NÃO ESTAMOS SOZINHOS

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Ethan olhava com profundo desprezo, enquanto sua comandante se dirigia à ponte. Aquela mulher o punha nervoso. A desgraçada sempre tinha aquele olhar superior dirigido a ele. Queria arrancar aquele sorrisinho sínico na porrada, mas sabia que não podia contra uma mulher geneticamente melhorada. Só lhe restava aceitar o tipo de situação que o fazia querer matar pessoas.
A maldita rainha de Antaron devia estar se divertindo até hoje por ter-lhes pregado essa peça.
Em que mundo utópico ela vivia para assegurar que uma mulher poderia cuidar de uma estação inteira? Uma comandante? Que piada de mau gosto! Ela não passava de massa de manobra nas mãos dos Antaronianos e ainda ousava se sentir o máximo, aquela gorda e preta. Se ao menos fosse bonita, podia se divertir comendo a cadela.

Olhou, de relance, as imagens na tela e finalmente entendia a razão de Javier tê-los convocado. Ele havia concluído a missão de encontrar um planeta habitável. Tinham diante de si um com características semelhantes à Terra, só que dez vezes maior.  Não conseguiam sequer ver algo da sua superfície, dado a densa nuvem de tempestade que o circundava, lembrando os anéis de Saturno. Pelos dados fornecidos pelo oficial, o gigante em tons de vermelho e azul, possuía atmosfera respirável, no entanto, por algum tipo de interferência no equipamento de rastreio, não conseguiam ter dados de sua espécie.

— Tem certeza que esse lugar é habitável? — o sub-comandante questiona incrédulo.

— Sim! Os dados são concretos, mas teremos que enfrentar essa tempestade anticiclônica  e ventos de até 420 km/h. — diz com um leve suspiro, enquanto seus dedos digitam sem cessar, fazendo aparecer imagens na tela — Esse é o melhor ponto de entrada na anomalia, os ventos aqui decaem pela metade da velocidade. Nosso módulo de pesquisa consegue descer à superfície em segurança. — completa com a certeza de um oficial de sua estirpe.

A comandante observava as imagens de cenho franzido.  Não teve como não lembrar da franquia Alien, mas precisamente Alien: Covenant.  Não importava quantos séculos passasse, filmes sobre alienígenas ainda faziam sucesso, mesmo que fosse o remake do remake. Quase riu ao imaginar que encontrariam algo do tipo lá embaixo.

— Vou ir lá embaixo também! — ela anuncia para espanto de todos, já que ela nunca descia para a coleta — Não me olhem com essas caras, esse é um lugar do qual não temos muitos dados, sou sua comandante e responsável por seu bem estar, não vou colocá-los em risco e ficar aqui sentada nessa poltrona só olhando. — fala ao observar os semblantes surpresos — Ethan, você assume como comandante interino até meu retorno. Avise o pessoal da pesquisa, desceremos em meia hora. — diz se levantando e se dirigindo para a saída.

Trinta minutos depois o módulo de pesquisa desacoplava da estação e seguia rumo ao planeta desconhecido, que apelidaram de Storm ( tempestade, tormenta). Enquanto os tripulantes tagarelavam, eufóricos diante da novidade, afinal em sua maioria eram pesquisadores, Anastácia observava as densas nuvens lá fora. Embora estivessem adentrando na zona mais calma, a turbulência os atingiu, fazendo-os sacolejar em seus assentos. Ela tentava reprimir o mau pressentimento que a atingiu assim que entrou no módulo. Parecia uma fagulha, mas ainda estava lá. Jamais se sentiu assim durante toda a viagem. Talvez estivesse apenas sobrecarregada pelos recentes acontecimentos. Agora havia percebido que não atravessavam apenas uma fina camada de nuvens, mas quilômetros delas.
Como que um planeta nessas condições adversas poderia manter vida? — se perguntava, começando a questionar se esses dados também não estariam errados.

Mais alguns minutos e finalmente atravessaram a tormenta, para se depararem com um céu límpido e claro. Viu como a boca de um dos pesquisadores fez um perfeito "O" diante do que via por sua janela. Ela mesma estava admirada com a beleza que seus olhos viam. Onde diabos foram parar as densas nuvens pelas quais acabaram de passar? Olhava incrédula por ver apenas o céu brilhante e um sol lindo iluminando tudo até onde seus olhos podiam ver.

Pousaram numa clareira.

— Estão todos bem? — a comandante pergunta e ouve um "sim" em uníssono — Pois bem, mantenham sua roupa de proteção e capacetes! Não sabemos se tem algum patógeno em solo perigoso para humanos! — ordena.

— Comandante, a atmosfera daqui é composta de mais níveis de oxigênio do que a Terra, sem falar que o ar é muito mais puro! — um dos pesquisadores fala enquanto avalia os dados em seu monitor portátil.

— Ainda prefiro ter cautela! — diz ajustando seu capacete translúcido e dando uma olhada rápida no resto da equipe.

O E.P.I. lembrava as roupas de astronauta, só que bem mais sofisticadas e ajustáveis ao corpo. O macacão azul estava mais para uma segunda pele, mas que ninguém se enganasse; a tecnologia empregada ali permitia manter seus corpos protegidos e forneciam um auto ajuste na temperatura corporal, mesmo em condições adversas, monitoramento dos sinais vitais, fora que o suprimento de oxigênio que lhes dava uma autonomia de 24 horas fora do módulo, tudo isso sem sobrecarregá-los de peso.

Anastácia foi a primeira a descer e logo os outros vieram.

— Que bello! — A exclamação veio de uma pesquisadora  mexicana que já usava habilidosamente seus instrumentos fazendo coletas de amostras do solo.

— Mal posso esperar para ver como são os animais desse lugar. — o entusiasmo de outro contagiava o grupo, enquanto tudo que Anastácia conseguia fazer era olhar ao seu redor com certa desconfiança.

Tudo parecia normal demais, tranquilo demais. Estava inquieta desde que pisara ali. Seguiu um estreito córrego, enquanto os pesquisadores faziam seu trabalho. A água cristalina fluía de alguma nascente ali perto, mas estava mais interessada em saber onde desembocava. Não muito distante de seu ponto de pouso, deparou-se com a planície logo abaixo numa extensão que se propagava para além do que sua visão alcançava. Seu campo de pouso era um platô e para ter acesso aos espécimes lá de baixo, só descendo de rapel ou com o módulo. A água que caia montanha abaixo formava uma linda cortina branca, que lembrava um véu de noiva.  Não tinha como não se encantar com a bela paisagem. Parecia uma pintura feita à mão com o esmero que os artistas renomados têm. Observou aves com duas cabeças e com plumagem que lembrava asas de morcego, aliás os bichos a faziam pensar em pterossauros. A planície aparentava abrigar muita vida. Ela esfregou as têmporas tentando entender a causa da sensação ruim que teimava em incomodá-la, mesmo diante de algo tão magnífico.

O que estava havendo? Nunca fora assim. Empenhou-se em mudar o foco dos seus instintos e voltou a observar a planície.

Tão cheia de vida! — a frase dançou em sua mente como se quisesse lhe contar um segredo profundo.

Automaticamente se virou para o local onde se encontrava. Árvores gigantescas pareciam querer alcançar o céu. Para além da clareira, elas se erguiam imponentes. Seu tom de verde muito escuro, pareceria preto se olhasse de relance. Floresta adentro só havia escuridão, quase como se a luz do sol não penetrasse naquele lugar. Mais para cima, a montanha se destoava de modo que não se podia ver o cume. O monte Everest seria apenas uma pequena colina diante desse grandão aqui. Soltou um suspiro descontente ao continuar travando aquele embate consigo mesma. Não teve isso nem na sua primeira viagem na via láctea e agora isso?
Frustrou-se por não conseguir a mudança de foco pretendida. Aqui estava tão silencioso, o que teria de errado para que se comportasse como se estivessem em perigo?

Silêncio? — a palavra reverbera em sua mente, o que a fez novamente avaliar o ambiente ao seu redor.

A planície tão vivaz! Aqui tão lúgubre!
Sua atenção se concentrou na água, cuja cor límpida mudava para um tom avermelhado. Seu olhar vagueou por onde seus colegas deveriam estar.

Não havia ninguém.

Comandante Anastácia: contos Alienígenas Onde histórias criam vida. Descubra agora