Os guardas me encontram deitada no corredor, diante da Coleção do rei. Não sei como ou quando acontece, mas Winter é chamado e o rosto dele é a primeira coisa que vejo depois do borrão ofuscante de luz de Hallux que praticamente me cegou. Pisco várias vezes, assimilando o formato do rosto de Winter, os olhos cinzentos e a barba por fazer, até me dar conta de que ele é real e que tudo que acaba de acontecer há não sei quantas horas também é real.
Eu fui amaldiçoada.
As mãos de Winter me erguem do chão e eu me sinto ser carregada junto a um peito quente e firme até meus aposentos. Ouço murmúrios e alguém parece chorar, mas não me importo.
Eu fui amaldiçoada.
As criadas tiram minhas vestes, me banham e me perfumam antes de me colocar para dormir. Mal sabem elas que não preciso mais dormir. Ou banhar. Ou comer. Não, eu não preciso de absolutamente nada que seja humano ou mortal. Porque não sou mais humana ou mortal.
Eu fui amaldiçoada.
Fico olhando para o céu através da janela durante horas, acompanhando a noite se tornar madrugada e a madrugada clarear até se tornar dia. O tempo se arrasta e ainda assim passa rápido demais. E tudo que há dentro de mim é medo. Ouço as palavras proferidas por Hallux quando lançou a maldição de novo e de novo e de novo, num tipo de prisão mental que me deixa acuada e impotente.
Tudoo que conhecerá durante toda a sua existência eterna será a perda, a morte e asolidão.
Perda, morte e solidão é tudo que conheço e tudo de que tenho tentado fugir desde que provei o gosto do breve amor que Richard me deu. Se estou amaldiçoada, não poderei ir até ele mesmo que agora seja poderosa?
É injusto. Eu não quebraria regras da magia se as conhecesse. Além disso, eu estava pagando o preço de um acordo que fiz com a própria magia e todos os que matei eram meus inimigos. Por que devo ser punida por defender meu reino e destruir assassinos? Por que devo carregar o peso de uma maldição se minhas intenções nunca foram egoístas ou maléficas?
Eu fui amaldiçoada, mas está errado.
Eu quebrarei essa maldição de algum jeito.
- Majestade?
A voz dele me tira de um fosso de pavor e eu encontro seu olhar preocupado e cheio de receio. Winter. Quando foi que ele se tornou tão importante a ponto de fazer minhas preocupações me darem trégua? Quando foi que passei a achar sua presença reconfortante e seu toque passou a me fazer sentir segura?
- É a magia, não é? - as palavras dele não passam de sussurros. - Foi a magia que fez isso.
Estou encolhida sobre a cama impecavelmente arrumada, meus cabelos brancos espalhados sobre os cobertores como neve sobre a grama. Noto Winter olhando para eles. Não me movo.
- Eu não saberia dizer - respondo, mal mexendo os lábios. - Acho que fiz isso a mim mesma.
Winter cruza os braços atrás do corpo. Sua aparência está um pouco melhor agora que ele não está mais coberto de sangue. Está bonito, até.
- É a primeira vez que ouço Vossa Majestade dizer que não sabe de alguma coisa.
Fico olhando para ele, tentando compreender as coisas que estou sentindo agora. Tudo está tão turvo e me confunde tanto que eu não seria capaz de dar certezas sobre quaisquer assuntos agora, por mais que os tenha estudado e os domine. Tudo parece incerto, duvidoso. Principalmente eu mesma. É como se eu não me conhecesse mais.
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Dever e Fidelidade #2
Fantasía[Segundo Volume da Saga das Quatro Rainhas] A jovem princesa Vytoria tem apenas um único objetivo: tornar-se a rainha. Filha mais velha do querido rei de Omem, ela é criada para assumir o trono do pai e nada pode entrar em seu caminho, nem mesmo um...