NA ROTA ERRADA

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Finalmente a estação ganhara vida e a ponte estava cheia de calor humano, exceto por Ethan, esse podia ter continuado dormindo. Anastácia, simplesmente, não o suportava; pelo menos tinham reciprocidade nisso. Não conseguiu evitar o suspiro descontente quando ele se apresentou para o trabalho e de quebra, já passou a irritá-la com suas ironias. Como desejava jogar aquele homem no vácuo do espaço ou num buraco negro. Por sorte, estavam próximo a Alpheratz, a estrela mais brilhante da constelação de Andrômeda e por consequência, um dos planetas alvo da coleta. Todos estariam muito ocupados com o trabalho, incluindo esse bastardo.

— Comandante, tem algo errado com essas coordenadas! — Javier, o primeiro oficial, fala de repente, enquanto está vidrado na tela à sua frente.

— Como assim? — a voz da comandante reverbera no ambiente — As informações estão corretas na minha tela! — fala digitando muito rápido e observando atentamente as informações à sua frente.

— Sim, mas há um algoritmo intruso aqui! Seria invisível para leigos, não para mim. — responde enquanto seus dedos voam no teclado digital buscando mais dados.

— E para onde estamos indo?! — a mulher pergunta com uma carranca.

— Estamos próximos a Mirach, a gigante vermelha…é totalmente o oposto do que estamos buscando.

— Foi erro humano ou da I.A. ? — Anastácia questiona, visivelmente furiosa.

— Ainda não descobri!

É claro que não haveria pistas. Maldição! 

Isso não podia estar acontecendo, foram anos de viagem na rota errada. Só podia supor que isso aconteceu quando terminaram o trabalho na via láctea e as novas coordenadas foram inseridas no sistema, antes da hibernação da tripulação. Como isso aconteceu? Se fosse pensar em erro humano, teria que admitir em voz alta que houve uma tentativa de prejudicá-la, o que seria considerado motim. Isso seria um tiro no escuro, levaria muito tempo para descobrir quem inseriu o algoritmo intruso e causou aquela bagunça que agora ela teria que lidar. Pior de tudo era estarem numa rota estranha e não programada, não tinham os dados com antecedência e nem os riscos foram calculados. Essa responsabilidade recairia sobre seu comando e não havia absolutamente nada que pudesse fazer contra isso. Teria que arcar com o ônus de estarem a anos-luz de distância de sua rota original.

— O que pretende fazer, comandante?! — Ethan a interroga com uma voz contida, mas que mantém nas entrelinhas uma grave acusação.

— Abra um canal de comunicação com a tripulação! Informarei o que está acontecendo, enquanto buscamos uma solução. — fala diante do olhar afiado do homem — Enquanto isso, senhor Javier, mapeie o local, veja se há algum planeta que se encaixa no protocolo de coleta. Já que estamos aqui, não vamos perder a viagem! — diz calmamente tentando manter a fúria só para si.

Se descobrisse que essa confusão fora causada por um dos seus tripulantes, o bastardo pagaria da pior forma possível.

Entregar essa notícia não foi nada fácil. Posteriormente teria que lidar com os olhares de acusação de alguns, já que despertara antes de todos para se certificar de que tudo corria bem e não foi capaz de detectar um erro dessas proporções.

Agora andava de um lado para outro em seu alojamento, punhos cerrados com vontade de socar algo mais além do saco de pancadas que estava pendurado em seu teto, ao menos o que sobrou dele após ter descarregado sua fúria e frustração. Ela não era idiota, sabia que tinha sido erro humano e não dá I.A., aliás, não acreditava realmente em "erro", e sim em traição. A pergunta que não queria calar: quem se beneficiaria de pôr a tripulação contra ela? Óbvio que o primeiro nome que veio em sua mente foi o de Ethan, mas sem provas não poderia fazer absolutamente nada, o que a deixava muito zangada. 

Observou a areia que se esvaia pelos buracos que fizera no saco e imaginou o sangue do seu inimigo igualmente se esvaindo. Nunca fora generosa para deixar isso passar e socaria o bastardo maldito que fizera isso, até a morte.

Mais cedo tivera que mandar dois tripulantes para a cela por indisciplina, naturalmente causada pelo recente contexto. 

Não importava que estivesse certa na maioria das vezes, qualquer incidente os faria vivenciar toda a plenitude de sua testosterona, nada que alguns dias numa cela úmida e fria, a pão e água, não resolvesse.

E não, não estava sendo uma tirana. Apenas a disciplina se fazia necessária para manutenção da ordem. O problema é que isso só mostrava uma ponta ínfima do iceberg, teria que lidar com muito mais.

Sorriu sem humor quando Aiko adentrou no seu espaço.

— Eu sinto muito, Ana! — a garota de pele clara e cabelo Chanel falou com um sorriso de cumplicidade.

— Não sinta por mim, e sim pelo bastardo que me fez essa traição! — falou sombriamente, o que fez a mulher na sua frente sentir calafrios.

Aiko conhecia bem a conduta rígida de sua comandante; se ela disse que faria, é porque o faria. Não havia meios termos, nunca houve. A mulher possuía um senso de justiça fora do comum, mas em se tratando de punir traidores, não tinha piedade.

Lembrava com nitidez de quando ela assumira o controle da estação; foi um princípio tortuoso e escrito em sangue. 

Mal haviam chegado na via láctea e Anastácia tivera que lidar com uma tentativa de motim. Dois oficiais estavam tendo dificuldade de lidar com seu comando e insuflando alguns tripulantes a aderir ao movimento. A partir do momento que embarcaram, todos sabiam que ela seria a lei maior ali dentro, portanto detinha o poder da última palavra.

A comandante foi atacada no refeitório e lidou com um deles com uma faca de mesa. Foi sem conversa, tão natural quanto engatinhar. Quando o primeiro homem chegou sorrateiramente, como uma cobra para dar o bote, e a alvejou no ombro com sua arma a laser, ela agarrou a faca com a  qual estava cortando seus legumes; num movimento rápido e preciso a lançou no peito do seu algoz, enquanto todo seu corpo se retesava  com a descarga de adrenalina que a perpassava e então, numa fração de segundo, ela saltou sobre o morimbundo e empurrou a arma até o cabo; ele caiu no chão, formando apenas um amontoado inerte e ensanguentado.

A mulher tinha uma expressão sombria enquanto se lançava  furiosamente  contra seu segundo inimigo, que até tentou revidar, mas não teve a menor chance contra sua habilidade e fúria, tudo que conseguiu foi um com pescoço partido e ser mais um cadáver naquele chão lustroso. O ambiente ficou em silêncio de morte, todos os presentes contemplavam com temor a cena diante de seus olhos. Quanto aos outros insurgentes, a comandante foi mais branda, apenas os mandou para a cela por um mês inteiro, afinal não parecia um bom negócio matar dez tripulantes no mesmo dia.

Foi nesse momento que a chefe de tecnologia decidiu que aquela mulher forte seria sua melhor amiga. Ela era simplesmente o máximo. Não tinha como não admirá-la.

— Eu irei te apoiar no que quer que você faça! — foi a resposta da pequena, cheia de sotaque e significado.

O que fez Anastácia encará-la, sentindo o coração quentinho por saber que tinha verdadeiros amigos ali.
Era bom ter amigos!

Comandante Anastácia: contos Alienígenas Onde histórias criam vida. Descubra agora