O último mês corria agitado. A escolta de Portugal o aguardava com as embarcações ancoradas no porto de Salvador; prontas para retornarem a Lisboa.
Não podiam esperar por muito mais dias, pois estavam a dificultar o trânsito de navios negreiros, que tinham 'pressa em descarregar as contínuas levas de escravos, que se amontoavam com a demanda das minas. Eram bagagens de meses para se encaixotar e levar até o porto soteropolita; a quem ficou encarregado de tal tarefa, o pobre Algarve, que andava com os nervos a flor da pele.
A pequena Vila Rica não assistia a rebuliço igual desde que a cabeça de Filipe dos Santos rolara pelas ruas. Porto havia findado com os suspiros e lamentos pelos cantos; recuperado de sua doença melancólica, estava em seu pleno vigor; disposto, não queria partir com nenhum assunto pendente.
Qual foi sua surpresa ao ser convocado pelo patrão luso para uma reunião em privado; "um acerto de contas", como disse ele. Estava temeroso, nunca havia tratado com Portugal sem Paulo estar presente; resguardado em sua desconfiança, foi assuntar com o dito.
Com as mãos atrás das costas e uma tímida expressão, compareceu a porta do escritório; não ousou se anunciar, e não se fez preciso, o europeu deu pela sua chegada. Um sorriso se abriu na cara do cordial lusitano, que procurava ser o mais amigável possível com aquela criança mineira.
-Pá, rapaz! Não fiques aí, prostrado a porta. Não é educado. Entres, entres!
Aproximou-se da mesa onde se sentava Porto, ainda sem falar.
-Queres se sentar?
-Não. Tô bão aqui. - Retrucou secamente.
-Sempre muito decidido! Seguro de suas vontades! Comportamento digno de um homem!
Minas não se deixou levar pela bajulação. Nada respondeu.
-Tens uma personalidade forte, gajo!
-Diga o que o senhor quer.
Porto ficou perplexo com aquela resposta direta, e a indiferença aos elogios. Não era normal de uma criança.
Engoliu seu discurso adulador e colocou as intenções a mesa.
-Quero uma conciliação, garoto. Que ambos findemos nossas desavenças em uma trégua. Um acordo de paz, o que me diz?
- Da minha parte tá acertado. Só o sinhor me deixa em paiz; e num pedi por tanto ouro.
-Tenho uma proposta melhor. Com certeza há de interessar-te muito. Mais que deixá-lo em paz, dou-te um presente!
-Gradecido. Ma'i num carece. Num quero do sinhor nada.
Virava as costas para o português, a passos firmes em direção a porta. Foi detido pela voz do luso o seduzindo com as palavras.
- Nem mesmo o título de capitania?
Aquilo não se recusava. Quantos não dariam a vida pelo renome de capitania? Era a mais alta das graças concedidas pela Coroa. Desacreditava que depois de todo o banzé que causara nos últimos meses, Portugal lhe oferecesse a honraria. Os avisos de Pedro ainda ecoavam nas lembranças: "Os homens mais perigosos são aqueles que usam a língua como arma".
- O sinhor pode fazê isso?
-Não posso somente, como já o fiz! - Retirou da gaveta um papel de assinaturas rebuscadas - Mandei trazer de Lisboa a declaração de sua elevação a capitania, assinada pelo próprio El Rei!
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A Comarca d' Ouro
FanfictionO ouro, o ouro do Brasil... sua chegada foi recebida com festejos; mas sua estada trouxe consequências. Uma guerra. Uma revolta. Uma separação. Uma comarca instável prestes a virar uma rebelde capitania.