- Harry? - eu chamo quando entro em casa. Não sou respondida.
A princípio fico meio preocupada ao ver que a casa está totalmente escura, então acendo um dos abajures da sala. Estanco quando vejo a casa inteira revirada.
- Harry? - eu grito.
Mas ao invés de uma resposta, uma mão surge por trás de mim e cobre minha boca. Eu me sacudo a fim de escapar, mas não consigo. Sinto a pessoa me arrastando para trás.
- Fique quieta - Harry sussurra em meu ouvido.
Eu finalmente consigo retirar sua mão da minha boca, em seguida, fico de frente para ele. Uma faixa de luz da lua atravessa o vidro da janela e bate em seu rosto. Seus olhos verdes brilham intensamente.
- O que houve aqui? - pergunto num sussurro.
- Aconteceu algo esquisito. Venha, vamos sair daqui.
Então ele segura minha mão e me leva até a garagem, fechando a porta atrás. Ao contrário do resto da casa, a garagem está iluminada pela lâmpada fluorescente no teto. Observo o espaço limpo, já que deixei o carro do lado de fora. Olho para Harry e percebo um filete de sangue escorrendo por sua testa, traçando uma linha vermelha pela bochecha e caindo em gotas.
- Sua testa está sangrando!
- Nossa, que observadora.
Não ligo para o sarcasmo em sua voz e pergunto novamente:
- O que aconteceu aqui, Harry?
Ele olha para os lados e verifica se a porta está devidamente fechada. Enquanto ele me olha, um pensamento assustador me passa pela cabeça. E se tiverem descoberto ele aqui?
- Eu estava vendo TV quando ouvi um cachorro latir. Abri a porta para espantá-lo, mas ele passou por mim como um trem e começou a grunhir para mim. Não sei como aconteceu, mas ele se acalmou e deitou próximo ao sofá, depois começou a gemer e fazer barulhos esquisitos. Quando dei por mim, não era mais um cachorro, não um cachorro normal. Ele começou a me atacar do nada.
Começo a rir de Harry que aparentar estar muito assustado.
- Então foi Ônix quem fez isso a você? Que vergonha, Sr. Styles, apanhando de um buldogue.
Harry balança a cabeça, confuso. Ele encosta-se a parede e cruza os braços, me olhando com uma carranca.
- Você não está entendendo, Lexie. Aquilo não é um cachorro.
- Sim, e é meu cachorro que sumiu desde que você chegou. E eu me sinto péssima por não ter me lembrado de procurá-lo.
Eu me viro para abrir a porta e quando toco a maçaneta, Harry segura minha mão com força. O encaro fixamente.
- Aonde você vai?
- Acalmar Ônix, não é óbvio?
Ele balança a cabeça, incrédulo. Depois me afasta da porta com certa brutalidade. Eu me esquivo e o jogo no chão da garagem, dou um sorriso e abro a porta.
Quando saio da garagem, acendo as luzes e percebo melhor a bagunça. O estofado dos sofás está rasgados em talhos, a mesa de centro está completamente destruída e há objetos jogados por todos os lados. Imagino como uma coisa dessas pode ser possível, a final, meu cão é só um cão... normal.
Procuro Ônix pelos cantos da sala e na cozinha, chamo seu nome baixinho, porém, ele não ouve. Eu começo a subir pela escada em direção aos quartos, andando calmamente porque parece que há, realmente, algo errado.
Pulo para frente quando Harry surge do nada atrás de mim.
- Espero que tenha uma pistola na cintura, porque se não tiver, estamos fodidos.
- Uau, nunca achei que fosse presenciar o Gangster líder com medo.
- Medo? Não, nem um pouco. Eu estou é apavorado! Você tem uma pistola, ou não?
Sem permissão, Harry passa a mão por minha cintura à procura de uma pistola. Quando acha, puxa do cinto e passa a minha frente no corredor. Ele olha para mim com um canto da boca erguido num sorriso sombrio. Não sei por que, mas resolvo dar passadas calmas e inaudíveis, imitando-o.
- Vamos fazer uma aposta - ele diz. - Se você estiver certa e seu buldogue for apenas um cão normal, eu saio de sua casa. Mas se eu estiver certo, passaremos a noite juntos fazendo coisas sem escrúpulos que pessoas inescrupulosas fazem em um quarto à noite.
Não consigo segurar o riso quando Harry movimenta a língua para cima e para baixa, insinuando sua falta de vergonha. Mas de súbito eu calo a boca, quando percebo um faixo de luz saindo pela porta do meu quarto, que se encontra escancarada. Harry faz um sinal com a mão para que eu fique onde estou.
- O que tem lá? - pergunto ao ouvir um barulho. Harry não responde.
Examino a perfeição de seus movimentos enquanto ele se dirige para o meu quarto. Harry anda sem fazer nenhum tipo de barulho e se move com a graciosidade de um gato, a flexibilidade de uma cobra e a rapidez de um coelho. Mas há algo que insinua certa arrogância em seus trejeitos. Ele passa para o outro lado, recostando-se a parede da porta, a pistola junto a seu peito, a respiração controlada. Enquanto isso, eu fico alguns metros para trás, com uma das mãos aberta sobre a parede oposta e não deixo de pensar que ele possa estar apenas brincando comigo.
Ele faz um sinal com a mão. Forma um V com os dedos e os direciona aos próprios olhos, depois indica a porta aberta. E então, ele gira a cabeça e dá uma olhada no quarto. O que acontece em seguida é meio desconcertante, porque não tenho tempo de analisar muito a cena.
Harry grita:
- Fodeu, fodeu!
Ele corre em minha direção indicando que eu faça o mesmo. Só que antes de dar-lhe as costas, eu consigo ver um vulto se chocar contra a parede oposta a da porta do meu quarto, como se não tivesse tido tempo de frear. O mesmo vulto recompõe-se rapidamente e segue em direção a Harry. Eu me movo de costa, meus passos pequenos. Quando vou me virar para correr, tropeço nos próprios pés e estico uma das mãos e caio escada abaixo agarrada à mão de Harry.
Rolamos pelos degraus num emaranhado de corpos até chegar ao fim da escada. Eu sinto uma pontada em minha cabeça e tiro o pé de Harry de cima da minha testa. Quando olho para o topo da escada solto um grito. A coisa pula de lá, sem cerimônia alguma. As garras armadas, os dentes afiados prestes a serem cravados em meu pescoço.
- Aaaah!
Harry se põe a minha frente, os braços esticados e a ponta da pistola liberando os raios elétricos em direção ao peito da coisa. Quando os raios de eletricidade atingem o alvo, fagulhas se espalham pelo ar em todas as direções, o corpo de Harry voa para trás, parando sobre mim. Eu vejo pelo canto do olho a coisa estatelada sobre os degraus.
Harry se levanta de cima de mim e me ajuda a ficar de pé. Ele segura meus ombros e me examina.
- Se machucou?
- Não... mas acho que vai nascer um galo na testa. O que é isso?
Eu sigo em direção a... é Ônix! Não com sua verdadeira forma física, mas sim, é meu cão. Eu o reconheço por causa das manchas marrons espalhadas sobre o pelo branco. Vejo a fumaça subir do peito tostado da coisa. Os pelos da minha espinha se eriçam com a sensação de pavor que a imagem remete a mim.
O ser possui algumas das características de Ônix, como o mesmo pelo, focinho e orelhas. Mas há algo muito diferente de tudo que já vi em minha vida. O corpo antes rechonchudo do meu cão se alongara, e as pernas dianteiras e traseiras também, dando lugar a braços humanos que possuem dedos compridos com garras afiadas. Os olhos que eram negros, agora são completamente azuis e a calda se transformou num chicote de pele despida de pelos. Os dentes ficaram amarelados e longos, quase do mesmo tamanho que os dedos.
- O que é isso? - pergunto para Harry.
- Não tenho certeza, mas acho que é um Duo.
Balanço a cabeça de forma negativa.
- Isso não é possível. É para isso que as Fronteiras foram criadas, para nos proteger deles.
Harry contrai os lábios e observa Ônix desacordado no chão. Ele se abaixa e meio hesitante, ergue o lábio superior da coisa, dando melhor visão aos dentes afiadíssimos.
- E se o Governo sabe algo que ninguém sabe?
- Como assim?
- Não sei, Lexie. Talvez eles saibam disso, mas não querem que ninguém mais saiba...
- Meu pai já teria me dito.
Harry dá um sorriso debochado, o que me irrita.
- Aposto que não, porque ele é fiel ao Maior, isso qualquer um sabe. E, sinceramente, não acho que se soubesse diria a você. Afinal, se você quer guardar um segredo, não o comente com ninguém.
- Eu tô muito confusa - digo para mim mesma. - Isso... isso não pode acontecer, Harry! Você não entende?
Harry me olha quando elevo a voz. A verdade é que estou apavorada com a possibilidade de ele estar certo e, a cada segundo que se passa isso fica mais claro. Mas ainda assim, eu preciso acreditar que meus pais não são os tiranos sem coração de quem estamos falando.
- Ah, querida - Harry fica de pé e põe a mão em meu ombro. Ele olha para mim, mesmo eu tendo direcionado olhar para meus pés. - Ambos sabemos que a Experiência que causou a Catástrofe obteve proporções muito mais elevadas do que eles dizem. Você é inteligente demais para deixar que eles a manipulem. E está óbvio que mais de 300 anos após a Catástrofe, ia haver um furo no campo de força sob qual estamos. A Experiência resultou num caos, infecções e, desculpe se estou sendo duro, mas qualquer idiota que se preze sabe que o vírus que causa a união de DNA humano ao de animais uma hora ia se espalhar. Você não acha que já progredimos muito antes disso acontecer?
Minha cabeça gira. Tudo que ele fala é verdade, mas é algo muito duro para que eu possa penetrar. Essas informações não são algo que você possa prendê-las a uma corda e pronto. Longe disso, essa verdade é mais feroz. Tão feroz quanto o fogo que incendeia meu interior quando o sinto me abraçar.
Dou um pulo para trás ao ver o Duo mover uma de suas garras.
- Ele ainda está vivo!
- Droga, a descarga da pistola não é suficiente pra matá-lo.
Voltamos nosso olhar ao mesmo tempo para a porta da frente, quando ela voa com o chute dado por meu pai e um batalhão a suas costas.
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Sem Regras
FanfictionMeu nome é Lexie Allen. Tenho 18 anos e vivo sozinha numa casa afastada da de meus pais e meus irmãos gêmeos, no sul da Costa Universal. Há duas colônias; Crescente e Decrescente Eu sou uma Crescente. Há um garoto. Ele é Gangster; sem regras. Não o...