O DESPERTAR

1.6K 207 15
                                    

Duas semanas depois…

     Anastácia sentou-se confortavelmente em sua poltrona; uma das delícias de se estar nesse posto. A ponte da nave a fazia lembrar da  "USS Enterprise" de " Jornada nas Estrelas". Sim, assistiu um remake do filme quando criança. Spock sempre foi seu personagem favorito. Sairia, sem problemas, com um alien daqueles. Pensando bem, quem projetou esse lugar devia ser fã da franquia também, já que tudo tinha semelhança, desde a disposição dos assentos, aos painéis, exceto a tela  à sua frente, que oferecia um vislumbre do espaço num ângulo de 270°, quase como se planassem no ar. Daqui à pouco esse ambiente estaria cheio de vida.

— Ian? — Chamou-o observando casualmente os painéis solares, estendidos como as velas de um navio, coletando energia do sol mais próximo.

— Sim, comandante?

— Acione o protocolo de despertar das câmeras criogênicas. Comece pelos mais velhos, sempre dez de cada vez! — Ordenou tentando ocultar ao máximo a inquietação em sua voz. Estava ansiosa por poder conversar com seus amigos. Há um mês que vivia na solidão daquela selva de metal.

    Por segurança, o despertar era sempre iniciado pela tripulação mais velha, porque se algo desse errado os mais jovens não seriam sacrificados.  Claro, todos estavam cientes dos riscos, apesar que até agora nada aconteceu de incomum a esse respeito. 

— A primeira leva está desperta, comandante! — a I.A. anunciou — A avaliação diz que estão todos bem.

— Providencie uma alimentação balanceada para eles, conforme suas necessidades particulares! — disse enquanto tamborilava os dedos no painel na lateral do seu assento. Como a tela estava bloqueada, não emitia qualquer informação.

Estava distraída observando os painéis solares sendo recolhidos. Sorriu ao pensar em como o povo de Antaron achavam os terráqueos suspeitos, não que lhes tirasse a razão, mas desde o primeiro contato, isso ficou muito claro. Lembrava nitidamente da primeira vez que os viu. O rei era a materialização da sublime perfeição, no entanto, mantivera um semblante nada amistoso durante sua visita, o que contrastava com sua rainha, que tratou a todos de forma amistosa, talvez pelo fato de estar em seu planeta natal. Ravena fez questão de cumprimentá-la. 

Agora que pensava sobre a tecnologia que lhes fora ofertada, Anastácia tinha a certeza de que eles lhe deram o mais essencial para serem auto suficientes numa viagem intergaláctica. Ao contrário do que seus superiores mesquinhos pensaram a princípio. Na cabeça deles, as partículas de combustível deveriam ter sido fornecidas também. Nunca estavam satisfeitos com nada. Nitidamente a tecnologia que receberam não chegava aos pés da utilizada pelos Antaronianos, mas não os culpava por terem fornecido algo arcaico. Sabe-se lá o que os terráqueos poderiam fazer se tivessem acesso a uma partícula de energia que tanto servia como combustível, como poderia ser utilizado para fins bélicos. Prudência nunca é demais.

Após mais algumas instruções, ela saiu da ponte. Seus braços estavam cruzados despreocupadamente nas costas enquanto avançava pelo vasto corredor. Seus passos eram suaves sobre o metal, quase não produzia som. Em seu rosto havia uma expressão fria e imparcial, como sempre. Fato que lhe rendeu o "status" de "implacável'', mas quem a conhecia mais de perto sabia que esses rumores não tinham sentido algum. Ela não fez questão de desfazer esse mal entendido, pois isso ajudava a manter a ordem entre os tripulantes. Tinha os seus de extrema confiança: Max e Aiko eram seus melhores amigos e representavam bem a diversidade cultural da estação. Ele, americano; ela, japonesa. Max era o chefe de manutenção do coração da nave, a sala de máquinas, enquanto que Aiko estava à frente da tecnologia empregada ali, não havia um parafuso sequer naquele lugar que ela soubesse para que servia.

Um americano, uma japonesa e uma brasileira, o que poderia dar errado nessa viagem? — Max sempre brincava com elas.

Sentiu-se nostálgica ao pensar nisso. Faltava pouco para estar comungando com seus amigos, tomando um bom Dalmore de 50 anos. Havia feito esse acordo anos atrás, de comemorar cada "despertar" tomando esse whisky especial. Mal podia esperar. Andou mais alguns minutos e parou de frente para uma porta de vidro, que deslizou e sumiu na lateral assim que sua presença foi detectada. A mulher deu um passo à frente e tirou os sapatos, deixando-os de lado. Com os pés descalços, caminhou um pouco mais até alcançar a grama, seus lábios moveram-se por vontade própria, desenhando um sorriso e afastando sua carranca. Inspirou profundamente trazendo aquele ar puro da floresta para seus pulmões. Que bom que os "amigos aliens" pensaram nisso e dedicaram esse espaço para reproduzir um habitat  natural aqui; a floresta possuía o tamanho de dez campos de futebol, contava com árvores nativas e frutíferas e alguns pássaros e outros pequenos animais terrestres que foram devidamente esterilizados antes de subir à bordo. A réplica de um lago, com peixes, completava o panorama e também servia para refrescar as outras espécies.

Anastácia iniciou seu percurso matinal pelo chão de terra, um corredor entre as árvores que servia como espaço de caminhada e para amenizar o estresse da tripulação. Olhou para a cúpula transparente que funcionava como estufa e possuía refletores especiais simulando o céu da Terra. Quase podia sentir-se em casa; quase, porque tinha aquela sua voz interior e estraga prazeres que fazia questão de lhe afirmar o lado lógico disso tudo. Andar sempre a acalmava e aquietava seu espírito, e descalça, melhor ainda. Gostava de sentir a areia em contato com seus pés. Seus passos a guiaram até o pequeno lago, onde perto da margem havia um banco. Sentou-se nele, puxou um pequeno invólucro do bolso frontal do seu macacão, abriu-o e começou a jogar os "petiscos" aos peixinhos. Costumava passar muito tempo fazendo isso.

— Eu sabia que te encontraria aqui, Ana! — A voz tão conhecida chegou aos seus ouvidos fazendo-a virar-se para encarar o belo moreno de olhos negros.

Max tinha um corpo franzino e estatura mediana, porém, ninguém se enganasse, possuía a força de cinco homens por ter tido metade do corpo reconstruído como ciborgue após sofrer um acidente automobilístico. Olhando assim para ele, não dava pra identificar quais partes sofreram mudanças. Com braços gentis, ele abraçou sua comandante e amiga.

— Você tem que parar de comer tanto, Ana! — ele brinca.

— E você de encher o saco, seu idiota! — reclama fazendo beicinho e simulando um soco em seu ombro — Onde está Aiko?

— Vomitando as tripas, como sempre acontece no despertar. — Responde com seu sotaque acentuado.

Não tinha como evitar os enjoos, alguns faltavam virar do averso. 

— E nosso subcomandante, como está? — ela pergunta maliciosamente.

— Daquele jeito… — desdenhou com uma sonora gargalhada.

— Mal posso esperar para ver seu estado deplorável! — riu junto enquanto caminhavam na direção da saída — Vamos salvar a pobre Aiko!

— Hum…você não me engana, só quer ficar bêbada e falar sacanagens…

— Eu não sou você, homem de lata pervertido! — riu alto.

— Magoei…você é uma garota má!— fez uma breve cara de choro e riu junto.

Comandante Anastácia: contos Alienígenas Onde histórias criam vida. Descubra agora