Capítulo 35

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Lauren pov’s


 
Eu não queria deixá-lo, mas não poderia negligenciar o meu trabalho, afinal de contas eu já havia faltado na segunda sem quaisquer justificativas. Olhei mais uma vez para Cameron, que dormia profundamente na cama dele. Suspirei. Eu parecia uma mãe de primeira viajem quando, após passar alguns meses dedicando-se exclusivamente ao bebê, tinha que voltar ao trabalho e deixá-lo aos cuidados de outra pessoa. Aproximei-me da cama, sentando na beirada e ficando próxima a ele. Segurei a barra do edredom e o puxei para cobri-lo melhor. Eu afaguei gentilmente seus cabelos acobreados, desejando que a minha carícia chegasse ao mundo de sonhos onde ele estava agora para acalentá-lo nesse momento de dor. Por fim levantei, sabendo que não poderia protelar mais.
 
Foi estranho voltar ao meu quarto, ainda que para tomar um simples banho. Foi estranho abrir o meu closet, pegando peças de roupa dadas por Sofia que eu deixara no apartamento de Cameron após a nossa separação. Aqueles simples atos que eu costumava fazer quando tudo estava bem mais pareciam lembranças embaçadas de dias felizes que nunca voltariam. Era doloroso pensar que tudo estava mudando rápido demais e as coisas que ocorriam durante a mudança não eram nada boas. Isso fazia com que eu sentisse um medo estranho, de que ficasse ainda pior.
–Bom dia Lauren. –Um coro de vozes femininas me recepcionou ao passar pela cozinha. Ergui os olhos, que antes fitavam o chão, e encontrei Magdalena e Eli. Por alguns instantes, enquanto eu era calorosamente recebida, senti como se estivesse no passado. E então a realidade voltou rapidamente, desfazendo as lembranças. Isso por que eu pude ver pelas expressões faciais das duas que elas já sabiam.
 
–Bom dia meninas. –Respondi sem muito entusiasmo.
 
–Soubemos o que aconteceu... –Começou Magdalena. –Fomos inclusive ao enterro. Queríamos ter comparecido a missa na igreja, mas os seguranças deixaram poucas pessoas entrarem, cujos nomes haviam sido colocados em uma lista.
 
–Mas não encontramos o senhor Cabello para darmos as condolências. –Completou Eli, postada ao lado da mãe. As duas pareciam tristes, apesar do escasso contato que tiveram com Sofia. Tristes e preocupadas com Cameron, tal como eu estava.
 
–Ele estava cercado por pessoas e depois, quando conseguiu algum espaço, foi embora. Até eu tive dificuldades para falar com ele.
 
–E o senhor Cabello deve estar descansando agora, eu suponho.
 
–Sim Eli. Cameron está dormindo e eu gostaria que o deixassem descansar por mais algum tempo. Após duas horas, mais ou menos, levem café da manhã para ele. E... Bem... Talvez seja melhor fingirem que nada sabem a respeito das mortes de Sofia e Taylor. –Talvez evitar o assunto fosse bom para ele, mas eu acreditava sinceramente que eu estava me iludindo ao pensar dessa forma.
 
–Nós entendemos. –Disse Magdalena, colocando uma mão no ombro da filha.
 
–Eu preciso ir trabalhar. À noite virei dar uma olhada nele. Se algo acontecer, liguem-me. Vocês ainda têm o meu contato, não é? –As mulheres assentiram. –Foi bom revê-las. –E era mesmo bem ver dois rostos familiares e queridos em meio aquele caos.
 
–Nós também ficamos felizes em revê-la e por saber que você pretende ficar por perto. Não será nada fácil para o senhor Cabello e eu acredito que a única pessoa que de fato pode ajudá-lo é você. –Os olhos de Magdalena, com aquele estranho brilho maternal, deixaram-me embasbacada. Eu senti, naquele momento, a pressão da situação. Somente eu poderia ajudá-lo... Somente eu.
 
Eu continuei com aquele pensamento durante todo o trajeto até a empresa, esquecendo-me, inclusive, de tomar o meu café. Passei na sala do meu chefe, explicando o que havia acontecido. Felizmente ele pareceu acreditar e acho que minhas olheiras pela noite insone contribuíram para a credibilidade de minhas palavras.
 
Ao chegar a minha mesa, Dinah já estava lá. Pela expressão aborrecida no seu rosto e os olhos fixos em mim, ela sabia das mortes dos meus ex-cunhados. Enquanto eu sentava em minha cadeira, murmurando um bom dia, ela disse:
 
–Eu soube pela imprensa. Você deve estar meio deprimida, não é? Apesar de ela tê-la sacaneado legal, a Sofia tinha um gosto ótimo para roupas e deu todos aqueles presentes para você no passado e... –E o discurso materialista de Dinah, que costumava causar bom humor em mim no passado, foi demais.
 
–Quer calar a boca? Não quero ficar ouvindo merdas como essa! Eu estou deprimida, mas é por que eu gostava deles dois e não por que Sofia me dava bons presentes. Quem você pensa que eu sou? Acha que eu sou superficial como você? –Minha voz estava mais alta do que o normal, minhas mãos tremiam e eu olhava com fúria para Dinah. Ela ficou assustada com minha explosão e murmurou um “desculpe-me” fraco demais. Virei meu acento e fiquei de frente para o computador, ignorando ela por vários minutos, querendo estar em qualquer outro lugar, menos naquele espaço dividido com Dinah. E Dinah, inflada pelo seu orgulho, embora tenha me pedido desculpas, ignorou-me. Dane-se, pensei. Eu fui rude, mas ela foi ainda mais absurda com o seu comentário. Trabalhei por vários minutos sem pestanejar, a fim de evitar encará-la e também para pensar em outra coisa que não fosse Cameron e sua família morta.
 
Impossível.
 
As cenas dos dias felizes com Sofia e Taylor vinham me atormentar. O sorriso genuíno de Sofia, as palavras sábias que Taylor volta e meia dizia para mim... Deus, eu não teria mais nada disso! E se para mim estava sendo tão ruim, para Cameron devia estar sendo o inferno na Terra. E fiquei preocupada com ele. Cameron teria tomado café? Alguém estaria substituindo ele na empresa? Ele estaria melhor? Sairia de casa? O que ele estava fazendo agora?
 
Após o divórcio, eu havia decidido me afastar de minha antiga vida e de todos, ou quase todos, que faziam parte dela. Esta resolução, porém, não era mais aceitável. O que eu faria agora? Cameron tinha Aro para cuidar da empresa e Magdalena e Eli para cuidarem do apartamento, mas quem cuidaria dele? Quem o consolaria nesse momento difícil? Quem cuidaria para que ele não perdesse o seu brilho natural? Quem recuperaria seu sorriso e o seu bom humor? Eu não me via capaz de tais coisas, não era forte o suficiente. Só Deus sabe que ainda sofro com a perda dos meus pais e nunca sorri como antes. E o mesmo provavelmente aconteceria com Cameron. Eu não iria mudar isso, mas poderia tentar, não poderia? Talvez, em minha tentativa, eu pudesse dar um pouco de felicidade a ele.
 
Não foi fácil me concentrar no trabalho, mas consegui com algum esforço. Pretendia trabalhar um pouco a mais do horário como forma de compensar minha falta. Após o expediente, eu passaria no apartamento de Cameron... Talvez dormisse lá...
 
Meu celular toca. Como o barulho não era o de uma chamada eu ignorei.
 
...
 
–Vocês brigaram? –Ben perguntou ao ver que Dinah estava sentada em outra mesa, fingindo falar com alguém ao celular. Ela saiu antes de mim e sentara em uma mesa afastada. Eu poderia ter sentado ao lado dela e puxado assunto, acabando aquela briga, mas não estava com vontade.
 
–Algo assim. Hoje estou mal humorada demais para tolerar os comentários idiotas da Dinah. –Dei uma garfada na minha macarronada.
 
–Ah, Charlie estava procurando por você essa manhã. Ele chegou de uma viagem de negócios ontem à noite. –Troy falava despreocupadamente. Ele não sabia, claro, da confusão que era a minha vida com Charlie, Cameron e tantos outros envolvidos.
 
–Hmmm... Eu ainda não o vi. Estive muito ocupada. Se você falar com ele... Diga que ele pode vir a mim quando quiser. –Murmurei, sem saber o que dizer. Eu precisava pedir desculpas a Charlie pelo ocorrido. Nada mais. Eu não queria me envolver mais com ele, não queria que Charlie sofresse pelos meus problemas. Ele merecia paz e eu daria isso a ele. Cameron merecia consolo e eu também daria isso a ele. E eu... Bem... Eu não me importava comigo, sinceramente.
 
Meu celular toca e sei que dessa vez não é aquele estranho barulhinho que anuncia a chegada de alguma mensagem de texto ou de voz.
 
–Eu preciso atender. –Digo a Troy, levantando da cadeira e pegando o meu celular dentro da bolsa. Afasto-me um pouco da mesa onde a pouco almoçava e aperto no botão para receber a ligação. –Alô?
 
–Lauren, sou eu a Magdalena.
 
Magdalena? Por que ela estava me ligando? Não, será que...
 
–O que houve? –Perguntei com a voz trêmula.
 
–É o Cameron. Você precisa vir para cá. –A voz de Magdalena era urgente e logo entendi: algo muito ruim tinha acontecido para ela me ligar. Eu não perguntei o que havia acontecido, eu não precisava.
 
–Eu já estou indo. –Disse e desliguei pouco depois. Não expliquei nada a Troy ou a Dinah, que olhou confusa para mim quando passei correndo por ela.
 
Tudo estava fora de foco. Tudo estava abaixo, por que Cameron era a minha prioridade agora.
 
...
 
Elas estavam conversando com Erick, o porteiro do prédio onde Cameron morava. Entrei ofegante no local, olhando para todos os lados.
 
–Onde ele está? O que aconteceu? –Além do cansaço físico pela corrida, eu estava à beira de um colapso de tão nervosa. Olhei para todos os lados, mas Cameron não estava presente.
 
–Acalme-se Lauren. –Magdalena pediu. –Ele não está ferido nem nada disso.
 
–Então o que houve? –Meu corpo inteiro tremia. Eu temia que elas dissessem algo como “Cameron fez uma besteira consigo mesmo”. Eli parecia incomodada em falar então deixou a tarefa novamente para a mãe.
 
–Ele nos expulsou do apartamento. –Magdalena disse firme. Com essa eu tive que engasgar de surpresa. Por que diabos Cameron faria algo assim? Antes que eu pudesse perguntar por mais esclarecimentos, Magdalena prosseguiu. –Quando o encontramos, ele estava bebendo. Nós tentamos impedi-lo e fazer com que ele se alimentasse, mas Cameron não aceitou. Ficou aborrecido com a nossa intervenção e nos expulsou. Não pretendíamos sair, mas ele ameaçou ligar para a polícia.
 
–Ele...? Não acredito nisso... –Eu não podia acreditar que Cameron tivera uma atitude tão extremada com pessoas tão legais quando Magdalena e a filha. Agora eu entendia o desconforto das duas, sentindo certa humilhação pelo comportamento agressivo dele.
 
–O senhor Cabello não está bem. Não poderemos ajudá-lo. –Eli disse timidamente.
 
–Vá Lauren. Tente ajudá-lo. –Magdalena ordenou. Eu assenti e fui em direção ao elevador. Procurei a cópia da minha chave, que me esquecera de devolver a ele desde nossa separação e que havia encontrado um dia antes de assinar os papéis do divórcio. Pretendia devolve-la através do meu advogado, mas agora...
 
Não gostei nada do silencio naquele apartamento. Liguei os interruptores, olhando envolta. Tudo estava limpo e arrumado, como Magdalena e Eli haviam deixado, mas algo não estava bem.
 
–Cameron? –A sala estava vazia e falei mais alto. –Cameron? –Ninguém respondia ao meu chamado e isto fez o meu desespero aumentar exponencialmente.
 
Eu o procurei em boa parte dos cômodos, deixando estrategicamente o quarto dele por último. Ao entrar naquele aposento, eu ouvi um barulho vindo do banheiro. Corri para lá a toda, tropeçando em meus próprios pés. Eu o vi sentado no chão, com a cabeça encostada no vaso sanitário. Cameron vomitava muito e uma garrafa de bebida alcoólica estava ao seu lado, vazia. Olhando aquela cena deprimente, contive nos lábios para perguntar “O que você tem?”. Aquela altura eu sabia o porquê de ele estar passando mal. Suspirando audivelmente, voltei ao quarto, deixando minha bolsa e o meu casaco em cima de uma poltrona preta. Retornei ao banheiro, pegando a garrafa de Vodka e jogando o conteúdo que sobrara na pia, colocando a garrafa na lixeira logo depois. Ajoelhei-me ao lado dele, passando uma mão em seus cabelos acobreados em desalinho e ganhando sua atenção. Ele estava pálido e suava frio. Seus olhos cor de ocre me fitavam meio fora de foco enquanto sua cabeça estava deitada na beirada do vaso sanitário. Cameron respirava aos arquejos, provavelmente estava a algum tempinho vomitando. Pelo menos, pensei, boa parte da Vodka saiu do seu organismo.
 
–Hei... Eu vim assim que Magdalena e Eli me avisaram. Você ainda está com vontade de vomitar? –Perguntei, querendo apenas instigá-lo a falar. Ele assentiu fracamente. –Eu vou buscar água e algo doce para você comer. –Minhas mãos continuaram a acariciar timidamente seus cabelos. Por fim eu levantei, deixando-o sozinho por alguns minutos enquanto rumava para a cozinha. Peguei um grande copo de água, um remédio em gotas contra enjôo (que coloquei prontamente dentro do copo de água) e um copo de suco de laranja.
 
Cameron continuava na mesma posição quando retornei, mas pelo menos sua respiração estava mais normal.
 
–Tome. –Eu me ajoelhei novamente, passando o copo de água para ele. Cameron estava tão debilitado que nem conseguia segurar o copo, então eu o segurei para ele, fazendo-o beber todo o seu conteúdo. Em seguida foi o copo de suco de laranja, algo doce e ao mesmo tempo liquido. Fiquei satisfeita por ele beber o conteúdo do que eu trouxera sem pestanejar.
 
Olhei atentamente para ele, constatando que ainda não havia tomado banho, estando ele com o mesmo pijama de ontem. Evitei olhá-lo por mais tempo, pois aquela imagem era decadente demais. O Cameron de agora contrastava terrivelmente com o Cameron que eu conheci, pois toda a beleza, vigor, alegria e tantos outros adjetivos destinados a ele antes pareciam estar se esvaindo. A estrela dele estava se apagando a cada hora, graças ao incidente com a irmã e o cunhado. Tal fato era apavorante para mim e temi que eu não conseguisse fazer muito por ele.
 
Como tirar um homem do fundo do poço se foi ele que se jogou lá e lá quer permanecer?
 
–Você precisa de um banho. Venha, eu vou ajudá-lo. –Tentei retirar sua camisa, mas Cameron se afastou minimamente.
 
–Eu quero deitar... –Murmurou. Seu hálito tinha um cheiro forte de bebida e pelo modo enrolado como falava ele ainda estava sob o efeito do álcool.
 
–Vai poder fazer isso depois de um banho e ingerir um pouco de comida. Venha. –Retirei sua camisa rapidamente. Em seguida eu o ajudei a ficar ereto, guiando-o até o Box de vidro. Liguei o chuveiro, ignorando minhas roupas que certamente ficariam molhadas. Cameron parecia ter grande dificuldade de ficar de pé, por isso eu decidi ajudá-lo no banho.
 
Eu já havia sido sua esposa e conhecia cada parte do seu corpo então era bobagem me sentir tímida em despi-lo. E eu o fiz, retirando todas as roupas que o cobriam sem fixar meus olhos em algum ponto. Deixei a roupa pendurada em qualquer canto, ajudando-o com o sabonete liquido. Sentir a pele dele em contato com as minhas mãos, ainda mais quando me aproximei da genitália, foi o frenesi. Eu me senti quente e imagens e nós dois fazendo amor assaltaram a minha mente. Tentei reprimir todos aqueles pensamentos, afinal não era o momento para tê-los. Claro que não ajudou em nada os tímidos gemidos que Cameron produzia, assim como sua latente ereção. Desnorteada com a situação, eu me afastei assim que terminei de ensaboá-lo.
 
–Eu preciso fazer algo para você comer. Pode terminar o banho sozinho? –Minhas palavras saiam apressadas e por duas vezes eu gaguejei, mas não acredito que Cameron tenha percebido meu nervosismo, alto demais das idéias como estava. Fui primeiramente até o seu closet, separando um pijama de seda verde musgo e deixando-o sobre a cama.
 
Magdalena havia deitado tudo pronto para o almoço antes de ser expulsa do apartamento junto com a filha, sendo assim eu só precisei escolher alguma coisa e esquentar com o auxilio do microondas. O interfone toca e corro para atendê-lo. O porteiro, a pedido de Eli, ligou para saber como Cameron estava. Relatei como eu o encontrei e que cuidaria dele, dizendo para elas não se preocuparem em perder seus empregos. Cameron estava atarantado demais para pensar com coerência, mas eu colocaria algum juízo em sua cabeça logo e assim as duas poderiam voltar a trabalhar. Elas foram embora depois disso, aliviadas pela minha promessa de cuidar dele e conversar a respeito do que ele fizera com as duas.
 
Eu confesso ter protelado um pouco na cozinha, beliscando a comida preparada pelas meninas e demorando ao arrumar em uma mesinha de café da manhã o almoço do Cameron. Estava envergonhada pelo que acontecera no banheiro. No final, criei coragem e voltei ao quarto, encontrando Cameron enxuto dentro do pijama escolhido por mim. Sua aparência estava um pouquinho melhor, mas ele ainda parecia fraco por praticamente não comer nada.
 
–Trouxe sua comida. –Eu me aproximei com a bandeja, caminhando em direção a cama onde ele estava sentado. Só então notei, enquanto me aproximava, que Cameron estava com os olhos inchados e lágrimas caiam deles. A cena me chocou. E eu estupidamente me perguntava se o homem forte que conheci também havia morrido junto com Sofia e Taylor.
 
Larguei a bandeja em cima de uma pequena mesa, próxima a porta, e fui ao seu encontro. Eu o envolvi em meus braços, apertando-o contra mim. Ah, como eu queria extrair todas as dores que o atormentavam! Eu tinha experiência de vida o suficiente para suportar e seguir em frente, diferente Cameron. Eu poderia lidar com a situação melhor do que ele.
 
Cameron correspondeu timidamente ao meu abraço, chorando copiosamente. Fiz um gostoso cafuné em seus cabelos enquanto tentava controlar o desespero que grasnava em mim. O que eu faria para ajudá-lo? Como eu faria para ele melhorar?
 
–Cameron... Você precisa comer. –Pedi, com a voz tremula.
 
–Não quero... –Murmurou em meu pescoço. Seus braços se estreitaram mais envolta do meu corpo. Sua negação em se alimentar mais a ingestão de bebidas alcoólicas era algo preocupante. Eu não estava gostando nada do caminho destrutivo que Cameron estava traçando para si. Poderia ser uma visão pessimista demais, os seus familiares haviam morrido há poucos dias. Mesmo assim eu não pude deixar de me preocupar com as atitudes dele, temendo que seu comportamento agravasse sua saúde.
 
–Cameron, eu preciso da sua ajuda. Por favor, não se entregue desse jeito. Entendo sua depressão, mas você não pode permitir que isso afete você desse jeito. –Minhas palavras eram um pedido desesperado para ele reagir. Eu esperava sinceramente que Cameron me ouvisse. No entanto eu sabia que a probabilidade de ele me ouvir era pequena.
 
Por vários minutos eu mantive Cameron em meus braços, mesmo após o choro cessar. Acariciei seus cabelos de novo, e de novo, enquanto tentava pescar as soluções daquele problema que me escapavam.
 
Não saberia dizer se ele ouviu meus conselhos, ou se a fome estava causando um grande desconforto. Cameron sentou-se na cama, om o meu auxilio, e prontamente coloquei a bandeja diante dele. Ele comeu vagarosamente, mas pareceu apreciar o prato ofertado. Vê-lo comendo alguma coisa foi um alivio e rezei para que esse esforço continuasse por muito tempo. Teria permanecido naquele aposento, observando Cameron comer e recuperar gradativamente as forças, se o meu celular não tivesse tocado.
 
–Continue comendo. –Pedi, pegando o celular na bolsa e indo ao corredor para atendê-lo. Quando vi de onde era a ligação, previ chumbo grosso. –Alô?
 
–Onde a senhorita está? Por que deixo o seu posto sem me comunicar? –Era meu chefe e, apesar da voz calma, eu sabia que ele estava com raiva.
 
–Tive uma emergência. Senhor eu precisei sair.
 
–E por um acaso essa emergência é com o seu ex-marido? –Ele perguntou e eu prontamente respondi com um sim. –Não poderia deixar outra pessoa resolver isso?
 
–Senhor, o Cameron tem somente a mim. Eu precisei...
 
–Sem mais desculpas! Não tolerarei desvios de conduta por parte de meus subordinados! Volte AGORA para a empresa! –Eu entendia a revolta do meu chefe, mas o fato de entendê-la não faria com que eu abandonasse Cameron. Ele precisava de mim e eu permanecerei ao seu lado pelo tempo que for preciso. O problema era convencer meu superior.
 
–Senhor, não há mais ninguém que possa ajuda-lo. Eu temo deixa-lo sozinho e meu marido... –Droga! Eu realmente disse marido? -... Não está bem. –Completei, sem me dar ao trabalho de me corrigir.
 
–Isso não me interessa! –Grasnou o homem do outro lado da linha. –Venha já para cá!
 
Tudo bem, eu sempre fui uma funcionária exemplar até mesmo quando trabalhava meio período em uma livraria na minha época de faculdade. Eu era desapegada demais dos meus direitos, doando-me por completo aos meus deveres e por vezes sendo explorada por meus empregadores. Agora eu queria algo, queria um retorno pelo meu árduo trabalho.
 
–Senhor, eu peço para que adiante minhas férias. Caso não seja possível tal coisa então adiante minhas férias sem remuneração. Assino em qualquer documento alegando abrir mão do meu salário desse mês. Por favor, ajude-me! Preciso de uns dias! –Implorei, apelando para o bom senso, para a humanidade daquele homem.
 
–Venha para cá AGORA ou eu irei demiti-la. –A ameaça veio até mim com a força de um soco! Eu não achei que encontraria tanta dificuldade. Após o meu chefe aceitar os meus pedidos de desculpas por ter faltado, eu não achei que ele seria tão severo. E eu vi, mais claramente do que em qualquer outro dia, dois caminhos a seguir. Um implicava em ter a vida afastada de Cameron, e de bônus contemplar sua destruição; o outro era fazer o que eu sempre fiz em toda a minha vida: ser altruísta. Não precisei pensar.
 
–Prepare a documentação junto ao RH e envie para mim por e-mail. Eu a assinarei e enviarei a sua sala por fax.
 
–O que é isso senhorita Jauregui?! –O homem estava quase tendo uma sincope do outro lado da linha, eu pude perceber.
 
–Eu estou pedindo demissão. –Desliguei o celular, suspirando alto. Pronto, eu estava oficialmente fodida! Sem emprego, tendo que cuidar de um homem depressivo. Mas pelo menos, no dia do juízo final, Deus não poderia me acusar de ter virado as costas para quem precisava. E Sofia, aonde quer que esteja com Taylor, não viria puxar o meu pé à noite.
 
“Não pare para pensar em sua decisão!” –Minha mente ordenou e acatei sua ordem sem titubear. Voltei ao quarto, feliz ao ver que Cameron comera tudo e que agora estava de pé, escovando os dentes. Peguei a bandeja e a levei para a cozinha, colocando a louça no lava-pratos e voltando ao quarto. Ele havia se deitado e fitava o teto, ausente.
 
–Não vai voltar ao trabalho? –Perguntou com aparente descaso.
 
–Quer que eu saia? –Sentei na cama.
 
–Não foi isso o que eu disse. Perguntei se voltará ao trabalho. –Limitou-se a olhar para mim de esguelha. Não o olhei, sabendo que ele poderia detectar uma mentira caso eu a pronunciasse.
 
–Consegui adiantar minhas férias. –Menti. –Quero me certificar de que você se cuidará e para isso precisarei olhar de perto.
 
Não sei bem que sentimento me dominou naquele momento, sabendo que precisaria ficar ao lado de Cameron – um misto de euforia e medo impressionantes. Cameron não falou nada, mas eu poderia sentir que me olhava, especulativo.
 
–Vai até o seu apartamento pegar alguma coisa sua? –Embora as perguntas fossem casuais, eu podia sentir algo mais por detrás do comportamento calmo dele. Procurei ignorar isso, assim como estava ignorando a estranha descarga elétrica que senti pelo corpo quando ele se sentou na cama e seu braço roçou o meu.
 
–Sim. Gostaria de ir agora. Você se comportaria se eu o deixasse sozinho? –Cameron assentiu, deixando-me mais tranqüila. A melancolia, afinal, parecia estar deixando ele mais cedo do que eu imaginara ser possível. Mas quando eu me levantei e vesti o meu casaco, ele pegou o meu braço, apertando-o.
 
–Vai mesmo voltar? –Seus olhos mostravam um desespero sem igual. Como se eu estivesse prestes a sair e nunca mais voltar.
 
–Hei, será rápido. Eu nem vou levar a minha bolsa! –Prometi, caminhando até a porta sem virar as costas para ele. Os olhos de Cameron e sua postura tensa, no entanto, me manteram ali. Ele parecia estar prestes a ter um ataque do coração! Voltei para o seu lado rapidamente, sentando em frente a ele. Coloquei minha mão em seu rosto, acariciando-o.
 
–Não fique assim! Olha, têm umas coisas minhas aqui então eu posso usá-las perfeitamente! Você deve estar precisando de um pouco mais de repouso. Descanse. Eu apenas tomarei um banho no outro quarto e vestirei algo mais confortável.
 
E só depois de prometer isso eu vi Cameron relaxar. Mesmo assim, enquanto eu estava no banheiro do meu quarto, pude ouvir passos do outro lado da porta e tive a certeza de que ele estava ali para garantir que eu cumprisse minha promessa de permanecer ao seu lado. Dizer que sua atitude inflou o meu ego seria leviandade, tampouco o sentimento de pena me atingiu como costumava acontecer. Eu me sentia destroçada pelo que Cameron estava se tornando, tão diferente do homem por quem eu me apaixonei! E ainda sim, aquela nova faceta fazia meu coração bater erraticamente. Seria simplesmente a pena que me fazia sentir isso ou...
 
A vestimenta escolhida para usar não foi das melhores. Não havia roupas casuais no meu closet, por isso acabei vestindo um vestido estampado colado ao corpo, meio social. Não me preocupei muito em ficar com uma boa aparência, afinal de contas eu não estava ali para ser um espelho de beleza e assim chamar a atenção dele. Sai do quarto minutos depois, indo diretamente ao quarto de Cameron, mas ele não estava lá. Procurando pelos cômodos, eu o encontrei em uma pequena adega que ficava próxima a cozinha. Ele olhava distraidamente para uma garrafa em sua mão. Eu não precisei ler o que estava escrito no rótulo para saber que aquilo era bebida alcoólica.
 
Cameron não notara minha presença, absorvo demais com algum pensamento. Quando fez menção de abrir a garrafa, eu me manifestei. Rapidamente me pus ao seu lado, segurando sua mão.
 
–Não! Isso não vai resolver seus problemas! –Praticamente gritei, implorando com o olhar para que ele abandonasse a idéia. Os olhos cor de ocre pareciam estranhamente nublados tal qual o dono deles.
 
–Não resolve, mas me ajuda a esquecer... E isso é ótimo. –Deu um meio sorriso que só aparecia em seus lábios.
 
–Existem outras formas Cameron, formas menos destrutivas. Vamos encontrar um jeito, mas não através da bebida. –Com os olhos fixos na garrafa, ele parecia não me ouvir. Agarrei seu queixo, forçando-me a me olhar.
 
–Por que está fazendo isso por mim? Você me odeia.
 
–O que? Não! Claro que não o odeio! Acha que se eu o odiasse eu estaria...
 
–Aqui comigo? Claro que estaria. Você sempre foi humana demais, passional demais. A pena que sente por mim seria um combustível e tanto para suas ações. –Sua voz e sua expressão facial estavam horrivelmente tingidas de sarcasmo. Não me deixei afetar, porém, pelas suas ações. Eu queria rebater seus argumentos, mas Cameron me conhecia bem demais e, acaso eu mentisse, ele enxergaria com absoluta clareza a mentira. Tratei de mudar de assunto a fim de não me complicar com aquela conversa.
 
–Você está a muito tempo preso aqui no apartamento. Que tal sairmos? –Sugeri, recendo um olhar desaprovador dele pela mudança abrupta de assunto. Com um profundo suspiro, Cameron deixou a garrafa de lado, saindo da pequena adega.
 
–Vá se quiser. Não quero sair. –Caminhou até o seu quarto e fechou ruidosamente a porta.
 
...
 
Nada conseguia me distrair, nem a televisão, nem ouvir música... Nada. Cameron passou o restante do dia no quarto. Eu levava esporadicamente alguma coisa saudável para ele comer e felizmente não encontrei resistência para a sua alimentação. Cameron sequer precisou de alguém para incentivá-lo a se higienizar.
 
Não falamos muito, ou melhor, cheguei a puxar papo com Cameron, mas ele parecia querer me ignorar. Não me deixei ser abalada pelo seu comportamento. A despeito da nossa conversa no inicio da tarde, era natural ele agir daquela forma, aborrecido por eu não responder ao seu questionamento. Mas como eu poderia responder algo se eu nem sabia a resposta? Eu não o odiava, disso eu tinha certeza, mas o que eu sentia naquele momento? Certamente Cameron ficaria mais irritado em saber que eu sentir pena dele. Provavelmente ele preferiria o ódio, por causa do seu orgulho. E eu não sabia o que era e sequer desejava descobrir. As coisas já estavam muito loucas por si só para que uma nova incógnita perturbadora surgisse e nos deixasse confusos.
 
No finalzinho da noite, após me certificar que Cameron comera o que eu preparei, ainda que pouco, fui para o meu quarto dormir. A novidade de que eu havia pedido demissão caiu como uma bomba, mas não me dignei a me importar. Eu tinha capacidade para encontrar um bom emprego a qualquer hora, não me preocuparia com isso agora. À medida que as preocupações foram sendo empurradas por mim para algum lugar no fundo da minha mente, fui ficando sonolenta. Meus olhos já estavam fechados e o meu corpo estava estranhamente relaxado quando ouvi o barulho da porta do meu quarto sendo aberta. Quando abri meus olhos, Cameron sentava sentado na cama, de costas para mim. Os barulhos que eu produzi enquanto me sentava certamente foram captados por ele, ainda que eu tenha feito o possível para não alarmá-lo. Ainda sem olhar para mim, Cameron disse:
 
–Posso ficar aqui essa noite? –Sua voz era apenas um sussurro na penumbra do quarto.
 
–Sim. –Disse sem hesitar. Tão Logo Cameron deitou-se de lado, de frente para mim. Eu o embrulhei com o coberto e deitei bem próxima a ele, de lado, ficando cara a cara com Cameron. Ele se aconchegou em mim, permitindo-me envolve-lo com um braço e mante-lo nos meus braços. Abraçou-me fortemente, enterrando seu rosto em meu peito, não querendo que eu visse o seu rosto, provavelmente.
 
–Você é muito boa para comigo. Eu fiz tantas atrocidades com você, coisas que fizeram você me odiar e ainda sim...
 
–Esqueça isso. Esqueça tudo isso. –Pedi, usando o braço que o envolvia para acariciar seus cabelos.
 
–Eu perdi você. Deus, se eu não tivesse metido os pés pelas mãos...! –Sua voz estava falhando e detectei o inicio de choro. Afaguei mais rapidamente seus cabelos, na tentativa vá de consolá-lo.
 
–Shhhh... Durma. Não vamos mais falar sobre isso. Sobre nada. –E Cameron afastou-se minimamente, olhando-me nos olhos. Estávamos com os rostos tão próximos que eu poderia sentir seu hálito quente nos meus lábios.
 
Eu não fiz nada por que, sinceramente, eu não queria impedi-lo. Cameron se aproximou e roçou sua boca com a minha, beijando-me suavemente. Um selinho mais longo do que o normal, capaz de causar uma série de sensações em todo o meu corpo. Afastou-se, voltando a enterrar seu rosto em meu peito, abaixo do meu queixo. Dormiu mais rápido do que julguei ele ser capaz. Eu continuei horas a fio, acariciando seus cabelos, sem saber o que eu faria.
 
O que eu sentia pelo Cameron agora? Tudo o que eu fazia era motivado pela pena? E se não fosse, o que eu faria?
 
Em algum momento daquela noite eu adormeci.
 
...
 
O Sol estava alto, de alguma forma eu sabia. Olhei desorientada para o quarto iluminado, fechando um pouco meus olhos para a claridade que incomodava. Com uma mão eu tateei o espaço ao meu lado sem, porém, encontrar algo.
 
–Cameron? –Eu o chamei. Ele havia acordado e saído do quarto. O fato de não encontrá-lo fez com que eu levantasse de átimo, vestindo um hobby e seguindo para fora do aposento. Não precisei me mover muito, pois eu o encontrei em seu quarto. Ele estava sentado em uma poltrona preta, de frente para a grande janela do seu quarto. Uma garrafa de vinho estava ao lado dele, no chão, pela metade.
 
–Merda! Cameron! –Dei passos longos, ficando de frente para ele. –Não acredito que você andou bebendo depois...! –E eu me calei ao ver a expressão no seu rosto.
 
Lembro-me quando comecei a ser maltratada por Cameron. Após nosso casamento, no dia seguinte, ele me tratava com uma rudeza insuportável. Ainda sim, eu não sei, havia algo nos seus olhos que fazia com que tudo parecesse uma farsa. E agora, olhando para aqueles olhos que emitiam uma raiva quase homicida, eu sabia que naquele momento o ódio que ele sentia por mim era verdadeiro.
 
–Pegue suas coisas e saia daqui. –Sua voz era baixa, mas potente o suficiente para que eu ouvisse.
 
–Cameron, o que você...?
 
–SAIA DAQUI! –Gritou, levantando da poltrona e seguindo trôpego até outra poltrona. Pegou minha bolsa que eu se esquecera de pegar de lá e a jogou no chão. Peguei a bolsa, olhando para ele, atordoada. Cameron respirava aos arquejos, descontrolado.
 
–Cameron, vamos conversar. –Pedi, querendo entender o que estava acontecendo. Ele me ignorou.
 
–Vá até o quarto e vista suas roupas. Quero que saia daqui o quanto antes ou eu chamo a policia!
 
–PARE COM ISSO! O QUE DEU EM VOCE? –Gritei, largando minha bolsa no chão e encarando-o. Ele abaixou-se, pegando a bolsa, e em seguida me segurou pelo braço, arrastando-me para a sala. Tentei lutar contra ele enquanto protestava, mas foi em vão. Abriu a porta, empurrando-me para fora, fechando em seguida. Atordoada, fiquei prostrada no chão, sem saber o que fazer. O que aconteceu afinal para Cameron me tratar dessa forma? O que eu fiz de errado? Eu cuidei dele desde que soube da morte de Sofia e seu marido, apenas isso!
 
A porta novamente abriu e algumas peças de roupa foram jogadas sobre mim. Reconheci as roupas que usei no velório, a muito esquecidas enquanto usava as roupas dadas por Sofia.
 
Cameron me lançou um olhar furioso novamente.
 
–Não volte mais aqui. Esqueça-me! –Falou e fechou a porta na minha cara.
 
Sentindo-me humilhada e confusa, levantei do chão, pegando minhas coisas. Entrei em uma pequena sala onde o zelador daquele andar guardava o material de limpeza, trocando minha camisola pelas minhas roupas e guardando a peça dentro da bolsa. Um choro irracional me tomou e fiz a única coisa que conseguiria: ir embora.
 
Eu deveria seguir para o meu apartamento, mas não o fiz. Senti uma estranha necessidade de ir até alguém, falar com alguém. Peguei um taxi, esquecendo-me de ir a minha casa e ajeitar a minha aparência que não devia ser a melhor. Sem pensar, eu sigo para a empresa Cabello, aquela que jurei não por os pés. Eu precisava de alguém, um amigo para conversar. Dinah estava perdida para mim, assim como Charlie. Nunca fui muito próxima de Troy ou Norman. E Sofia estava morta. Eu não tinha muitas pessoas na minha vida e isso era triste. Espere! Ainda restava uma pessoa, claro que restava!
 
–Ally! –Eu chamei quando a vi em sua pequena sala, ocupada, lendo um memorando. Felizmente eu consegui, usando meu antigo crachá ainda na minha carteira, entrar sem problemas. Driblei aos funcionários, não querendo me comunicar com ninguém. Segui para a sala dela e eu a encontrei. E agora eu estava diante dela, com o rosto envolto em lágrimas. Ally, quando me viu, apressou-se em seguir até a pequena porta onde eu estava encostada. Eu a agarrei em um abraço, quase a lançando ao chão junto a mim. Após alguns instantes atordoada, senti seu braço pequeno e fino envolvendo-me, afagando com meiguice minhas costas. Eu chorei copiosamente, sentindo uma tristeza me esmagar e ameaçando minha saúde física e mental tal qual fizera com Cameron. E mesmo tendo o consolo daqueles braços, algo que Cameron não tinha naquele momento, a dor não diminuiu.
 
...
 
–Tome. –Ela ergueu um copo de água, passando-o para mim. Com as mãos trêmulas eu o peguei, bebendo rapidamente o seu conteúdo. Ally pegou uma cadeira, arrastando-a para perto, sentando-se de frente para mim.
 
–Obrigada. –Murmurei após beber tudo, entregando a ela o copo plástico vazio.
 
–O que aconteceu? –Ela perguntou, jogando o copo em uma lixeira de metal próximo a ela, mas sem tirar os olhos de mim.
 
–Eu estava com o Cameron, cuidando dele.
 
–Está com ele deste o enterro? –Quis saber, curiosa. Assenti. –E você veio de lá agora?
 
–Sim. Eu estou... Eu estava cuidando dele. Ang, eu não o reconheço mais. Esse Cameron é tão diferente do Cameron que eu conheci! Ele quase não dorme ou come. Está usando a bebida como forma de esquecer o que aconteceu. Apesar disso, nós estávamos bem. Ele estava me deixando cuidar dele. Então hoje, do nada, ele me expulsou de casa e ameaçou chamar a policia! –Senti a histeria ameaçando me tomar e respirei fundo, tentando me acalmar um pouco.
 
–Por que ele fez isso?
 
–Não sei. Ele expulsou as empregadas dele por que não queria que elas incomodassem. Com isso não havia ninguém para cuidar dele então eu me prontifiquei em fazer isso. Até pedi demissão para ficar com ele, já que o meu chefe não queria adiantar minhas férias. Cameron estava bem comigo por perto, obedecendo-me. Estava comendo, ainda que pouco, e não bebia como bebeu da vez em que eu o deixei só. E então, subitamente, ele... –Só de lembrar a atitude agressiva o meu peito doía muito. Voltei a chorar, recebendo um cafuné de Ally.
 
–Ele deve estar mal, precisando de um tempo.
 
–Esse é o problema! Ally, Cameron fará uma besteira se ficar sozinho! Eu sinto isso! Eu sou a única que pode cuidar dele! Mas agora o que eu posso fazer? Ele me expulsou, sem um motivo plausível, e ameaça chamar a policia. Posso apostar que fará isso caso eu dê as caras no prédio. –Eu tentava, em meio aquela confusão toda, pensar em uma alternativa. No entanto, as idéias para sair daquela situação e tirar Cameron da depressão me escapavam. E agora, mais do que nunca, eu me sentia impotente. Como eu poderia ajudar alguém que não quer ser ajudado? E o que eu faria caso Cameron se perdesse antes de eu poder fazer alguma coisa?
 
O choro voltou com força, sem que eu pudesse fazer algo para parar. Ally me olhou com pena, ouvindo aos meus lamentos com atenção e preocupação. Ela não poderia me ajudar, eu bem sabia, mas o fato de me ouvir era reconfortante. Lembrei-me que eu a estava atrapalhando, afinal de contas ela ainda estava em seu horário de trabalho, mas não consegui me afastar. Eu ainda precisava da presença daquela amiga tão querida, rezando para as dores que me atacavam pudessem se amainar.
 
Ally ficou calada por alguns minutos, olhando o meu choro com tristeza. Por fim eu consegui alguém controle, principalmente após ouvir o toque do meu celular.
 
–Não vai atender? –Ally perguntou. Eu tirei o celular da bolsa.
 
–Não é uma ligação. Volta e meia o meu celular faz esse barulho. Deve ser alguma mensagem de voz, mas não sei usar o serviço para ouvi-la.
 
–Me dê aqui o seu celular. –Ally o pegou, mexendo em algumas teclas do meu aparelho. –Tem duas mensagens de voz para você. Quer ouvi-las?
 
–Sim. –Murmurei, pegando meu celular de suas mãos. Ally me pediu para apertar o botão OK e eu o fiz, colocando o celular próximo ao meu ouvido. A voz automatizada informou o numero que havia mandado a mensagem, a data e à hora. Fiquei perplexa com os dados antes mesmo de ouvir a tal mensagem. O numero do celular era de Cameron e a data era de uma época quando parecíamos cão e gato, brigando quase que diariamente. A mensagem veio logo depois.
 
Lauren, eu espero que você ouça o que eu vou dizer. Lauren, eu fiz tantas besteiras, eu sei! Eu não sei dizer o porquê eu agi assim, eu só quero dizer que eu... Se eu disser que, apesar de tudo, eu te amo você acreditaria em mim? Talvez não acreditasse, mas espero que acredite. Eu nunca fui tão verdadeiro.
 
–Deus... –Afastei o celular do ouvido, olhando para o aparelho.
 
–O que foi? –Ally perguntou, aproximando mais a sua cadeira da minha.
 
–É uma mensagem antiga do Cameron. Acho que nessa data nós ainda não havíamos nos reconciliado. Nunca ouvi essa mensagem e Cameron nunca falou a respeito. –E as palavras que Cameron proferira na mensagem me tocaram de um jeito poderoso. Então ele de fato me amava antes mesmo de nós nos entendermos? Isso era surreal demais! Tentei me lembrar com mais clareza do dia em questão, tentando adivinhar o que acontecera para Cameron se dignar a mandar aquela mensagem, mas nada me recordei. Ally instigou-me a ouvir a segunda mensagem e prontamente a obedeci. Seria a outra mensagem de Cameron? Eu esperei, após apertar a tecla OK... E o que a voz robotizada falou, informando o numero, data e hora da mensagem, me deixou atônica.
 
–Não pode ser... –Murmurei, com meus olhos fixos no nada.
 
A última mensagem fora deixada no sábado passado, a tarde.
 
A última mensagem era de Sofia Morgado.

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