O jantar foi estranho, preenchido por conversas tensas e silêncios longos. A animosidade no ar quase tocável e algumas poucas tentativas falhas dos seus amigos de desfazê-la.
Até a família de Karl tinha percebido a tensão no ar.
Dream estava quieto.
George ainda estava cansado.
Quando o jantar terminou Dream pediu licença e disse que ia voltar pro quarto.
Os outros continuaram conversando.
George teria ido embora também, de volta para sua cama — mas isso significava voltar para Dream também. E com certeza acabaria em briga de novo e George não queria outra discussão agora.
Ele passa as próximas duas horas pensando em praias de areia e mares azuis. Uma gaivota voando baixo perto do pôr do sol, dedos apontando para ela enquanto passavam uma garrafa de tequila. O dia virando noite e segredos jogados para as estrelas. Ele pensa num banheiro em um aeroporto movimentado. Pensa no peso de uma mala balançando enquanto ele a empurrava. Torneira pingando, a porta abrindo. O casaco vermelho de uma garota, decepção, talvez, no seu olhar. Palavras sendo atiradas, nunca pegas de volta, marcando pele e osso, uma ferida ainda em aberto.
George pensa. Pensa nisso e em como pegar de volta, um jeito de cicatrizar.
Ele pensa em uma ferida mais antiga ainda, que ele mal tinha acabado de curar antes de ter sido aberta novamente. George queria dizer que já a havia esquecido, mas ali estava ela, pele marcada com raiva e suspeita e incerteza — essa era inteiramente culpa do seu pai. George queria dizer que ele conseguia perdoar e seguir em frente, mas parecia que o passado surgia vez ou outra, enraizando-se nele e o puxando para baixo. Ele não era bom nisso, ele queria dizer que era, mas só... não era com ele. Ele lembrava. Remoía. Usava como desculpa para erguer uma barreira entre ele e o resto do mundo e daquilo que ele sabia que só acabaria lhe machucando no final.
E de novo, foi culpa de Dream para começar.
Em algum momento as conversas em volta dele morrem, murmúrios sobre já ser tarde e sobre voltar para os quartos surgindo. Eles deixam o restaurante em direção aos elevadores e George os segue mesmo sem querer. As portas se abrem no corredor do quinto andar, desejos de 'boa noite' e 'até amanhã' são dados, portas fechadas, mais algumas despedidas e ele está só, parado no corredor, a mão na maçaneta hesitando.
Quando George abriu a porta deu de cara com o escuro, ele procurou o interruptor pela parede antes de perceber que Dream já estava dormindo, jogado em um dos lados da cama debaixo dos lençóis. Ele não acende a luz, as cortinas abertas deixavam claridade suficiente entrar para que ele conseguisse enxergar o quarto, seus olhos se adaptando rápido à escuridão.
Ele não queria acordar Dream, talvez fosse melhor assim, ele dormindo não dava nenhuma possibilidade de os dois brigarem.
Silencioso, ele tenta atravessar o quarto sem fazer barulho, as portas de vidro da varanda deslizam e o frio da noite entra junto com o barulho do trânsito. Ele fecha a porta atrás de si e apoia os braços no parapeito, o celular nas mãos, manda uma mensagem para a mãe e fala sobre como foi a viagem, que já estava hospedado, que ele estava bem. Eram 3 da manhã na Inglaterra e era mais do que certo que ela já estava dormindo.
Ele estava enrolando, não queria entrar ainda, escovar os dentes e se deitar, só porque Dream estava lá e seria estranho — como o resto do dia todo, só que pior.
Em algum momento ele cedeu. Já meio congelando por causa do frio da noite, ele faz o que tem que fazer e alguns minutos depois está em pé ao lado da cama, ainda escuro, mas as cortinas continuavam abertas. Dream dormia de barriga para baixo, as costas subiam e desciam de leve, bochecha esmagada contra o travesseiro e o cabelo jogado em volta do rosto, George tinha que apertar os olhos para conseguir distingui-lo no escuro.
Ele hesita e então hesita mais um pouco, antes de levantar os lençóis e se deitar. Os resquícios de cansaço do voo e das últimas noites mal dormidas ainda presentes, apesar do cochilo de mais cedo, então ele só cede.
Quer dizer, era a cama e Dream ou o quê? A banheira? Bater na porta de Quackity?
Ele franze o nariz ao pensar nisso, uma leve careta se formando.
Então, sim, é, ele poderia sobreviver a isso. George ainda refletia sobre tudo aquilo, sobre como ele odiava o Ian Paul d'Claire e no porquê? Por que ele e Dream? Sua sorte estava brincando com ele e se mostrando uma verdadeira vadia.
Estava quentinho, debaixo das cobertas, entretanto. Ele podia sentir o calor irradiado do seu lado direito, de Dream, e de mais perto ele conseguia vê-lo melhor. Mais detalhes, como as sobrancelhas estavam relaxadas, diferente de quando ele estava acordado, a cicatriz na bochecha quase imperceptível (George sabia da história por trás dela), lábios entreabertos, a expressão serena. George queria chegar mais perto e dar um tapa nele, fazer aquela expressão calma desaparecer.
George sabia que estava encarando.
Ele tinha sentido falta de Dream. Ele sentia falta dele e ele estava bem ali. Ele não queria que eles tivessem brigado, não queria ter ido embora. Mas aconteceu.
George vira de costas para ele, passa a encarar as portas de vidro e tenta esquecer isso. Não demora muito para ele dormir.
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Nova York
Fanfiction"George sentia os olhos de Dream queimando na sua pele. Ele só não iria olhar. Não olharia, porque ainda estava fazendo o papel do cara com raiva. E porque ele ainda se lembrava o suficiente da briga que tiveram para estar com raiva. E também porque...