19. Encontro

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Compramos ingressos para assistir ao espetáculo e também para alguns jogos. No momento em que saímos da fila, um vento gélido sopra em meu rosto, balançando meus cabelos e fazendo-me colocar as mãos nos bolsos de trás das calças largas. Do meu lado, Adora fala animada.

— Espera. — Paro nossa caminhada, horrorizada com o que a professora acabou de me contar. — Tá me dizendo que uma criança colocou um giz de cera inteiro dentro da boca? Cristo!

Fico com dor de cabeça só de pensar. Uma vez, quando Milo era bebê e eu tinha por volta dos meus 18 anos, ele se cagou inteiro. Sério, tive que limpar cocô até dos seus ouvidos! Até hoje não sei como um recém-nascido conseguiu fazer aquela quantidade de merda e ainda espalhar para o corpo todo.

Não recomendo recém-nascidos.

Também teve o dia em que eu esqueci uma planilha da faculdade em cima da mesa por UM MINUTO para pegar uma xícara de café — já que eu tinha virado a noite e não iria dormir tão cedo — e quando voltei, ele tinha rabiscado em tudo com hidrocor vermelho. Tinha feito desenhos do que ele disse ser eu e ele (não parecia nada humano) e tentado escrever eu te amo nas folhas com gráficos...

...Que eu tinha feito a mão.

Naquele dia eu chorei na frente dele. Disse que era de emoção (apesar de não ser) e desci para comprar um caderno de desenho. Depois disso, Milo nunca mais rabiscou em nada meu porque eu nunca mais deixei nada fora de vista nem por um segundo.

Me pego sorrindo com a última memória. Não era de todo ruim.

Pergunto-me se algum dia compartilharei algumas dessas histórias com Adora.

Provavelmente não.

— Por incrível que pareça, eles fazem isso o tempo todo — a loira continua e eu arregalo os olhos. Ela ri da minha reação. — São crianças, Catra. Crianças gostam de por coisas na boca, mesmo que sejam coisas estranhas. Você não deveria estar tão chocada.

Volto a andar quando percebo que estamos atrapalhando o caminho das pessoas. Adora me segue.

— Não tô chocada. — E não estou mesmo, afinal, tenho Milo. Sei melhor do que ninguém como crianças são. Principalmente uma diagnosticada com TDAH. — Eu só me preocupo com a segurança deles. Não deve ser fácil pra você. — Eu só tenho que me preocupar com um, ela com mais de 20. Todos os dias.

— É. Eles são uns pestinhas, como você já disse. — Rio. Eu meio que disse aquilo para despistar um pouco. Às vezes, quando começo a falar sobre Milo, tendo a exagerar. — Mas não me vejo mais vivendo sem eles, sabe?

Assinto. Sei muito bem.

Nós andamos confortavelmente em silêncio por algum tempo até nos depararmos com um vendedor de algodão doce — o espetáculo ainda vai demorar um pouco para começar.

— Quer um? — Adora me oferece.

Balanço a cabeça negativamente. — Não gosto muito de doces.

— Como assim você não gosta de doces?! — ela guincha, como se eu tivesse acabado de confessar que chuto pobres no meio da rua, ignorando o vendedor que olha para a gente impaciente, provavelmente se perguntando se vamos ou não comprar alguma coisa.

Faço o sinal de um para ele, dizendo sem palavras quantos vamos querer. Ficaria envergonhada agora se não comprássemos nada.

— Eu não gosto muito. — Quando Milo nasceu, percebi que a partir dali, quem precisaria dar o exemplo seria eu. Sendo assim, decidi que precisava diminuir o açúcar por um tempo e acabou que gostei mais desse estilo de vida e sigo até hoje. Em contrapartida, meu raciocínio não adiantou de nada, Milo cresceu e virou uma formiguinha. — Você também já tá bem grandinha pra ficar consumindo tanto açúcar, não acha não? Quando foi a última vez que você checou sua glicose?

Você é tudo o que eu quero (Catradora +18)Onde histórias criam vida. Descubra agora