Pitangui: Pelo direito a Pinga!

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Passaram alguns anos; Paulo continuava o mesmo, mais xucro e ranzinza que nunca; não havia mudado em nada. O mesmo não pode se dizer do menino, agora nomeado; o pequeno Minas crescia muito rápido.

Muito em exagero. Crianças costumam mudar em questão de instantes, mas o caso do mineirinho chegava a ser uma anomalia.

Havia uma explicação plausível para tão precoce crescimento; o tentador cheiro do ouro atraia pessoas desde o além mar; e da noite para o dia, ergueram-se vilas e lugarejos aos montes. Era gente que não findava.

Com tanta diversidade de quereres, fez-se uma sociedade de essência urbana, e de muitas exigências. O caos efervescente acabava por refletir nos modos do menino.

De personalidade afrontosa, Minas era irrequieto; frequentemente mostrava que não estava no mundo para receber ordens. Não importava oque Paulo mandasse, ele não obedecia; quando tinha boa vontade, fazia a seu jeito.

Seu passatempo favorito era levantar questão, e aborrecer o paulista com elas. Algumas eram naturais de uma criança comum:

- Oque acontece quando um homem e uma mulher se deitam?

- Acontece um bebê! Agora, cala a boca!

Outras mais pareciam julgamentos as ações do bandeira.

Como na vez que Paulo o levou para mata virgem na calada da madrugada com uma pá e um saco, e o mandou cavar um buraco.

- Oque vamos enterrar? Não é uma cabeça é?

Paulo que fazia a vigília, virou-se para ele com uma cara de quem fora pego fazendo algo errado; algo muito errado.

- É uma cabeça?! – agora estava assustado; era cúmplice de um assassino.

- Pergunta menos e cava mais! – o paulista tentava escapar do flagra.

- Agora não cavo um palmo mais de terra! – Jogou a pá no chão em protesto – Porque fazes isso comigo Paulo? Porque sempre me põe nas suas enrascadas?

- E pruque ocê recrama tanto? É minha comarca! Ocê faz o que eu mando!

- Quer apostar?!

Os dois então, ficaram se encarando em desafio. Como Minas não cedia; acabou que Paulo enterrou ele mesmo a cabeça do cacique.

Essa não havia sido nem de longe a única vez que o garoto domara o bandeira; afinal, quase sempre conseguia o que queria.

Porém, quando o assunto dizia respeito a Portugal, as perguntas se tornavam questões com raiva. E muitas vezes, incômodas de responder

- Porque ele cobra imposto? Ele não vive aqui; porque precisa taxar a colônia?

- Porque ele é dono da colônia.

- Desde quando? Quem foi que escreveu que ele é o dono?

- Eu sei lá Ourinhos! É ansim , e sempre foi ansim! Agora, de novo, cala a boca!

Afim de apaziguar um pouco o fogo do menino; um dia, Paulo o apresentou ao aguardente; assim, ele poderia afogar suas revoltas na bebida e lhe dar um pouco de sossego. O próprio paulista já estava alcoolizado desde muito novo, só deste modo para suportar a vida na colônia do "Quinto dos Infernos"; para ele aquilo era normal; e o único remédio que conhecia para as angustias do jovem mineirinho.

Ele só não contava que o pivete fosse gostar tanto. Haja bebida para tanta angustia!

Minas era cachaceiro. Mas cachaceiro exigente; chegou ao ponto de não satisfazer-se mais com os alambiques paulistas, dizia que eram de quinta e que o gosto parecia a urina.

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