Capítulo 3

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     Um mês se passa sem que nada aconteça.

     Tenho as mesmas lições todos os dias, faço as mesmas refeições, vejo as mesmas pessoas. A rotina à qual estou acostumada mantém minhas mãos - e às vezes pés - trabalhando, mas meus pensamentos fogem de controle antes que eu possa pensar em contê-los e as preocupações que incomodam minha paz crescem a cada dia como ervas daninhas. Recebo ocasionais notícias sobre a saúde de meu pai, o rei, que nem apresenta uma melhora significativa e nem piora. Ouvi servos murmurando sobre o tempo dele estar acabando, mas, se é esse o caso, ele tem escondido sua condição de todos perfeitamente bem.

     Faz um mês que enviei aquela carta sincera ao príncipe Richard de Avival. Não medi palavras: disse a ele que a diferença entre nossas posições é discrepante demais e que temo que o casamento seja um erro ao invés de uma boa aliança. Não me prolonguei dando detalhes sobre minhas opiniões mais íntimas a respeito de todo o conceito de matrimônio. Foi uma carta curta, honesta e que demandava uma resposta à altura. Trinta dias depois, ela ainda não veio.

     - Nada do mensageiro real hoje? - pergunto a uma de minhas servas, enquanto ela prepara meu banho.

     Ela sacode a cabeça negativamente, como nos vinte e nove dias anteriores.

     - Receio que não, Alteza.

     Eu me sinto pessoalmente ofendida pelo silêncio do príncipe e não paro de pensar nisso enquanto me banho, me visto e me acomodo na cama para dormir. O colchão confortável e os cobertores aconchegantes não me deixam à vontade e não sou capaz de descansar. Quando sou deixada sozinha pelas servas e as velas do aposento são todas apagadas, levanto-me e acendo uma vela que tenho guardada numa gaveta. A troca de guardas acontece toda noite logo antes da lua chegar ao topo do céu e é a única oportunidade que tenho de sair sem ser vista. Acendo minha vela e a coloco num pequeno castiçal antes de passar pelas portas silenciosamente. Uma vez do lado de fora, ergo minha camisola e corro para a área sul do palácio, evitando os corredores e escadas principais. Pelos meus cálculos, leva quase meia-hora até que eu finalmente chegue ao destino pretendido. Como faz tempo que não venho aqui, devo ter perdido o jeito de encontrar a coleção do rei com facilidade.

     Desde que ouvi o nome pela primeira vez, senti um ímpeto que fez meu coração bater mais forte e minha curiosidade salivar. Coleção do rei. Uma sala imensa repleta de prateleiras e mais prateleiras a perder de vista, contendo livros, pergaminhos e os mais variados registros de todo tipo de coisa que acontecia no reino de Omem e que interessava ao rei. Eu soube no mesmo instante que precisava conhecer tal lugar, mas meu pai nunca me permitiu entrar. Como estava resoluta, tive que realizar minha vontade por outros meios. O palácio é antigo e cheio de passagens ocultas - não foi difícil encontrar uma que me levasse aonde eu queria ir. O problema é que já faz anos desde minha última invasão e o buraco pelo qual eu me esgueirava era apertado até mesmo para uma garota magra. Eu agora torço para que ainda me permita passar por ele.

     Tateio a parede fria de pedras até encontrar a pequena fenda e a puxo com toda força. Estou mais forte desde a última vez que vim e consigo abrir a passagem com mais facilidade. Mas atravessar é outra história. Tiro a vela do candelabro e me enfio pelo buraco, esforçando-me para não apagá-la com minha respiração. Minha cabeça e os lados de meu corpo roçam pela estreita passagem, mas fico contente ao me dar conta de que sou capaz de atravessar.

     Logo me vejo dentro da fria e escura coleção do rei, tendo apenas minha pequena vela, agora quase um toco, para iluminar o espaço ao meu redor. Ergo o pequeno ponto de luz sobre minha cabeça e enxergo diante de mim apenas uma mesa de madeira muito velha cheia de pilhas e mais pilhas de papéis amarelados; quase esbarro nela. Como hoje estou com certa sorte, logo vejo uma pequena lamparina de bronze num canto da mesa e uso minha pequena chama para acendê-la. Decido tomar essa lamparina para mim, para as próximas vezes que quiser vir aqui.

Dever e Fidelidade #2Onde histórias criam vida. Descubra agora