Nosso plano era simples, encontraríamos um filhote pequeno, e tentaríamos induzi-lo a nos seguir, fazendo com que seus pais chegassem até o Eklere. Não havia como dar errado. Afinal, era só atrair um passarinho indefeso, o quão difícil isso poderia ser?
Nós não os machucaríamos, e muito menos tínhamos a intenção de irritá-los.

–Eu vou tentar chamar a atenção dos grandões, enquanto você atrai um dos filhotes. –Nerian sugeriu, observando que haviam filhotes sozinhos, ciscando entremeio a algumas pedras grandes.
–Tudo bem. –Assenti com a cabeça, enquanto Nerian se afastava de mim.

Nerian e eu não havíamos trocado uma única palavra sobre a pequena reunião que tivemos juntos á Aelle e o Eklere. E quando eu avisei que Aelle já havia ido para Carbert, Nerian se apressou em dar seqüencia ao nosso plano alternativo. Para Nerian, iríamos apenas distrair os selvagens e resgatar as crianças lemurianas, mas para Aelle, o Eklere e eu, iríamos fazer o que fosse preciso para atrair a caeli de volta para mim.

Aproximei-me dos filhotes com todo o cuidado possível, evitando fazer movimentos bruscos, que pudessem assustar bichinhos tão dóceis. Ao me aproximar um pouco mais, consegui acariciar a cabeça de um deles. Era uma ave muito fofa, com cerca de um metro e meio de altura, com plumas coloridas espalhadas pelo corpo, como um arco-íris, apesar do verde e do azul serem as cores predominantes.
A criaturinha pareceu gostar do carinho. E eu aproveitei para afastá-lo dos outros filhotes.
Nerian estava à espreita, vigiando para que os pássaros maiores não percebessem.
–Vem! – Sussurrei baixinho ao acenar com a mão. E o pequenino filhote colorido veio. Andamos um pouco, nos afastando uns quinze metros dos outros filhotes coloridos, quando uma calda enorme e pesada acertou o chão a minha frente. O chão afundou e eu me lancei para trás, rolando a alguns metros de distância do filhote.
Algo me dizia que aquele pássaro grande, era a mãe do filhotinho que estava comigo, por que o passarinho fez menção de correr até o grande pássaro colorido, que chiava ferozmente para mim.
–Corre, Eileen! –Ouvi Nerian gritar lá do alto, enquanto tentava atrair a atenção da mamãe pássaro para ele, ao sobrevoar perto dela.
Mais que depressa comecei a correr ladeira abaixo. Eu não tinha outra escolha, a não ser correr para longe. A mamãe pássaro voou na minha direção, alertando os outros pássaros pelos quais eu passava correndo, e eles começaram a me atacar, batendo com suas caldas e asas sobre as pedras onde eu me segurava para não cair rolando colina abaixo. Mas conforme eles mandavam rajadas de vento com suas asas, às pedras em que eu tentava me apoiar desmoronavam devido à velocidade do movimento, fazendo com que eu escorregasse descontroladamente pelo declive. Em um desses meus deslizes, flexionei as mãos contra o chão, e me impulsionei para um côncavo gramado na colina. Quando caí dentro dele, observei quase que de imediato que era um imenso ninho, feito de grama fofa e cipós compridos, cheio de ovos esverdeados e fosforescentes com cerca de um metro de altura.
–Oh céus! – Murmurei arfante ao olhar aquela quantidade de ovos ao meu redor.
Olhei para o alto, e avistei Nerian, se esquivando dos ataques incessantes de duas aves gigantescas, enquanto eu continuava na mira da mamãe pássaro, que se exaltou ao me ver dentro do seu ninho de ovos. Furiosa, ela tentou me acertar com sua calda colorida para me jogar para fora do ninho.
Eu me abaixei, e me escondi entre os ovos.
Ela pousou entre os ovos, chiando alto, ciscando e bicando entre eles, buscando-me com ferocidade.
O sangue em minhas veias se agitou nervosamente, olhei para cima mais uma vez, procurando por Nerian, na esperança de que ele me visse ali, e pudesse vir em meu socorro.
De repente a mamãe pássaro, abriu as suas asas enormes, e o ninho ficou escuro, iluminado apenas pela fraca luz fosforescente que irradiava timidamente dos ovos, me deixando parcialmente cega.

Eu estava presa no ninho. Sem asas, sem poderes, sem qualquer chama violeta fluindo pelo meu corpo.
Meus olhos arderam em resposta ao meu desespero, e então eu consegui ver através daqueles ovos. Filhotes em formação, pulsando suavemente. Olhei para a plumagem daquele pássaro formando um telhado sobre minha cabeça, me trancafiando em seu ninho, seu coração pulsava feroz, agitado, nervoso.

Ela chiava alto com a cabeça para fora do ninho, como se pedisse por socorro, e eu esperava que não apenas os pássaros percebessem que ela havia me prendido ali, mas Nerian também.

Olhei em volta, observando a maneira como aqueles cipós se trançavam entre os ovos e então tive uma idéia com poucas chances de sucesso.

Eu me agarrei em um cipó largo, puxando com cuidado para evitar que o pássaro que me prendia no ninho, pudesse perceber minha movimentação. Amarrei a ponta de um dos cipós envolta da minha cintura, transpassando-o três vezes ao meu redor, certificando-me de que ele estaria firme, e apalpei no chão o comprimento do cipó, até chegar a sua outra extremidade. Apesar de ele estar emaranhado, presumi que ele deveria ter cerca de uns quinze metros de comprimento. Silenciosamente, eu peguei a outra ponta do cipó, e apressadamente a circundei em torno de um dos ovos esverdeados mais próximos á mim. Passando o cipó varias vezes em torno dele, da forma mais aleatória possível, para conseguir deixá-lo bem preso. Mais que depressa peguei outra ponta de cipó e amarrei no mesmo cipó que me conectava ao ovo, dando inúmeras voltas entre os dois cipós, até prendê-los com firmeza. Fiz um laço largo com o resto do cipó e estendi no chão do ninho, deixando no lugar mais amplo e aberto que eu conseguia enxergar no escuro.

O pássaro que me prendia no ninho chiava alto, então me agachei próximo ao ovo que eu havia amarrado e então, esperei, segurando o cipó do laço firmemente com as duas mãos. Alguns minutos se passaram, até que finalmente o pássaro ergueu as asas, deixando a claridade da lua entrar no ninho novamente. A mamãe pássaro levantou vôo, e em seguida, outros dois pássaros pousaram ameaçadoramente no ninho, ciscando entre os ovos em minha procura. Olhei para cima e vi Nerian sobrevoar o ninho, mas eu estava escondida de mais para que ele me visse agachada atrás do ovo que eu prendi com cipó.

Observei enquanto as garras de um dos pássaros ficou no meu campo de visão. Então me levantei depressa, ficando no campo de visão dele, ele chiou para mim ameaçadoramente e avançou em minha direção, entre nós estava o laço de cipó estendido no chão.

-Eileen! –Ouvi Nerian gritar, quando uma das garras do pássaro pisou no laço estendido no chão e eu puxei com força. O cipó subiu pela couraça das garras do pássaro e se prendeu em torno dos dedos longos do pé. Eu me lancei novamente entre os ovos, rolando pelo gramado e os cipós, me esquivando das bicadas que aquele pássaro direcionava a mim.

Nerian sobrevoou o ninho, e incendiou cuidadosamente as mãos, atirando pequenas faíscas na direção dos dois pássaros pousados no ninho dos sete-cores, apenas para afugentá-los. Os pássaros não recuaram do ninho, e conforme o pássaro no qual eu havia prendido ao cipó se movimentava eu e o ovo éramos puxados para ele.
-Nerian! –eu gritei aflita.
Sem pensar duas vezes Nerian deu um rasante sobre os pássaros do ninho, concentrando uma enorme quantidade de fogo violeta nas mãos, o que fez com que os pássaros levantassem vôo.

Conforme o pássaro levantava vôo, eu e o ovo esverdeado íamos sendo arrastados pelo ninho, até que fomos puxados para cima, sendo suspendidos no ar.
No momento em que Nerian me viu pendurada no ar, agarrada ao ovo, ele se desesperou, e atraiu os pássaros para mais longe do ninho. Eu balançava erroneamente pelo ar noturno, enquanto Nerian distraia os pássaros e observava os cipós, o ovo e eu.

Então ele fez com que o pássaro subisse mais no céu noturno, de forma que eu estivesse há uma distancia de cerca de uns vinte metros de altura. Então Nerian incendiou ainda mais as mãos, e ateou fogo no cipó que pendia das garras do pássaro, fazendo com que ele arrebentasse. Eu e o ovo despencamos em uma queda livre.
Então Nerian voou rapidamente em minha direção, agarrando o meio do cipó entre mim e o ovo, segurando-nos antes que atingíssemos o chão. Nerian mais que depressa voou para longe da colina, para longe dos sete-cores.
-Você tem noção do quanto isso que você fez foi arriscado? –Nerian esbravejou, seus olhos violetas brilhavam no escuro, enquanto ele me olhava pendendo naquele cipó.
-O importante é que deu certo. –Eu suspirei, tentando controlar a respiração.
-Na sua condição atual... Você poderia ter morrido! –Nerian grunhiu para mim, enquanto suas asas negras se movimentavam pesadamente.
Eu fiquei em silencio, e abaixei a cabeça, olhando para a floresta lemuriana passando abaixo de nós, em suas cores tímidas e brilhantes. Tentando esconder que a reprimenda dele havia me chateado.
-Você foi brilhante, Eileen... –Nerian murmurou, fazendo-me erguer o olhar para ele novamente –E eu... Fiquei preocupado.
-Eu sei que estou vulnerável agora... –sibilei timidamente –Mas não se esqueça de tudo o que eu já enfrentei desde que aquele lobo chegou em Quartzo.
-Eu jamais me esqueceria daquilo. –a tristeza sombreou o olhar violeta de Nerian –E eu não estou invalidando a sua capacidade de se virar sozinha, mas talvez seja o instinto, ou talvez seja o fio de cristal... Mas eu não consigo parar de me preocupar com você, Eileen.
-Se você bebesse a poção... –Desviei o olhar para a floresta novamente –Talvez nós descobriríamos sobre os seus reais sentimentos por mim.
-Esse fio... O casamento... Isso te deixa insegura em relação á mim? –Nerian sobrevoou mais próximo á floresta, diminuindo a velocidade.
-Sim. –admiti sem olhar para ele –Antigamente eu me irritava com o seu instinto super protetor... De verdade. Eu planejava matar você em algum momento oportuno.
Nerian gargalhou alto com um leve ar de ironia.
-Mas agora... –eu continuei, ignorando a risada, e olhei para cima, encarando o seu olhar violeta que cintilava sobre mim.
-Mas agora...? –Nerian parou de rir, ao esquivar a sobrancelha de um jeito curioso.
-Acho que as coisas mudaram um pouco. –eu disse simplesmente.
Nerian ficou em silencio, pensativo enquanto voltava a observar o caminho por onde voávamos.
-Por que não quer beber a poção do Eklere? –Eu insisti. Nerian trincou o maxilar com força.
-Porque você quer que eu beba? –Ele suspirou pesadamente.
-Porque eu não acho justo essa situação estar sendo imposta á nos dois. Eu sei que você quis me proteger através do ritual núbil. –Respirei profundamente ao olhar para ele, para as mãos dele segurando o cipó que me sustentava no ar, e para aquela aliança cintilante no dedo anelar dele –Mas...
-Nosso casamento não foi consumado. Nem mesmo por um beijo. –Nerian ponderou por um breve momento ao olhar para mim –Então ele não passa de uma mera formalidade. –Seus olhos violetas brilhavam de tristeza –Eu não estou pressionando você, e tão pouco quero que você se sentia na obrigação de querer estar comigo.
-Não me sinto obrigada á nada. –eu disse baixinho –Mas desde que eu soube desse fio, eu acho que você está sendo obrigado a estar ao meu lado desde o inicio.
-E o que você acha de Aelle estar ao seu lado? –Nerian fixou o olhar em mim, e até mesmo as asas negras dele pareciam ter ficado tensas enquanto se movimentavam.
-Eu me sentia atraída por Aelle no inicio. –murmurei sustentando o olhar de Nerian nos meus –Mas agora estou confusa.
Nerian apenas me observou em silencio novamente, como se refletisse sobre o que eu acabara de dizer. Eu também fiquei em silencio. Refletindo.
Havia algo em Aelle que chamava a minha atenção desde o primeiro momento em que eu havia colocado os meus olhos nele. Talvez os belos olhos tristes, do azul mais perfeito que eu já vira. Ou talvez o desafio, a impossibilidade. Eu não sabia distinguir, o que exatamente me atraia para Aelle.
Mas agora... Depois de tudo o que acontecera... Eu não olhava mais para Aelle com o mesmo olhar, era como se o encanto estivesse se desfazendo lentamente.
E afinal de contas, eu tinha apenas dezoito anos, prestes a fazer dezenove. E não me considerava madura o suficiente para confiar em meus próprios julgamentos. Entretanto, eu sabia... Talvez eu sempre soubesse, mas não me permitia admitir, que ter Nerian ao meu lado, sem duvida alguma, era uma das melhores coisas que poderia ter me acontecido. E desde que eu comecei a ter consciência disso, meus sentimentos por ele estavam se transformando. Mas aquele ainda não era o momento certo de me conscientizar disso.

Quando chegamos ao tronco de arvore em que o Eklere morava, ele já nos esperava ao lado de fora. Quando o ancião viu o ovo pendendo pelo cipó, arregalou os olhos cor de rosa fosforescente.
Nerian pousou com cuidado, e logo chamuscou o cipó que estava envolta da minha cintura para me libertar. O Eklere correu para avaliar o ovo repousando no chão.
-É magnífico. –O Eklere passava as mãos acariciando a casca esverdeada com cuidado. –É precioso!
Enquanto isso, Nerian se abaixou diante de mim, avaliando os rasgados nas pernas de minha túnica vermelha, e os ferimentos.
-Estou bem. –Eu garanti, quando ele me lançou um olhar cauteloso.
-Eu sei que você está. –Ele se levantou, e parou diante de mim, próximo o bastante para que eu pudesse tocá-lo se quisesse, mas obviamente eu não o fiz.
Seus olhos me observaram de uma forma peculiar por breves segundos, então ele sorriu satisfeito.
-O que foi? –inclinei a cabeça sem entender.
-Então você está ficando confusa... –Nerian estreitou aqueles olhos violetas e então cruzou os braços rente ao peito –Não quer me matar mais...
-Eu era mimada e petulante. –Dei de ombros, e Nerian sorriu o canto dos lábios.
-E o que fez essa mudança acontecer? –Seus olhos violetas sondaram os meus minuciosamente.
-Perdi as minhas asas! –Estreitei os olhos para ele, encarando-o fixamente. Eu podia sentir o meu corpo ficar tenso.
Nerian inspirou profundamente me encarando de volta.
-Se pudesse me definir em duas palavras, quais seriam? –As asas de Nerian estavam abertas, com a luz do luar reluzindo as plumas negras.
Franzi o cenho, sem entender, Nerian percebeu.
-Você disse que era mimada e petulante. –Nerian explicou –E eu era o quê?
-Protetor e responsável. –confidenciei sem tirar os olhos dos dele, não havia mais motivos para fingir o contrario –O quê, sinceramente, de certa forma me privilegiava.
-Você não tem medo de que eu tome essa poção, e eu a trate totalmente diferente do que você está acostumada? –a insegurança tingiu as palavras dele.
-Sim. –admiti, sentindo meu rosto ficar febril de constrangimento –Mas é um risco que eu preciso correr.
-Você confia em Aelle? –Nerian recolheu asas negras atrás das costas vagarosamente, e eu acompanhei o movimento –Confia que estaremos seguros quando tudo que nos liga desaparecer?
-Não. –Eu já estava totalmente tensa com aquela conversa, sentindo a minha respiração ficar pesada. –Mas eu sinto que preciso seguir com o plano.
Nerian apenas me observou. Seus olhos violetas refletiam um misto de sentimentos, com os quais eu não sabia lidar. Eu sabia que ele estava de alguma forma, magoado comigo e com as minhas escolhas, mas também sabia que ele estava tentando compreende-las.
-E se eu pedisse para você definir Aelle em duas palavras? –Nerian murmurou, como se não tivesse tanta certeza se queria mesmo ouvir a resposta.
-Lindo e dissimulado. –Eu ri sem humor, quebrando aquela tensão que tomava conta de mim. –Mas eu podia acrescentar vários outros, como por exemplo, ardiloso, irresponsável, perigoso...
Nerian não sorriu, apenas me observou em silencio, como se estivesse absorvendo cada palavra que eu dizia.
-Eklere! –Nerian de repente se virou para o ancião lemuriano, chamando a atenção dele para si.
-Sim? –O Eklere estreitou os olhos para Nerian.
-Nos dê a poção para unir o laço e o fio entre eu e a minha esposa, por favor.
-O frasco ainda está com a Eileen. –O Eklere apontou o dedo na minha direção, e Nerian voltou a me olhar.
-Tem certeza? –murmurei, olhando fixamente nos olhos violetas de Nerian. As asas negras dele reluziam na luz noturna por trás das costas dele.
-Eu tenho certeza absoluta do que eu sinto. –Nerian ergueu uma das mãos e tocou a lateral do meu rosto. –E não acho que esse fio de cristal interfira nisso, além do mais, acredito que tenho que cortejá-la de uma forma diferente se realmente quiser que você me veja como seu marido.
-Quando o laço for quebrado, o poder do ritual núbil terá fim, então o nosso casamento... –Eu comecei a falar, mas Nerian me interrompeu.
-Será o fim desse casamento imposto á você, eu entendi. –Nerian sorriu de uma forma gentil, acariciando o meu rosto –E eu estou de acordo com isso, além do mais, eu ouvi tudo o que você e Aelle andaram conversando naquela cachoeira, Eileen.
Eu fiquei imóvel.
-Eu não estou bravo, nem me sinto traído. –Nerian riu divertido –Não se preocupe, mas fiquei feliz de saber que você está confusa sobre os seus sentimentos por mim. –Ele piscou para mim –Apesar de você não ter dito que eu era "lindo".
-Eu... –senti meu rosto ficar febril diante do constrangimento. Fiquei com vontade de dizer á ele que eu o achava muito atraente, mas não tive coragem. Nerian sabia que era lindo, as lúridas de quartzo confirmavam isso constantemente.
-Responsável e protetor são bons adjetivos. –Nerian sorriu o canto dos lábios, me lançando um olhar provocador –Mas seria bom ouvir que você me acha atraente também.
Eu inclinei a cabeça e ri divertida.
-Você quer que eu diga?
-Hoje não. –ele fez uma careta fingindo estar magoado.
Eu revirei os olhos e sorri.
-Faça o que tiver que fazer. –Nerian apenas assentiu –Eu vou apoiar a sua decisão, e se no final disso tudo você decidir que eu não sou a melhor escolha para você... –Nerian fez uma pausa olhando demoradamente para os meus olhos –Eu vou concordar com Aelle quando ele disse que você é livre para se sentir assim.
-Obrigada. –eu suspirei me sentindo totalmente desconcertada –Espero realmente estar indo no caminho certo.
-Estarei com você, mesmo que esteja errada. –Nerian disse simplesmente e depositou um suave beijo em minha testa.
-Talvez você mude de idéia quanto á isso, jovem Nerian. –O Eklere disse sem tirar os olhos dos ovos esverdeados –Quando tudo o que une você a Eileen for desfeito, você provavelmente não olhará para ela da mesma forma que está olhando agora.
Eu e Nerian olhamos para o Eklere, mas ele não olhou para nós de volta quando continuou a falar.
-Nada permanecerá igual depois desse desenlace. –O Eklere suspirou pesadamente.
Nerian me lançou um olhar inseguro, mas tentou disfarçar logo depois.
-Talvez seja melhor assim. –Nerian murmurou antes de se afastar de mim.
Eu não soube como responder aquilo, Nerian havia me surpreendido.

O Eklere ainda inspecionava o ovo esverdeado, e Nerian se juntou á ele, puxando os cipós para arrastar o ovo para dentro do tronco da arvore, que era a sua casa.
Eu fiquei parada ao lado de fora, pensando.
Nerian sem duvida alguma era a melhor escolha para mim, mas ele não merecia estará submetido a alguém como eu. Eu não era a melhor escolha para ele, e talvez quando aquele fio de cristal desaparece, ele perceberia isso também. E eu não tinha o direito de ficar triste por causa disso.

***
Eklere reuniu todos os lemurianos em um ponto estratégico da floresta. A maioria das mulheres lemurianas se abrigou na casa do Eklere, enquanto poucas decidiram nos acompanhar no resgate á seus filhos. Eu não julguei nenhuma delas.

O ovo esverdeado dos sete-cores, foi colocado sobre um amontoado de folha, em um local aonde quase não havia arvores, para que os pássaros pudessem avistá-lo logo pela manhã ao sobrevoarem a área. Nerian havia reforçado outros cipós entorno do ovo, para mantê-lo firme e seguro enquanto tivesse que ser carregado pela floresta.

Bomani e o Eklere repassavam o plano para os outros lemurianos, enquanto nós esperávamos por Aelle e Naomi.
Eklere segurava um cajado feito de tronco de arvore, o qual sustentava um translúcido cristal irregular na ponta.

Nerian estava ao meu lado, observando toda a preparação lemuriana para quando os sete-cores pousassem na floresta. Teríamos que ser rápidos quando eles viessem reivindicar o ovo.
A primeira parte do plano era bem simples na verdade.
Bomani havia feito uma mapa de reconhecimento, para mostrar qual era o melhor caminho até a área dos selvagens. Nerian, Aelle e Naomi iriam carregar o ovo até lá, repassando ele entre eles, enquanto atraiam as aves junto com eles. Tomando todo o cuidado para que nada acontecesse com o ovo ou o filhote dentro dele.
Quando chegassem aos selvagens, eles esconderiam o ovo com a ajuda de alguns lemurianos, e então os sete-cores ficariam sobrevoando a área até encontrá-lo.
Isso serviria para distrair os selvagens, enquanto eu, o Eklere e os outros lemurianos fugiríamos de lá com as crianças. Mas quando as crianças estivessem a salvo, eu e Aelle, seguiríamos para a parte dois.
-Sinto falta das minhas roupas antigas. –murmurei para Nerian, sem disfarçar o desanimo em minha voz, enquanto me analisava.
Nerian se virou para mim, olhando-me dos pés a cabeça, mas não disse nada. Eu usava outra túnica vermelha, limpa e sem rasgos.
-Você disse que sentia falta da antiga Eileen. –Dei de ombros –Eu também sinto falta dela. Principalmente de como ela se vestia... As adagas de cristal...
Nerian inclinou a cabeça para trás e riu.
-Eu já havia previsto que esse momento chegaria. –Nerian enfiou as mãos pelos cabelos, puxando-os para trás.
-Está debochando de mim? –arqueei as sobrancelhas, fitando-o com uma pontada de irritação.
-Eu apenas me perguntava até quando você iria se vestir como uma lemuriana, Eileen. –Nerian olhou para mim, alargando um sorriso no rosto.
-As túnicas são extremamente confortáveis, mas se eu precisar lutar... –Eu gemi revirando os olhos –Porque esse momento pode acontecer, levando em consideração todo o plano por trás desse resgate.
-Concordo. –Nerian anuiu, mas o sorriso divertido ainda se estampava no rosto dele.
-Então... Se eu estivesse com as minhas roupas habituais eu me sentiria mais confiante... Eu acho. –suspirei desanimada.
-Aelle guardou as suas roupas na casa do Eklere. –Nerian deu de ombros –Mas quanto as adagas...
-Eu sei... Elas não estão aqui. –inspirei profundamente, e comecei a caminhar de volta para a casa do Eklere –Se minhas roupas estão lá, eu vou ir me trocar!
Nerian apenas assentiu com a cabeça.

Não foi difícil encontrar as minhas roupas na casa do Eklere. Eu as vesti como um gesto de coragem. Eu não podia mais viver aquela apatia desestruturada apenas porque minhas asas haviam sumido. Eu era mais que um par de asas. Eu precisava ser mais do que isso.

Quando voltei à floresta, Nerian me aguardava, e não escondeu o olhar de satisfação quando me olhou de cima á baixo. Era aquela a Eileen que ele conhecia.
-Já fazia um bom tempo que eu não via seus olhos esfumados de cera preta –Ele comentou quando me aproximei dele –Eu gosto, apesar desse dourado substituir o tom violeta original.
-Eu queria ter trazido as minhas adagas... –choraminguei parando enfrente á ele, passando a minha mão direita instintivamente na lateral da minha perna direita.
Nerian observou o meu rosto, e então levou a mão para a perna direita dele, pegando uma de suas adagas de cristal fumê.
-Minhas adagas, agora são suas adagas. –Ele sorriu, maneando a cabeça categoricamente.
-Obrigada. –eu peguei a adaga que ele me oferecia e fingi fazer uma discreta reverencia –Espero que eu ainda saiba como usá-las.
-Confio em você. –Nerian piscou para mim.
-Estou gostando dessa sua nova atitude... –eu sorri maliciosa ao prender a adaga na minha cintura, Nerian me olhou com interesse.
-Preciso conquistar a minha esposa. –Ele sorriu de um jeito irônico –Apesar dela não achar que eu sou marido dela.
Eu não tive tempo para responder aquela provocação quando fomos interrompidos.
-Suas roupas lhe caíram muito bem. –Comentou o Eklere ao me observar.
Eu apenas sorri.
Levei a mão ao bolso da minha calça preta, e peguei o frasco que o Eklere havia me dado.
-Ainda estamos de acordo sobre isso? –Estendi o frasco na direção de Nerian. Ele me lançou um olhar suave, e inspirou ao pegar o frasco de minha mão.
-Estamos de acordo. –Nerian abriu a tampa do frasco e bebeu metade do liquido dentro dele e estendeu para mim. Eu peguei da mão dele. Eu bebi o resto do liquido azul e adocicado.
-Talvez o fim seja um recomeço. –Eu disse simplesmente.
-Assim espero. –Nerian sorriu para mim.

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⏰ Última atualização: Jul 05, 2022 ⏰

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Eileen (PARTE II) (Em andamento)Onde histórias criam vida. Descubra agora