Capítulo 20

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     Aprendo bem rápido que a guerra é uma atrocidade simples. Não há grande dificuldade em compreender o que acontece num campo de batalha. Homens correm na direção uns dos outros brandindo ferro afiado e, quando seus corpos se chocam, eles cortam carne e tiram sangue uns dos outros até que um lado pare de se mover e morra. É simples. É fácil de entender. E é a coisa mais horrível que já testemunhei.

     Fico confinada em minha tenda durante dois dias desde o primeiro confronto, vomitando sem parar. As imagens de violência brutal ferem meus olhos e ficam presas em meus pensamentos, me impedindo de comer, dormir ou ter uma conversa decente. Ver os feridos serem trazidos para o acampamento omeniano é quase pior. Eu não sabia que o corpo humano poderia ser ferido de formas tão variadas antes de visitar meus soldados para tentar levantar o moral. Eles gritavam, gemiam, choravam, chamando por suas famílias e pelas forças divinas. Quando falei com eles, poucos pareciam me ouvir de verdade. Os que ouviram, depositaram sua confiança em mim mais uma vez - eu jurei que iríamos vencer, apensar de tudo.

     A chegada de nossas tropas em Coronte marcou o início de uma guerra que só cresce mais a cada dia. O comandante Yusuf se reuniu com o comandante de Coronte e a estratégia militar que formularam foi rápida e eficaz para conter os primeiros ataques dos homens de Rei Mar. Mas os piratas se recuperaram do elemento surpresa que foi a nossa chegada e revidaram com força total. Foi o segundo combate que testemunhei - do alto de uma montanha, acompanhada por minha guarda pessoal e por Winter - e assim que as mortes começaram, eu me questionei se havia tomado a decisão certa.

     Tenho tentado encontrar um feitiço útil no livro mágico que tirei de Celin, mas, sempre que o abro, sinto fortes vertigens e sou incapaz de ler mais de duas linhas. Eu me pergunto se isso acontece por causa de meu asco pela guerra ou se o próprio livro não quer que eu leia o que há dentro dele. Ou talvez... Hallux.

     Não vejo o velho mago desde que o questionei sobre a magia. Já o convoquei várias vezes, mas ele nunca aparece. Mandei guardas para procurá-lo, mas nenhum obteve notícia alguma. Ou Hallux está deliberadamente se escondendo de mim e me impedindo de usar magia de propósito, ou algo grave aconteceu com ele e fez com que simplesmente evaporasse. Eu prefiro acreditar na primeira opção - me faz sentir raiva dele e motivação para continuar tentando ler o livro de feitiços na marra.

     - Majestade, bom dia.

     Winter me cumprimenta com respeito após ser anunciado e entrar na tenda do conselho de guerra, onde estou sentada agora, analisando o mapa aberto sobre a mesa. Meu Quarto Conselheiro tem estado cada dia mais ansioso, insistindo para que eu permita que ele vista uma armadura e corra para o combate ao invés de apenas assistir tudo ao meu lado. Eu não permito, é claro. Ele é valioso demais para ser morto logo no início dessa guerra.

     - Winter - ergo a cabeça para olhar para ele.

     O filho de piratas puxa uma cadeira e senta ao meu lado, observando o mapa.

     - O que é isso? - pergunto a ele, apontando para rabiscos verdes a leste da fronteira entre Coronte e Avival.

     Winter franze a testa até se lembrar.

     - Este é o Bosque Sem Nome. Não pertence a nenhum reino em particular e não abriga muita vida animal.

     - E este? - aponto para um conjunto rochoso na direção oposta ao bosque.

     - Esse lugar costumava ser um desfiladeiro, mas desastres naturais causaram desabamentos e hoje é apenas um monte de rochas enormes ocupando espaço. Por que Vossa Majestade quer saber?

Dever e Fidelidade #2Onde histórias criam vida. Descubra agora