Acordo 2

Capítulo 2: Mentiras necessárias

Abri a porta do apartamento escutando o som do telefone, atendi reconhecendo de imediato a voz do outro lado da linha. Camila havia entrado em contato para avisar que conseguiu entradas de um clube muito utilizado para reuniões da quadrilha que descobri se denominar entre si como fantasmas.

Claro que os encontros não aconteciam na área comum mas já seria útil se Yavuz pudesse ter contato com esses desgraçados, acabei convidando a deputada para jantar no meu apartamento, dessa forma evitaria sermos vistos juntos em um restaurante, ela me entregaria as entradas e eu aproveitaria para entender melhor quem a deputada tanto quer proteger.

No momento em que me fez esse pedido pode sentir o grau de importância, o que me deixou curioso afinal em nenhum momento se preocupou dessa forma com o noivo ou a mãe com a qual, — pelo que eu e Thiago investigamos — não tem mais contato.

No horário combinado minha campainha tocou, sabia que era ela pois já havia deixado sua entrada liberada, evitando que ficasse lá embaixo por mais tempo que o necessário.
Abri a porta despreparado para encontrá-la vestida com roupas informais, um short mostarda que cobria menos da metade das coxas e uma blusa marsala de mangas curtas, embora a postura continuasse impecável.

— Boa noite — disse cortando o silêncio

— Boa noite, deputada! — Sorri fingindo não ter sido afetado com a ausência de um sutiã em seu corpo, fazendo o tecido fino moldar perfeitamente os mamilos que apontavam pra mim

Céus! Isso deve ser abstinência sexual!

— Camila, por favor, gostaria muito de desfrutar de um jantar sem tanta pose hoje — Sorriu mas não alcançou os olhos, que por sua vez demonstravam exaustão

Anuí e gesticulei para que entrasse, enquanto ela se acomodava busquei um vinho colocando na mesa de centro com duas taças

— Cansaço? — Perguntei nos servindo

— Você não faz ideia, mas pare de me encarar dessa forma, eu não fico 24 horas por dia montada de boneca de cera sabia? — Provocou, e acabei rindo — Hum... Jantar tem cara de vinho não é? — comentou pegando sua taça

Bebi alguns goles observando aquela nova faceta da mulher à minha frente antes de responder

— Sou italiano, tudo pra mim combina com vinho ou drink

Camila abriu um sorriso sincero

— non ha molto accento (não tem muito sotaque) — respondeu em um italiano um tanto engessado

— molti anni che vivono all'estero (muitos anos morando no exterior)— falei gostando daquela interação

— Definitivamente preciso treinar meu italiano — fez uma careta quase infantil

— Só está engessada, alguns dias conversando nessa língua e será confundida com uma nativa — brinquei

Durante o jantar ela me entregou as entradas e conversamos bastante em meu idioma natal

— Gosto mais dessa versão sua — assumi me sentando ao seu lado novamente no sofá

Camila sorriu ao ouvir e encostou de maneira confortável no móvel

— Eu também! Mas sinto lhe informar que somos minoria — fechou os olhos por um momento suspirando, parecia tão em paz que sequer me movi para evitar roubar esse momento dela, entretanto o próprio celular fez isso, na tela o contato "Amore" acendeu enquanto o aparelho vibrava na mesinha

— Desculpe, preciso atender — disse já levando-o ao ouvido sem se afastar

Era de uma educação questionável, e provavelmente dona Rebeca me bateria por isso, mas estando ao lado da deputada eu conseguia ouvir a voz do outro lado da linha. Fui treinado para estar atento, olhos e ouvidos sempre prontos para uma nova informação e naquele momento a conversa ao meu lado muito me interessava

— Onde você tá cacete? — a voz masculina bradou irritada do outro lado da linha

Camila porém, sequer se movimentou, apenas ergueu uma das sobrancelhas

— Cinco segundos, Guilherme — Anunciou tranquila

— Pra quê? — o homem questionou confuso

— Para notar que ligou para sua noiva e me tratar com o respeito que me deve! — O tom era pacífico mas cheio de poder, a mulher era uma força da natureza!

— Camila — Reclamou

— Quatro, três, dois...

— Desculpa minha vida! Eu só fiquei irritado — abrandou o tom da voz — estou na sua porta há uma hora para te fazer uma surpresa

Revirei os olhos com o motivo que encontrou para gritar com ela, esperei por uma resposta branda da mulher para esse jogo de sentimentalismo, mas o que ela disse me arrancou um sorriso

— Azar o seu! Até onde eu sei você estaria de plantão, não sei se sabe mas eu não tenho o dom de prever o futuro

— Tem razão, Mila, sinto muito, me diz onde está que eu vou te buscar

— Não é necessário, vim rever meus afilhados e você sabe que a Agatha não gosta de te ver por aqui

O jeito tranquilo com que afirmou aquilo fez até eu mesmo duvidar do que estava vendo. Ao fundo ouvi o tal Guilherme mandar um beijo para as crianças e dizer que estava esperando

— Claro! Amiga, o gui mandou um beijo pra todo mundo, ela mandou outro, amore, te vejo daqui a pouco, também te amo! — a deputada afastou alguns centímetros o telefone ao falar

Encarei com os olhos arregalados, a naturalidade com que mentiras saíam de sua boca era assustadora

— Estou quase convencido também — provoquei assim que desligou

— Não se entra na política sem ser uma boa mentirosa — deu de ombros

— Por isso o povo te ama — não consegui esconder a ironia

Camila é considerada a princesinha dos eleitores, a porcentagem de aprovação altíssima, a deputada é simplesmente reverenciada e até agora eu só vi uma figura política como todas as outras.

— Nenhuma pessoa pública é cem por cento do que mostra, Enrico, eu realmente quero melhorar as coisas, sinal disso estou aqui não é? — Me encarou como se lêsse minha alma — mas acha que as informações que te dei vieram com a verdade? Acorda, italiano! O mundo é dos espertos, ninguém quer ver minhas fraquezas e defeitos, faço um enorme favor ao escondê-las dos eleitores. Política é definir objetivos, princípios inegociaveis, e derrubar oponentes antes que te derrubem! Nessa ordem.

— Sempre há um jeito honesto de fazer — retruquei incomodado com seu modo de pensar mas ela deu de ombros novamente

— Mas o jeito honesto geralmente não funciona nesse país! — Respondeu procurando algo em sua bolsa — Aqui está, essa é a pessoa que precisa encontrar para mim, e não se engane com esse rosto angelical, Gabriela já fugiu homens altamente competentes que contratei para esse mesmo trabalho.

Encarei a fotografia encantado, a mulher era muito bonita, com traços delicados e um olhar marcante. Seus olhos possuíam heterocromia o que facilitava em parte o trabalho de encontrá-la.

— Vai me contar quem é ela? — Perguntei já sabendo a resposta

Camila negou com a cabeça e pegou sua bolsa, novamente a pose de boneca de cera estava lá

— Tudo que precisa fazer é achá-la. Preciso ir, aguardo novidades.

Com isso ela se foi, me deixando com uma foto, e muitas dúvidas. Porém a pior parte era a certeza de que se essa mulher era realmente tão difícil de encontrar, apenas uma pessoa conseguiria tal proeza, e eu definitivamente não queria pedir favores a ele, por isso apelei à ligação mais fácil daquela noite, Alev Yavuz precisava me pagar um favor.

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