17- Incêndio

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Nerian caminhou comigo em seus braços, por um longo e silencioso tempo.
Quando enfim ele parou de caminhar, me senti sendo delicadamente colocada sobre almofadas macias. Involuntariamente, o sangue em minhas veias começou a correr mais depressa, e senti que minha respiração se tornava discretamente ofegante.
–Relaxe, Eileen. – Nerian sussurrou tão perto de mim, fazendo com que seu hálito morno, chegasse ao meu ouvido. E eu estremeci.
–Estou tentando. – Respirei profundamente, tentando controlar a agitação que tomava conta do meu corpo. – Seria mais fácil se eu não estivesse com os olhos vendados.
Nerian riu baixinho, mas permaneceu em silêncio, enquanto me ajudava a desamarrar a fita de cetim que cobria meus olhos.
–Onde estamos? – Murmurei enquanto Nerian retirava a fita que tampava meus olhos.
–Aposta é aposta. –Nerian estendeu o braço para a nossa frente, e eu me surpreendi com o que estava vendo.
–É lindo... – Disse-lhe maravilhada ao admirar centenas de pequeninas velas arredondadas iluminando o imenso gramado de Lêmur. –Mas não me lembro de ter pedido velas para você.
Nerian riu divertido, se afastando de mim por um breve momento. Quando ele voltou, em suas mãos tinham duas cestinhas de cristal. Uma cheia de morangos bem maduros picados, e na outra, a polpa de um abacate amassado.
–Morango e abacate? – Franzi o cenho, eu realmente não achava que aquela combinação desse certo.
–A Eileen e o Nerian. –Nerian fez uma careta e depois sorriu. –Kepri me ensinou a juntar essas duas frutas, de uma forma "comestível".
–O que quer dizer com "comestível"?
–Relaxa. – Ele riu. –E apenas confie em mim.
–Acho melhor a gente esquecer essas frutas. – Fiz uma careta. Eu detestava abacate.
–Mas eu aprendi a fazer uma salada de abacate com morango. –Nerian fingiu estar decepcionado.
–Eu acredito nisso. – Pisquei para ele, enquanto pegava a cestinha com morangos maduros. –Mas é melhor não arriscar.
–Tudo bem, Eileen. –Nerian deu de ombros, largando a cestinha com a polpa de abacate no gramado rasteiro, e trocando-a por duas taças de vinho.
–Isso me trás lembranças... – Suspirei ao encarar a pequena cesta com morangos em minha mão.
–Boas ou ruins? –Nerian se ajeitou em uma das almofadas ao meu lado e me alcançou uma das taças em sua mão.
–No dia que nos conhecemos, você me deu uma cestinha igual a essa, repleta de morangos maduros. – Murmurei timidamente, e logo levei a taça de cristal até meus lábios.
–Eu me lembro. –Nerian passou a ponta do dedo indicador pela lateral do meu rosto e sorriu. –Eu passei horas e horas embaixo daquela chuva torrencial, procurando um lugar onde tivesse morangos. Lembro-me de que, quando finalmente os achei, minhas asas pesavam mais que o chumbo, de tão molhadas.
–Acho que foi naquele dia em que o morango se tornou minha a fruta favorita. – Sorri meio sem jeito.
–O que achou das velas? –Nerian se levantou, me estendendo à mão para que eu me levantasse também.
–Gostei. – Disse simplesmente, enquanto ele me ajudava a ficar em pé.
Nerian bebeu o resto do vinho que estava em sua taça em um gole só, e jogou a taça no gramado rasteiro.
–Beba! – Ele incentivou com um olhar desafiador.
Eu apenas sorri e olhei para a taça vazia que ele havia jogado no chão, e então novamente levei a taça até meus lábios, engolindo o liquido de uma vez só.
–Pronto! – Exclamei ao suspirar pesadamente enquanto jogava minha taça vazia no gramado também.
Senti meu corpo relaxar, e sorri para Nerian, que logo percebeu meu estado de repentina embriaguez.
–Acredito que esta não tenha sido sua primeira taça de vinho hoje à noite, Eileen. –Nerian comentou despreocupadamente ao me observar.
–Acredito que não. – Sorri com o canto dos lábios, levando as pontas de meus dedos até os lábios de Nerian. –Por que me trouxe aqui?
–Você me disse que queria uma estrela do céu... –Nerian sorriu com doçura, olhando diretamente em meus olhos.
–Espere... – Exclamei rindo, enquanto Nerian me enlaçava pela cintura. –O que está fazendo?
–É uma surpresa. –Nerian saltou comigo em seus braços. Voando tão rápido, que eu tive que esconder meu rosto contra o peito dele, para me proteger do vento, e conter a repentina tontura que me acometeu. Nesse momento, Nerian riu baixinho, ao perceber que vinho estava fazendo efeito.
-Eu nunca tinha visto você embriagada antes. –Ele murmurou baixinho próximo ao meu ouvido.
-Eu também não. –Eu ri espontaneamente –Não é seguro ficar embriagada.
-Não mesmo. –ele jogou a cabeça sorrindo –Mas você está segura comigo, Eileen.
-Sempre estive. –me permitir dizer baixinho para mim mesma, mas acho que ele ouviu, porque seus olhos violetas de repente se fixaram nos meus, carregando um misto de sentimentos. Satisfação, carinho e alivio.

Quando pairamos no ar, inclinei meu rosto para cima, olhando para o imenso céu estrelado. Era magnífico, poder me sentir tão perto das estrelas novamente, mesmo que não fosse com minhas próprias asas. Eu sentia como se meu corpo estivesse tão leve quanto uma das plumas das asas de Nerian. Talvez fosse o desejo de voar novamente, ou talvez fosse apenas o efeito do álcool circulando pelo meu corpo. Mas eu não me importava com quais dois poderia ser, porque eu estava feliz.
As asas negras de Nerian se movimentavam com maestria em suas costas, mantendo-nos parados no mesmo lugar. Elas eram tão lindas. Deviam se aproximar dos três metros de comprimento. A plumagem cintilava devido ao reflexo da lua azul. E eu estava completamente maravilhada. Era como se eu há muito tempo, não olhasse para Nerian como eu o estava olhando naquele momento. E eu culpava o vinho por isso.

–Eu sinto falta disso. – Murmurei baixinho ao sentir o vento frio contra o meu rosto e estiquei os braços para os lados, enquanto Nerian me segurava firmemente em seus braços. –Sinto falta do vento contra minha pele. Da imensidão suave. Da leveza do corpo. Dessa sensação de liberdade...

Olhei mais uma vez para as asas negras de Nerian se movendo atrás das costas dele, e suspirei.
-Eu preciso de asas...
–As minhas asas... –Nerian murmurou com suavidade, o que me fez olhar diretamente em seus olhos violetas que me encaravam. –Agora são as suas asas, Eileen.
-Nerian... eu... –Balbuciei um tanto constrangida. –Obrigada.

Seu rosto era tão perfeito, os olhos de ametista eram brilhantes, e os lábios...tão convidativos naquele momento. Eu mal me lembrava como era a sensação de beijá-los.
Balancei a cabeça devagar, fazendo minha mente buscar por uma lembrança antiga. Ou talvez aquela hipnose do Eklere continuasse me fazendo delirar.
-No que está pensando, Eileen? –Nerian aproximou sugestivamente o rosto do meu.
–Por que esta fazendo isso? – Balancei a cabeça enquanto ainda o encarava.
–Isso o quê? –Nerian sorriu e estendeu a mão para que eu olhasse para baixo.
E eu olhei, ficando instantaneamente maravilhada mais uma vez.
–Não acredito que você fez isso! – Murmurei ao perceber que as velas acesas que Nerian havia espalhado pela floresta, formavam uma imensa estrela de fogo.
–Uma das estrelas do céu. –Nerian suspirou satisfeito. –E ela é especialmente para você, Eileen.

Eu olhei para o rosto dele, sem saber o que dizer. Meu coração estava acelerado, e eu não soube como reagir diante daquilo. Eu não sabia dizer se era a bebida me tirando a sensatez, pois, naquele momento eu senti vontade de abraçá-lo, mas não consegui, parecia que meu corpo havia paralisado.

Nerian me fitava nos olhos, e por mais que eu quisesse desviar o olhar dele, eu também não conseguia. Algo me manteve ali, em silêncio, enquanto o fitava também. Minha respiração estava irregular, minhas mãos tremiam discretamente, e era como se todas as veias do meu corpo, estivessem pulsando.
Eu estava nervosa. Ansiosa. Insegura.
E eu não sabia lidar com isso.

Nerian estreitou os olhos, como se silenciosamente estivesse me fazendo uma pergunta. Alguma coisa semelhante à "Qual é o problema, Eileen?".
E isso me deixou mais constrangida ainda, e eu senti que meu rosto ficava febril.
Nerian então sorriu amavelmente para mim. Compreendendo.
–Obrigada. – Murmurei timidamente ao abaixar o rosto, desviando o olhar dele.
–De nada. –Nerian murmurou baixinho, ao segurar em meu queixo, fazendo com que eu o olhasse novamente. Eu o encarei nos olhos violetas mais uma vez.

Lentamente, Nerian aproximou seu rosto do meu, enquanto ainda segurava em meu queixo. Eu estava imóvel, com medo de beijá-lo enquanto aquela aliança ainda estivesse em meu dedo. Eu tinha a sensação de que se aquele beijo viesse realmente a acontecer, nosso casamento poderia ser legitimado em seguida.

–Confie em mim. –Nerian sussurrou baixinho, com seus lábios já próximos dos meus. Meu coração estava pulando forte dentro do peito, meu corpo inteiro tremia, então irracionalmente inclinei minha cabeça para longe dele, impedindo que nossos lábios se tocassem. Consumar aquele casamento não estava nos meus planos. Eu tinha medo, na verdade, eu não sabia o que esperar depois disso. E Nerian estava ciente da minha total falta de conhecimento sobre o que poderia vir a seguir após o beijo.
-Não posso... –falei baixinho.
-Eu não vou forçar nada, Eileen. –Nerian inspirou profundamente –Achei que já tínhamos concordado com isso.
-Eu confio em você. –admiti me sentindo uma idiota –Mas as coisas são diferentes agora.
-Você é minha esposa agora. –Ele falou com suavidade.
-Eu não mereço você. –eu balancei a cabeça negativamente – E sem esse fio de cristal, você talvez nem tivesse me acompanhado quando aquele lobo chegou em quartzo.
-Eu sei o que eu quero, Eileen. –Nerian suspirou pesadamente –Tenho idade e coerência suficiente para saber o que eu quero.
-Aelle me disse que... –Eu comecei a justificar.
-Eu não quero saber nada sobre o que Aelle te disse, Eileen. –Nerian tentou disfarçar o tom irritado, e então inspirou mais uma vez –Você acha que se conseguirmos nos livrar desse fio de cristal, eu vou me comportar de uma maneira diferente?
-Eu acho! –respondi com veemência.
Os olhos violetas de Nerian me observaram por um longo momento.
-E se o Eklere conseguir tirar isso entre nós dois, e eu ainda estar completamente apaixonado pela minha esposa? –Nerian sorriu o canto dos lábios de um jeito meigo. –Você daria uma chance para esse casamento?
-E se ele tirar esse fio, e você perceber a verdadeira Eileen? –Eu abaixei os olhos, encarando as velas lá embaixo –A Eileen imatura, arrogante...
-Eu com certeza percebo essa Eileen. –Nerian riu com humor –Mas você não respondeu a minha pergunta.
-Apaixonado?
-Completamente. –Seus olhos violetas examinaram os meus, e desceram encarando a minha boca. Eu queria aquele beijo, os céus como eu queria, mas não poderia, diante de tudo o que Aelle havia me dito, diante de todos os acontecimentos, e diante daquele maldito fio de cristal, eu não poderia dar seqüência.
Olhei em volta nervosamente, para me certificar de que não havia como fugir, estando eu, à metros de altura longe do chão. Foi então que eu vi, uma forte e incandescente luz avermelhada entre meio a floresta, a vários quilômetros de distancia.
–Fogo! – Gritei de repente, ao perceber que havia um labareda flamejante brilhante depois da floresta lemuriana.
–Eu tomei muito cuidado quando coloquei as velas na floresta, Eileen. –Nerian repetiu sem entender a minha reação. –Não há perigo de causar um incêndio.
–A bromélia... – Exclamei alarmada, apontando na direção da bromélia imperial, onde estava acontecendo à festa da Lua Azul. –Ela está queimando!
–Argh... –Nerian rosnou baixinho, olhando para a direção da Bromélia dos lemurianos.
–Temos que ir para lá. – Respondi impaciente, sem deixar que ele percebesse meu alívio por ter que interromper aquele momento.
–Eu sei...–Nerian suspirou baixinho parecendo decepcionado, ao me prender com mais força contra ele, e sobrevoando as velas que ele havia colocado na floresta, para que elas se apagassem ligeiramente, com o movimento das asas dele soprando sobre elas.
Respirei profundamente, tentando relaxar os músculos do meu corpo, que aparentemente haviam ficado rígidos. Nerian e eu, não podíamos consumar aquele casamento. Caso contrário, minhas chances de anulação seriam extintas. Aelle já havia confirmado que aquele fio de cristal confundia os sentimentos de Nerian por mim, o que talvez significasse, que na verdade, Nerian não gostasse de mim.

Em seguida, partimos rapidamente rumo à bromélia imperial.
Uma negra nuvem de fumaça já se formava sobre a ela, enquanto um resplendor de fogo flamejante se expandia pelos picos das árvores, clareando a penumbra noturna.
Ao nos aproximarmos mais, era possível ouvir os gritos angustiantes dos lemurianos, e também perceber que toda a melindrosa decoração para a festa da Lua Azul estava sendo devastada.
–Os selvagens! – Gritei alarmada. –Aelle tentou me avisar!
–Do que esta falando? –Nerian estava tão alarmado quanto eu.
–Aelle disse que os selvagens estavam planejando fazer algo. –Fechei meus olhos com força. – E eu ignorei completamente.
Nerian ao ouvir isso, voou mais rápido em direção a bromélia imperial, pousando silenciosamente atrás de uns arbustos. Onde ficamos parcialmente ocultados.
–Por que não me disse? –Nerian grunhiu baixinho. –Aelle deveria ter avisado os lemurianos. Avisado Eklere, Bomani ou a mim. Mas que droga, Eileen!
–Desculpe, mas você não quis ouvir nada sobre Aelle. – Me alterei –A culpa é minha agora?!
Nerian me fitou como se estivesse se segurando para não avançar sobre mim. Eu devolvi seu olhar, desafiando-o.
–Não temos tempo para isso. –Nerian suspirou vencido, e então voltou a olhar para o terror que se expandia por Lêmur.
Alguns selvagens puxavam as mulheres lemurianas pelos cabelos, como se elas fossem um objeto qualquer. Elas gritavam de dor, enquanto eram jogadas junto de outras lemurianas, que estavam amontoadas perto de uma enorme árvore. Elas estavam nitidamente assustadas, algumas com as túnicas rasgadas, e outras descabeladas.
–Eieta ogof salen. –Um dos selvagens, o de máscara verde, gritou para um outro selvagem de máscara azul, que segurava uma tocha de fogo em sua mão.
–Ele irá por fogo nelas! –Nerian exclamou de repente, ao mesmo tempo de voar rapidamente sobre o selvagem que segurava a tocha, jogando-se no chão com ele.
–Nerian. – Gritei alarmada, sem ter tempo de ter alguma reação, enquanto via Nerian e o selvagem rolarem pelo chão de Lêmur.
De repente, alguém agarrou bruscamente em meu braço, puxando-me para a frente.
–Iertnocne ale! –O selvagem de máscara amarela rosnou ao me lançar no chão a nossa frente, sem me soltar. O que fez com os selvagens que estavam por perto, olhassem diretamente para mim. Todos os selvagens pararam imediatamente o que estavam fazendo, e se voltaram na minha direção.
Nesse momento, um calafrio percorreu pelo meu corpo. E eu tive um mau pressentimento.
–Eileen! –Ouvi Aelle gritar de longe, me fazendo olhar na direção dele. Aelle estava amarado contra um tronco de árvore, pelos pulsos e pelos tornozelos. Em seu rosto havia uma mancha avermelhada, como se alguém tivesse batido nele, enquanto sua camisa branca estava quase aos frangalhos, completamente suja com sangue.
–Oh céus... – Murmurei assustada. – O que é tudo isso?
O selvagem de máscara amarela, que me segurava pelo braço, me puxou para que eu ficasse em pé ao lado dele. Olhei em volta mais uma vez, e vi Calleo, com um corte sobre a sobrancelha, do qual brotava um pouco de sangue. Ele estava agachado no chão, a poucos metros de distancia.
–Aro, aro! – Alguém bateu palmas de leve ao se aproximar entre os selvagens que me fitavam com atenção. Eu fiquei apreensiva.
–Eileen. –Nerian gemeu do outro lado, mas eu não olhei na direção dele.
Aquele selvagem de máscara negra surgiu entre os outros selvagens.
–Caeli. – Ele sorriu para mim de um jeito assustador. –Finalmente nos encontramos de novo.
–Edion! –Bomani chamou aflito. –Ela não é a mesma Caeli.
O selvagem manteve seus olhos cor-de-rosa em mim. Ele não parecia estar convencido do que Bomani havia dito. Eu o observei com cautela. Ele era grande e forte, e me passava uma sensação estranha, da qual eu não gostava.
Edion, o selvagem de máscara negra, lentamente moveu seus braços, alcançando um arco e flecha atrás de suas costas, sem tirar seus olhos de mim. Eu não desviei o olhar dele.
Edion então buscou uma flecha, a qual arrumou em seu arco, e apontou na minha direção. O selvagem nem se quer piscava. Eu podia ver as grossas veias de seu corpo, pulsando forte. Ele não hesitaria em atirar.
–Não tenho como ter certeza. –Edion disse tranquilamente. –Se eu não matar você, como saberei se estão me enganando ou não?
–Ela não tem culpa, por você ser tão idiota, Edion. –Aelle gritou exasperado.
–Cale a boca, Aelle Illustratur. –Edion disse friamente ao rapidamente apontar o arco e flecha na direção de Aelle, lançando-lhe a flecha.
Aelle gritou de dor quando a flecha perfurou a lateral de sua coxa esquerda.
–Pare! – Gritei assombrada, olhando para Aelle amarrado e sem ter como se defender.
–O tempo passa, e vocês ainda estão nesse relacionamento confuso. –Edion riu debochadamente ao se aproximar de mim. –Francamente Caeli, você e esse anjo de asas brancas não combinam.
–Meu nome é Eileen. – Rosnei tentando me desvencilhar do selvagem que me mantinha presa.
–Como queira, "EILEEN". –Edion parou em minha frente. –Eu quero as jóias que guardam os poderes da caeli.
–Eu não faço a menor idéia do que você esta falando. – Grunhi entre os dentes, quase avançando sobre ele.
–É uma pena. –Edion balançou a cabeça devagar, me dando as costas por um breve instante, antes de se voltar na minha direção, dando-me uma bofetada no rosto.
Ouvi Nerian urrar bem alto, e olhei na direção dele. Dois selvagens o mantinham cativo, agarrados em ambos os braços dele, mantendo-o imóvel ao lado deles. Nerian desviou os olhos de mim, e olhou em volta, de uma maneira estranhamente peculiar. Como se estivesse procurando por alguma coisa especifica; uma maneira de contornar a situação em que nos encontrávamos. Então seus olhos se cruzaram com os de Aelle, que lhe devolvia o mesmo tipo olhar. Aelle maneou a cabeça de forma categórica, como se eles tivessem tido uma conversa silenciosa de breves segundos.
–Me devolva o que é meu, garota. Ou todos aqui irão sofrer por sua causa, mais uma vez, senhorita Caeli. –Edion segurou em meu queixo repentinamente, me obrigando a olhá-lo nos olhos cor de rosa.
Eu não sabia o que fazer, as jóias que ele queria, estavam dentro de mim, e a única forma de tirá-las de mim, seria arrancando-as, eu acho. A idéia me deixou apreensiva.
–Aelle, seu maldito! –Nerian rugiu de repente, o que fez com que todos o olhassem. –Tudo isso é culpa sua.
E antes que alguém pudesse se quer prever os próximos movimentos que Nerian faria, ele incendiou suas mãos com fogo violeta, obrigando os selvagens que o prendiam pelos braços, a se desvencilharem dele e se afastarem por terem sido queimados. Nerian rapidamente sacou uma adaga de cristal fumê de sua cintura fazendo um pequeno estalo de cristal quebrando, e em seguida, ele correu na direção de Aelle, com toda a sua fúria. Ele cravou a adaga de cristal no meio do peito de Aelle, que já estava todo ensangüentado. Aelle arfou como se lhe faltasse o ar, enquanto Nerian mantinha a adaga ainda cravada em seu peito.
Eu pude ouvir outro barulho da lâmina de cristal se quebrando, quando Nerian torceu o cabo ensangüentado da adaga, e o jogou contra o gramado, próximo aos pés de Edion. O cabo da adaga quebrada rolou até quase tocar o pé do selvagem.
–Nerian! –Gritei entre os gritinhos alarmados de todos ao nosso redor, que pareciam tão perplexos quanto eu estava.
Edion gargalhou alto, enquanto largava meu queixo para bater palmas e contemplar o corpo imóvel de Aelle.

Meu corpo se incendiou por dentro, eu podia sentir a Iris dos meus olhos ardendo. E então olhei para Aelle, enquanto Nerian arrancava os cipós e a flecha, que prendiam Aelle no tronco da arvore, e o deixava cair imóvel de bruços sobre o gramado.
Meus olhos correram pelo corpo de Aelle estirado, e então eu percebi seu coração batendo acelerado, as veias pulsantes... Aelle estava vivo. Rapidamente, olhei para Nerian que se levantava devagar, e percebi gotas de sangue escapando pela palma de sua mão fechada.
–Que anjo estúpido. –Edion disse sorrindo. –Matar Aelle em um momento como este, foi à coisa mais estúpida que você poderia ter feito, anjo de asas negras.
Eu mantive meu semblante de desespero estampado no rosto, enquanto olhava Aelle estirado sobre o gramado. Aelle escondia o pedaço da lâmina de cristal quebrada de Nerian, em sua mão esquerda.
Eles haviam simulado toda a situação, mas Edion ou qualquer outro selvagem, nem mesmo os lemurianos pareciam ter percebido isso ainda.
–Segurem-no antes que ele tenha outro ataque de fúria. –Edion ordenou tranquilamente, apontando na direção de Nerian.
Quando seguraram Nerian, ele manteve a cabeça baixa, evitando olhar para mim.
–Você matou ele... – Olhei para Nerian com os olhos inundados de lagrimas, e balbuciei quase sem voz, tentando ser totalmente convincente.
–Me diga logo onde estão as jóias da Caeli. –Edion se alterou, apontando um arco e flecha rente ao meu peito. Mesmo inconsciente, Edion, apontava sua flecha diretamente para o rubi. Olhei nos olhos rosados do selvagem e o encarei fixamente.
–Atire. – Disse-lhe com a voz branda, enquanto observava Edion puxar a flecha entre seus dedos para trás, forçando-a contra a fina tira de náilon. –E jamais saberá onde as jóias estão.
–Não brinque comigo, criança. –Edion ameaçou.
–Ela não sabe onde elas estão. –Nerian murmurou ainda olhando para baixo, o que fez com que olhássemos para ele. –Mas eu sei.
–Hum. –Edion se afastou alguns passos de mim, mas manteve sua flecha apontada em minha direção. –E onde elas estão?
–Não posso contar. –Nerian ergueu a cabeça, olhando desafiadoramente para os olhos de Edion –Mas posso trazer todas aquelas jóias para você, se você libertar a Eileen a agora .
Edion olhou de soslaio para o corpo imóvel de Aelle, e pareceu ficar confuso por um breve instante.
-Bom... –Edion ponderou, ainda analisando o corpo de Aelle que estava estirado sobre o gramado –A garota é minha única garantia de você cumprir com o que esta falando.
-Se libertar a Eileen, é apenas uma questão de tempo para que todas as jóias que você quer, estejam em suas mãos. –Nerian afirmou com veemência, ainda olhando para Edion que observava o corpo Aelle.
–Quanto tempo? –Edion voltou seus olhos para mim.
–Cinco dias. –Nerian respondeu devagar.
–Tempo demais. –Edion se irritou, estreitando os olhos para mim. –Te dou três dias, anjo de asas negras.
Nerian permaneceu em silêncio. O que fez com que Edion o olhasse. Nerian, devolveu o olhar na mesma intensidade, mas permaneceu em silêncio, como se não fosse ceder. Eu me perguntei o que se passava pela mente dele, qual era o plano por trás da morte falsa de Aelle.
–Eu não confio em anjos! –Edion se voltou repentinamente em minha direção novamente, e eu assisti atentamente enquanto Edion largava a flecha devagar, deixando que ela deslizasse pelo ar vindo até mim. Fechei meus olhos e instintivamente, concentrei todo o calor do meu corpo, visualizando as vibrações daquela flecha deslizando no ar, e me preparei para me desviar dela, deixando que o selvagem que me segurava fosse atingido.
Mas inesperadamente, alguém interferiu. Alguém que eu não esperava. Alguém inocente demais, para se envolver em minha sina fúnebre de quase mortes.
Calleo.
Em uma questão de segundos visualizei as vibrações do jovem lemuriano surgir em minha frente como um escudo. Abri meus olhos depressa, tempo suficiente para encarar aquele par de olhos cor de rosa a centímetros dos meus. Suas mãos agarram meus ombros com força, no mesmo instante em que a ponta da flecha de Edion atravessou profundamente pelo meio das costas de Calleo. Eu consegui ver a flecha perfurando o seu coração, antes de atravessar até a superfície do peito dele, rasgando a túnica lilás entre nós dois. Calleo arfou languidamente, quando seu coração pulsou uma ultima vez antes de parar completamente.
–Calleo! –Ouvi o grito estrondoso de Bomani, que se debatia para se livrar dos braços de um selvagem que o aprisionava.

O corpo de Calleo caiu pesado sobre mim, fazendo com que o selvagem que me segurava, me libertasse imediatamente.

Tudo pareceu parar naquele momento. Nem mesmo o som da bromélia em chamas era audível. Havia um estupor em meus ouvidos, e eu não soube como reagir. Eu me agarrei em Calleo, e nós dois caímos no chão de Joelhos. A cabeça dele pendeu por sobre o meu ombro direito, enquanto meus braços circundavam seu corpo, agarrando o tecido da túnica de suas costas.
Olhei desoladamente em minha volta. Eu não sabia o que fazer. Me sentia perdida e impotente.
-Não vou me responsabilizar pela morte desse garoto. –Edion balançou a cabeça negativamente e olhou para mim com desdém. E desviou o olhar.
–Meu filho! – A voz chorosa de Kepri se estendia pela floresta, enquanto ela se arrastava pelo gramado tentando chegar até onde eu e Calleo estávamos imóveis.
–Capturem todas as crianças lemurianas! –Edion ordenou depressa aos seus selvagens, que logo começaram a agarrar as pequeninas crianças lemurianas, roubando-as dos braços de seus pais, que nada conseguiam fazer para evitar que as levassem. –Elas serão minha garantia de que o anjo de asas negras irá cumprir com a palavra dele.
Os selvagens soltaram os lemurianos, e foram carregando as crianças lemurianas sobre os seus ombros. Elas gritavam... Seus pais gritavam.
–Vamos embora! –Edion gritou para os seus selvagens, que carregavam as crianças lemurianas em seus ombros, enquanto tudo parecia estar destruído ao nosso redor.
Quando soltaram Bomani ele correu depressa até mim e Calleo, puxando o corpo do filho para si, agarrando-o com força, o que fez com que eu lentamente me afastasse deles.
Nerian surgiu de repente, me puxando com força contra ele. Eu me desesperei, e o agarrei fortemente pelo pescoço, e comecei a chorar. Eu tremia incontrolavelmente.
-Eileen... –Nerian sussurrou em tom consolador e apenas fechou seus braços ao meu redor.

Eileen (PARTE II) (Em andamento)Onde histórias criam vida. Descubra agora