Os pombos sempre voltam

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- O quê? Você está ficando louca? - Agora já no carro, voltando para Santo Aré, Dorotéia ouvia a fala rápida de Edmar vinda do grande celular de Karlene. A foto do contato do moço era de uma viagem que fez a uma praia.

- É realmente tão difícil? Aquele papo de você controlar a indústria farmacêutica era mentira então?

- Tá, tá bom então. Um lote experiental. Nada mais que isso. - Ele se sentiu um pouco ofendido. Era como se sua insatisfação estivesse passando pela linha de telefone.

- E seja rápido. - Karlene clicou no grande botão vermelho. Encerrando por vez a ligação, pelo tão pouco que falaram nessa, Dorotéia já poderia assumir que eles haviam conversado algumas vezes sobre o tal do plano.
Iria mentir, mas não conseguia evitar a estranha sensação de culpa que consumia o interior daquele carro. Dorinha nunca foi de ir contra as palavras de sua amada mãe, afinal ela não iria mentir para a própria filha, iria?

Se ela fosse de capaz de a envenenar, quem poderia dizer que-
- Karlene... você acha...que a mamãe fez o mesmo com o Juninho?

Sim, foi o que Karlene imediatamente pensou. As imagens da manhã subitamente passando em sua mente, os flashs confundindo cada vez nais sua cabeça.
Mas era melhor manter-se calada, pelo menos até o plano funcionar. Seu olhos tremeram e sentiu perder o foco na estrada, de repende as placas eram apenas um plano de fundo.

Ela não era nuito habilidosa na direção, é claro que sempre fora uma motorista conciente, dito isso, ao ouvir o nome de Juninho ela perdeu um pouco o controle.

- Karlene?

Ah sim. Lembrou onde estava, voltando para a mão certa, decidiu não revelar nada por enquanto, mesmo sabendo que Dorotéia provavelmente descobriria cedo ou tarde.
- Há uma possibilidade.

E foram as duas em silêncio.
Dorotéia, não vendo razão pra continuar de pé, dormiu.

Mas enquanto ela pensava apenas em como o tecido da picape de Edmilson precisava ser trocado, o próprio estava com problemas muito maiores em sua mente.
Havia conseguido arrancar a câmera da praça com um galho de manga, ela era exatamente como imaginava.

De perto, na verdade, conseguia ver ainda melhor sua perfeição, nó máximo algumas poeiras decoravam o aparelho. Aquilo nunca havia sido afetado por um pingo de água. Analizar-lo na mesa de jantar de sua casa era muito fácil do que no sol escaldante de Aré.

Mesmo tendo brincado com elas quando era pequeno, só sabia ao ponto de ligar e desligar. Com a falta de tecnologias disponíveis, considerando que seu celular havia...passado dessa para melhor, não conseguia nem tentar ver as gravações.
Decidiu que na perpetual ignorância, o melhor a se fazer era destruir. Ou pelo menos se convenceu disso.

Bateu o martelo. O barulho no chão da madeira incomodava pela sua falta de ritmo, uma batida, duas, três, quatro, a cada martelada a câmera ia ficando cada vez mais desfigurada.

Sexta, na sexta batida, o aparelho desistiu.

O que antes era um marco de sua infância, transformado em sujeitos no chão.

Realmente uma imagem triste de se ver. Tão triste que decidiu limpar o mais rápido possível, pegou uma sacola preta pequena e foi enfiando os destroços na rapidez.
Saiu pela porta de trás, indo deixar o lixo do lado de fora.
As pequenas piscadas de luz vindas da escuridão da caída da tarde confirmou as suspeitas de Edmilson, que naquele lugar haviam outros problemas. Outras câmeras. Essa em particular estava presa no alto de um galho da grande árvore do quintal, apontada diretamente para a porta de trás da casa.

Diferente de sua companheira, agora destruída, Edmilson já conhecia esse aparelho, apenas não lembrava de sua posição. Fazia sentido seu pai colocar uma câmera de segurança, mesmo que estranhamente pequena, no quintal.

Pelo menos é o que ele pensava.

Mas agora, havia começado a pensar mais. A posição não mostraria nada do quintal, não daria nenhuma segurança.
Mas não poderia duvidar de sua família do nada, afinal eles sempre o protegeram não é?

Decidiu não pensar mais no assunto, permitir sua mente desligar por aquela hora. Pelo menos era seu plano, por agora.
Olhou para os céus, ums nuvems escuras aos poucos ganhavam forma...e tamanho. Talvez devia aproveitar o tempo chuvoso para explorar um pouco a casa.

Por mais que havia morado nela por dezenas de anos, a casa parecia ficar maior. Talvez fosse a reforma, talvez era porque ia apenas a alguns quartos, deixando outros completamente vazios de vida, ou talvez estava apenas tempo demais longe.

Mas o tempo que Edmilson estava ao horizonte não se comparava ao mesmo de seu irmão.

Ah sim, seu irmão. Você se lembra dele?

Citado poucas vezes, Edmilson não gostava de falar dele. Seu irmão sempre foi um assunto delicado.
Sempre melhor do que ele em todas as áreas, sempre mais esforçado e sempre mais sucedido.  Sua única falha foi ao casar com uma moça rica de Carapicuíba, e sua punição foi o olhar de desgosto ao assinar o papel de divórcio. Sempre por interesse, por dinheiro.

Mas dessa vez não, dessa vez o motivo era uma certa curiosidade. Afinal quem não ficaria ao receber de repente uma ligação de uma antiga amiga?

Agora já estava na estrada, dirigindo sua maquina com o pequeno container de remédios no banco de passageiro.
Um carro tão bom seguindo uma estrada tão fuleira. Era uma das únicas coisas que Edmar conseguia pensar, afinal era seu carro.

Seu carro era lindo, por dentro e por fora. Uma pintura platinada forte e sem nenhum arranhão recobria o interior forrado no couro de mais alta qualidade.
Ele corria, mas não bebia muito, isso já era o suficiente para impressionar todos seus amige,ar minimamente interessados em carros.

Se seu carro fosse uma pessoa Edmar já teria se casado com ela, mas como não era teve que se contentar com uma mulher de Carapicuíba.

Os diversos tecidos que envoltavam o volante davam gosto ao dirigir, o revertimento anti-sonoro impedia qualquer batulho imundo de o atrapalhar, os couros escuros das poltronas eram os mais confortáveis, e também os mais bonitos.

Havia respirado muito cedo o ar da urbanidade, afinal foi o primeiro pombo a escapar da gaiola. Só pra voltar pra ela nesse dia santo.
Dia que estava agora fechando, olhando dos lados pela rodovia, Edmar começou a rezar para não ter que pegar chuva.

Mas o escuro do céu não era composto apenas pelo andar das nuvens, de música em música tocada em seu rádio o anil ia sendo substituído por uma cor muito mais sombria.

Depois de mais de 40 musicas da Britney Spears, todas elas sendo de cds de sua ex-mulher, já estava escuro e chuvendo, mas pior ainda, já estava em Aré.

O aproximar de um carro tão bonito na noitada, o guardinha que havia apenas começado seu turno noturno. Qual era seu nome mesmo? De qualquer forma, ao se aproximar mais e mais do portão, Edmar teve que criar uma mentira no calor do momento.

- Uma surpresa para meu pai, você estende, não é campeão?

- Uma surpresa para todos, pode passar. Seu pai deve chegar em breve. - Disse abrindo os grandes portões de

- Breve? - Alguns dias a menos não o afetariam tanto, não é mesmo?

As cinco casinhas espalhadas pela cidade não eram páreas para a escuridão chuvosa. Se aproximando conseguia ver apenas os cantos das construções.
Foi seguindo a frente, e seguindo e seguindo. Havia passado um pouco de sua casa, pensou ao senti-se aguarrado em alguma coisa, vendo a frente algumas estacas em sequência.
Saiu do carro para ver o que havia o causado tantos problemas.

Um pedaço de madeira, seu comprimento Não excedia 10 centímetros. Se abaixou para pegar o culpado, Já sentindo-se mal por saber que seu precioso banco de couro seria arruinado.

Entretanto, algo o parou ao meio de sua ação.
Um barulho? Definitivamente de dentro do curral. Não parecia ser de apenas um cavalo.

Já que estava lá, descidiu ver o que era. Pulou a cerca com uma certa dificuldade, fazia um tempo que faltava a academia, e entrou pelas paredes de madeira.

Ouviu o barulho de movimento no feno, o bixo se escondia ao fundo da construção. Se raspando nas paredes, cuidadoso, foi descobrir.

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