Emboabas

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Quase uma década havia se passado, faltando apenas um ano para o retorno do "senhorio". Mas, apesar da distância e da precária comunicação interna, para bem ou para mal, a notícia do ouro dos Rio das Mortes já era assunto e cobiça dos quatro cantos da Colônia.

E como já sendo previsto no nome de seu local de sítio; essa história não terá fim bonito.

Alguns curiosos começaram a chegar na região. No começo, nem se fazia caso deles, mas recentemente, aumentaram em número, bem como as toneladas de ouro que retiravam; e dia mais dia esses forasteiros começavam a incomodar.

Esse gentio eram baianos, pernambucanos, portugueses da terrinha, e até mesmo espanhóis penetras. Mas ele os rotulava todos como "emboabas"; pois não bastasse a ousadia de pisarem em terras, que na teoria, eram dele por ordem de chegada; pisavam nelas de sapatos! Era muita provocação! E Paulo não era homem de levar desaforo para casa.

- Ma'i esses emboabas chegam em sigundo e já vão sentando na janela? Ó ré ! Chama lá o homi! Ele mermo! Vamo fazê o povo correr de vorta debaixo de bala!

E proclamando a ordem para a carniçaria com sua cara mais mesquinha e diabólica; mandava chamar seu agente da morte.

Ele era o mais temível, horroroso; o líder dos marabás órfãos de Piratininga; caçador de indígenas, havia mandado vários deles encomendados para o capiroto. Não havia homem nascido com mais brio e sangue pra matar que o tal.

Sim. O Seu Borba era o mais apto para liderar a matança.

Com seu devido comandante e sua horda de homens sujos, sanguinários e vingativos; Paulo começou o ano com a meta de enviar todas as almas emboabas para conversar com o cafuçu. E como o povaréu de enxeridos calçados devolveu na mesma moeda; idos aí quase dois anos de bala trocada; na altura já tinha quem comparasse aos confrontos da Europa das Guerras.

Enquanto Paulo e os homens estavam empenhados na tarefa de eliminar a praga emboaba; uma outra capitania se borrava no medo de ser acometido pela fúria dos bárbaros.

O Rio de Janeiro, até então, uma simples capitania cuja única função era ser porto de navio negreiro; e tudo que fazia , procurava de alguma forma, chamar a atenção de Portugal. O exímio lambe-botas de português , não gozava da simpatia de Paulo e seus paulistas; como se estes algum dia a tenham ofertado a alguém; mas o carioca era ódio com tradição.

Havia passado o ano na angustia da possibilidade dos selvagens bandeiras migrarem os confrontos para suas terras; não suportando mais as dores causadas por tal ansiedade; Rio sabia que teria que fazer algo a respeito, mas não podia impedir os emboabas de explorarem o minério, então só havia uma solução: Tentar negociação com seu indecoroso vizinho.

E assim, lá foi o fluminense a galope, subindo a serra até os arredores de uma pequena vila que nascia com o nome de Cachoeira dos Campos; mas bom nome seria Cachoeira de Sangue, pois ali era um dos fulcros da guerra contra os emboabas. Enfim encontrou o local onde a tropa paulista estava abarracada; um capão de mata rasteira ladeado pela densa floresta atlântica.

Desceu do cavalo, ficando diante do murrento que teria que dialogar; ou ao menos tentar.

- Nossinhora dos amendrontados! Pra vir inté aqui em meio a fogo cruzado, só estando terrificado de medo. - Paulo já dava as boas vindas provocando.

- Eu diria ser tal proeza, algo de coragem...

- Pufft! Ocê entende de beijá mão de reinol, de coragem entende é nada!

Disse debochando do vizinho

- Tu chamas de coragem essa hostilidade de azo puro egoísmo?

- Só defendo o que é meu e dos meus! E se faiz preciso hostilidade, então farei!

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