1 - O garoto na garagem

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Após conseguir fazer com que os gêmeos durmam, desço as escadas e vou para a cozinha a fim de preparar algo para comer. Faço um sanduíche e suco de maracujá, em seguida vou para a sala e ligo a tevê. No instante em que o faço, vejo minha mãe e meu pai discursando em frente a uma multidão de Crescentes e Decrescentes sedentos por justiça.

- Garantimos a toda população de Costa Universal que poremos um fim aos ataques dos Gangsteres! - exclama minha mãe com sua voz poderosa.

A população grita como apoio.

- Há algum tempo, Judith e eu - meu pai quem fala agora - trabalhamos incessantemente, em busca de soluções para pôr fim nos ataques a Crescentes e Decrescentes. E chegamos à conclusão que a melhor defesa, é pondo um fim em todos eles - outra chuvarada de gritos e palmas em sentido positivo. - O Conselho Nacional de Proteção ao Cidadão C e D declara que a partir de hoje, qualquer Crescente e Decrescente que se impor contra as regras do Governo, será considerado Gangster e será instantaneamente abatido no ato.

E a população vai ao delírio com as palavras do Presidente da Unidade Militar de Costa Universal, o meu pai. Gritos e mais gritos, palmas e palavras de encorajamento são ecoados, depois o hino de Costa Universal começa a ser tocado e meus pais se despedem, deixando para trás Crescentes que acreditam que suas palavras irão se fazer jus. E eu também não duvido disso, pois após o Maior, meus pais são a segunda maior autoridade do país.

Mudo de canal assim que o pronunciamento acaba. Olho para o comunicador no meu pulso e vejo que já se passa da meia-noite, remexo-me desconfortável no sofá.

Ouço um barulho estridente e pulo, assustada. Observo atentamente a sala, depois olho para o topo da escada esperando ver Alexandra ou Alexander - meus irmãos - lá em cima. Subo e abro a porta do quarto, percebendo que eles continuam dormindo. No corredor, paro e entro em meu quarto e pego uma pistola sob minha cama, como precaução.

Volto a sentar no sofá. E novamente, alguns minutos depois, eu ouço outro barulho, mas dessa vez eu sei de onde vem. Dou um leve sorriso imaginando que possa ser Ônix, meu buldogue, preso outra vez na garagem.

Abro a porta da sala que dá para a garagem, mas mantenho minha mão segurando a pistola, caso eu precise usá-la, afinal, foi para isso que fui treinada pelos melhores fuzileiros do estado; para ser Atiradora.

- Onix, venha cá, amiguinho - eu chamo. - Aqui, amiguinho, aqui. - Estalo a língua e assobio, mas não obtenho nenhuma resposta.

Encosto no meu carro e sinto meus pelos se arrepiarem quando o frio do metal surte efeito. Observo a pintura vermelha reluzir e chamo Ônix mais uma vez e permaneço sem resposta.

- Cachorro idiota - resmungo.

E então, como se para zombar de mim, eu ouço:

- Au, au.

Meu corpo enrijece instintivamente e aperto a pistola entre os dedos, os nós das juntas ficando brancos. Colo as costas ao carro e dobro os joelhos a fim de me esconder de quem quer que esteja ali. Depois, ando vagarosamente até ficar ao lado do capô e, com a pistola em mãos, estico os braços sobre o carro apontando para o canto da garagem onde há um cobertor marrom lascado e sob ele, uma pessoa.

- Erga as mãos abertas bem devagar - ordeno.

Ouço um gemido misturado a uma espécie de sorriso trêmulo. Mas nenhum movimento sequer.

- Erga as mãos e se mostre - repito.

- Elas estão ocupadas - ouço-o dizer com a voz rouca e entrecortada.

- Desocupe-as.

E então com um gemido de dor e muita dificuldade, o velho cobertor é jogado para longe, revelando um cara... um cara... Meu Deus!

- Vai ficar aí só me olhando?

Eu balanço a cabeça para recobrar os sentidos. Observo o cara por alguns minutos, examinando suas mãos que estão pressionando o lado esquerdo do seu tronco, de onde sai sangue. Estreito os olhos.

- Como entrou aqui?

Ele geme novamente, os dentes cerrados com força.

- Não acha melhor dar uma ajudinha aqui?

Examino minhas opções. Ou eu o deixo morrer na minha garagem e ganho um pacote de problemas como prêmio, ou o ajudo e o expulso de casa depois que ele responder algumas perguntas minhas. Opto pela segunda.

- Ok. Primeiro me diga qual tipo de ferimento tem aí.

Aponto com o queixo em direção ao local que suas mãos grandes pressionam. E tento não olhar diretamente em seus olhos verdes.

- Fui baleado.

Mordo o lábio inferior e imagino o que o levou a ser baleado, mas o que vem em minha mente não é nada com o que eu me anime muito, então resolvo não procurar motivos para tirar o pobre moribundo à ponta pés da minha casa.

- Vou pegar a caixa de primeiros socorros. Você fica aqui sem se mexer.

- Como se eu pudesse - ele responde irônico.

Bem quando fecha sua boca, ouço a campainha tocar. Dou uma última olhadela para o garoto na garagem e faço um gesto de calma para ele.

- Talvez demore um pouco - digo antes de sair.

Sem RegrasOnde histórias criam vida. Descubra agora