Uma explicação acerca da relação de Gaby com Jacques.
A foto no final é do filme Saint Ange (2004), eu só editei.
Sejam simpáticos e digam o que estão a achar so far.______________________________________
Caminhava no Jardin Grand Rond quando conheci Jacques. Aquele jardim sempre foi um local especial para mim (talvez ainda te lembres o porquê). As árvores frondosas abraçavam-me com a sua glória costumeira e nos meus olhos habitava o mesmo maravilhamento da primeira vez que as vira. Ia a caminho do banco à esquerda do lago (era sempre esse banco, lembras-te?), quando não sei bem como, o salto do meu sapato partiu e eu quase que caía. Se não fosse Jacques a amparar-me. Que conveniente. Os seus olhos cobalto pareciam-me afáveis e capazes de gentileza. Hoje sei que estavam carregados de fingimento.
Não foi logo de início que me interessei por ele. Tinha passado tanto tempo desde que alguém tinha tentado seduzir-me, há tanto tempo que não sabia trocar olhares, dizer as palavras certas. Nunca soube. Quem se habitua a reprimir as suas emoções, vê-se acuado diante de uma situação em que o necessário é exatamente o oposto. Estava a apanhar ar numa das varandas do Hôtel d'Assézat quando ele decidiu que estava na hora de dar o primeiro passo para cumprir o seu plano. As imagens são-me tão vívidas ao ponto de por momentos acreditar que estou novamente na sacada desse hotel a fumar um cigarro, enquanto espairecia depois de ter passado a noite toda a suportar uns parceiros de negócios quaisquer de Marcel.
Não lhe disse nada, também não era preciso. Não é como ele quisesse saber. Tínhamos esta espécie de acordo silencioso: eu fazia o papel da mulher perfeita por umas horas nestas reuniões sociais intragáveis e quando já fosse aceitável do ponto de vista da boa educação e etiqueta (uma grandessíssima treta, é o que é, sempre achei, mesmo nessa altura), eu desaparecia de cena numa tentativa de recuperar a energia perdida em todo aquele teatro. Marcel tinha alguém bonito para mostrar por algum tempo e depois dava-me todo o espaço que precisava. Nunca entendi o teu irmão, Pierrette. Ainda hoje permanece um enigma para mim. Passei anos e anos casada com ele e não houve um único dia em que eu pudesse dizer com certeza que sabia o que estava a pensar. Bem, também não foi para isso que decidi escrever. Tudo o que vivi com (será que se pode colocar as coisas nestes termos?) Marcel faria um livro demasiado pesado e aborrecido, até para o mais motivado dos leitores.
A verdade é que Jacques sabia dizer as coisas certas. Sempre soube que muitas das suas palavras eram ditas no mero sentido de me agradar. Mas não me importava. Estava sedenta de amor, atenção e Jacques, mesmo não o amando, mesmo que o meu coração não palpitasse por ele, ouvia-me (ou pelo menos fingia fazê-lo) e com ele as coisas eram relativamente fáceis. O casamento com o teu irmão baixou-me muito as expectativas. Só de não pairar entre nós aquele silêncio taciturno e confrangedor, eu já me dava por satisfeita. Mesmo assim, nunca foi certo, e eu sabia-o. Todos os beijos que trocamos, as palavras mais íntimas, nada nunca foi totalmente verdadeiro. Porque eu era-lhe grata. Grata por ter olhado para mim, por me ter feito sentir desejada, ouvida, importante. Grata pelas nossas conversas. Por ter-me relembrado, ainda que por pouco tempo, como é ter uma convivência pacífica com alguém. E mais importante, grata por me oferecer uma chance para recomeçar. Só que gratidão é muito diferente de amor.
Não sei o que será pior: ter sido enganada, feita de idiota todo este tempo por ele ou de a pessoa com quem me traíra teres sido tu. Quiçá a segunda magoe um pouco mais aqui dentro. O que tinha ele que eu não tenho? O que fez ele que eu não fiz? Ou será que é só pelo facto de ele ser um homem e eu não? Talvez só te consigas entregar realmente a um homem. Mas não me parece que seja isso. Sempre foste moderna demais para esse tipo de preconceito. Aposto que quando nasceste, todas as velas da igreja mais próxima se apagaram por saber que naquele momento o pudor tinha morrido. Digo-te tudo isto com um sorriso. Já não tenho de fingir que a tua imoralidade me desagrada. Talvez só não gostes de mim. Talvez o problema seja eu. Lá terei de aceitar isso.
Até agora tenho evitado pensar no dia de amanhã ou planos para dias mais longínquos, porém tenho mesmo de ir ao banco ver como está a nossa situação. Sei que não vais acreditar no que te vou dizer. Contudo, sinto-me impelida a dizer-to de qualquer maneira. Eu não sabia que Jacques tinha roubado a empresa de Marcel. Fiquei em choque quando ouvi Catherine dizer que para além de Marcel estar perto da bancarrota, Jacques o tinha roubado. Quando te digo que o silêncio era a maior constante no meu casamento, não estou a dramatizar. O meu falecido marido não me contava nada. Como poderia eu saber? Agora, claro que Mamy sabia. Afinal, ele e ela sempre foram unha com carne desde que se conheceram. Pena que a grande amizade não tenha chegado para que ela quisesse emprestar-lhe dinheiro e salvá-lo da falência. Imagino como Marcel deverá ter-se sentido atraiçoado. Queria dizer que lamento, mas não quero ser hipócrita.
Bem, de qualquer modo, irei ao banco amanhã ver como é que estamos e o que fazer a partir daqui. Parece que os ares marítimos estão a fazer-me bem e já consigo raciocinar com mais clareza. Há que continuar. Não sei bem como, mas por alguma direção terei de seguir. Depois, logo se vê.
Penso onde estará Jacques. Muito provavelmente no México. Ou talvez não por ambas sabermos que ele iria para lá. Não sei, sinceramente, não me interessa. Traço mentalmente o que faria caso o reencontrasse e não me vejo com força nem vontade de me vingar. Foi o que teve de ser. Parece que foi sempre assim. Espero que não tenhas cometido nenhuma imprudência em relação a este assunto. Sei muito bem que a sensatez cada vez que por ti passa, é bem longe. Então, tem juízo. Jacques não vale a pena o esforço. Sentia gratidão e hoje é só indiferença. Podia até ressenti-lo, mas já não tenho espaço para isso. Jacques chegou muito tarde e acho que esse foi o problema: nunca houve espaço para ele na minha vida, dentro do meu âmago. Ainda bem, ao menos poupou-se um desgosto. Espero que não estejas a sofrer por causa dele. Uma mulher como tu merece mais. Uma mulher como tu merece tudo.
A barriga de Suzon está a crescer. Às vezes pressinto um certo temor vindo da minha filha. Sei bem o que a atormenta. Será ela capaz de amar esta criança, mesmo tendo sido fruto de um ato tão hediondo? Ainda assim, desejo que tudo o que está prestes a acontecer, aconteça no melhor cenário (dentro das possibilidades que temos). Todas achamos que vai ser uma menina. Era engraçado se fosse mesmo. Imagina, mais uma mulher para esta família completamente doida. 9 mulheres. Nem soa mal.
P.S. Ontem tirei uma foto a Suzon e acho que talvez gostasses de vê-la. Não sei, de qualquer modo enviarei. Afinal, é o teu sobrinho-neto que vem aí. Ou sobrinha-neta.
Gaby
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À bientôt mes coeurs <3
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L'automne 37
Fanfiction"Foi em 37. No Outono de 37. A vida era tão simples. E, de repente, tudo mudou. Não fazia ideia do me esperava. Não poderia sequer imaginar o quanto este encontro, este estranho acaso mudaria a minha vida. Era tão jovem para entender, Pierrette. Mas...