Orôaúsub

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Três meses navegando; a água ia baixando, e a areia subindo; os cabelos despenteados soprados pela brisa quente que vinha da costa, carregando o cheiro tropical, de mata molhada, água salgada e exóticos aromas. O cheiro dele.

"Terra a vista". Se lembrava da primeira vez que aportara naquelas praias. A visão divagando naquela paisagem, o maravilhando, delirando; tanto que chegara acreditar que havia morrido nas ondas e alcançado o Paraíso.

O Paraíso foi o que viu naqueles olhos. Naqueles selvagens olhos; no instante que sentiu-se preso; como se seu destino estivesse amarrado ao dele.

Mesmo agora, passados século; já não era um rapaizola aventureiro desbravando oceanos, mas sempre que aportava na Colônia tinha esperança de revê-lo. Quase nunca dava essa sorte, ele estaria fugindo dele? Oque fizera para que se afasta-se? Ah como ansiava por aquele cheiro, por aquele olhar, pelo gosto daquela dourada pele marrom.

Mas não tinha vindo buscando por alguém que ainda lhe era um mistério. Havia um pequeno problema a se resolver.

Realmente pequeno; tal como um mineirinho que andara ultrapassando os limites de suas garotices. E um bandeirante cuja firmeza, o desapontara.

Afrouxara demais as rédeas; era a hora de lembra-los que a colônia ainda tinha dono; ele. Não avisara que viria, propositalmente, não queria dar-lhes tempo de inventar desculpas ou fazerem-se de virgens comportadas.

Os surpreenderia com sua "agradável" visita; os deixaria tão espantados de medo, que implorariam pelo castigo. Já havia chegado a uma decisão: aqueles dois juntos eram um perigo.

Aproveitaria os dias de folga na colônia para vigia-los e quiçá, reencontrar seu objeto de grandes fascínios e luxúrias. Havia acertado em sua estratégia; um ourives viajante que Paulo pagava para lhe informar dos acontecimentos, chegou com a notícia do retorno do patrão luso.

Ainda digerindo, com um nó no estômago, foi contar a Minas.

_ O bacalhau portô em Salvador, está hospedado no Recôncavo, em cinco dia vai chegá a Vila Rica. Vamo tê c'o ele.

_ Ma'i nem depois de morto!

_ Iandê carsô isso! Ocê trouxe o bacalhau pra cá! Si ocê qué sê homi, aprende a arcá c'a curpa!

Minas baixou a cabeça aceitando, sabia que se quisesse deixar de ser menino, teria que responder por seus erros. Ambos estavam nervosos, Portugal em pessoa vir tratar dos assuntos da Colônia quase sempre significava cólera.

Não conseguiam pensar em nenhum modo de evitarem uma provável punição, e os cinco dias passaram velozes. Na fatídica data, Paulo acordou com o sol e chacoalhou o mineiro, acordando-o; queria estar na sede de governo da vila antes de Porto, afim de deixar boas impressões, pois pressentia que a maré não estava a seu favor.

Pediu para que Minas o esperasse na porta da prefeitura enquanto resolvia umas pendencias legais.

_ Ocê fica aqui. Nada de fugi! Ô eu mermo vô ajuda o bacalhau a te castiga!

No começo, o menino até obedeceu; mas sendo de temperamento inquieto não conseguiu se conter por muito mais tempo. Meteu-se dentro do prédio e foi explorar os salões.

Enquanto aventurava-se nos corredores, escutou um vozear vindo de uma das salas do fundo. Reconheceu o dono daquela voz que lhe causava calafrios; Porto havia chegado antes deles, e berrava ordens para um Algarve.

O Reino de Algarve era protegido da Coroa portuguesa; e havia recebido tal designação como presente de Portugal. Porém era apenas um nome em um papel, mera formalidade; na prática ele era quase um servo do luso.

A Comarca d' OuroOnde histórias criam vida. Descubra agora