Revelações que deveriam ficar escondidas

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- Ele que me convenceu a.... trabalhar para seu pai. Você... você não pode confiar nele!

Vendo seu desespero, Edmar tentou o reafirmar.
- Eu nunca confiaria em alguém como ele. - Mesmo acreditando um pouco em sua própria frase, sabia que confiar totalmente em seu convidado não era uma boa ideia. Karlene também parecia concordar.

- Mas você também não nos conta nada! - Ela se aproximou dos dois, colocando as mãos na cintura em sua irritação. Os olhos de Gustavo correram pela sala em ansiedade, parando finalmente no chão.

- Ele me convenceu a usar caprieta...-disse quase em um sussurro.

- A droga do cavalo?!

Edmar questionou, trabalhando a algum tempo na indústria farmacêutica, ouvir aquele nome lhe dava uma imediata face de indignação. Desde o conceito a execução, tudo aquilo para ele era ridículo. Um atraso.

Levando a Gustavo se encolher, tentando se esconder da situação que ficava cada vez mais vergonhosa, tinha certeza que os dois agora estavam se perguntando quem seria ingênuo o suficiente para se colocar em tal situação, colocou suas mãos aos joelhos se sentindo obrigado a se justificar.
- Eu não tinha lugar para cair morto tabom? Eu vi como uma oportunidade...Ele disse que precisavam testar uma nova versão...tinha mais gente, um menino...

Karlene tremeu ao perceber que as peças estavam se conectando, o que antes poderia ser apenas uma paranoia de sua mente era agora uma verdade óbvia.
- Juninho! - Os dois homens se assustaram com o grito feito abruptamente, Edmar a olhou confuso.

- Mas ele...morreu?

- Eu vi ele perto da lagoa, na verdade...um cavalo se transformando nele. - Karlene se sentou no sofá em que estava o convidado.

- O processo dele deu certo, então ele pode transformar de novo e de novo...eu não tive tanta sorte. O meu foi rápido, me disseram que por isso que deu errado. - Gustavo suspirou como se estivesse cansado. - Eu fiquei preso como cavalo...até agora. O patrão me deu para seu filho, me prometeu que com isso talvez eu pudesse me curar, mas esse tal filho nunca apareceu.

Edmar foi o primeiro dos filhos do dono a fugir, saiu de casa cedo, tão cedo que não lembrava em números. Nunca se apaixonou por nada que fez, mas trabalhar em escritórios parecia o mais longe que poderia chegar do trabalho rural de seu pai. Mas estava errado.
Começou a trabalhar com farmácias por proximidade, e mesmo naquela época, nunca gostou de caprieta, então quando sua mãe comentou em uma ligação, não quis se envolver.

Mesmo assim, era impossível fugir de suas responsabilidades familiares, casou-se e voltou ao Mato Grosso do Sul para o que havia prometido ser sua última visita.
E nessa última visita, recebeu junto com o presente de graduação de Edmilson, um cavalo.

Sim, um cavalo. Ridículo, não? Foi o que Edmar pensou. Talvez hoje em dia sua opinião fosse diferente, mas naquela época o único sentimento que teve no momento foi... ódio? Não que fizesse diferença.

Abandonou o animal assim como abandonou sua família, fugindo de tudo que tinha uma conexão com sua família, incluindo sua moça de Carapicuíba.
Seu irmão dizia que era por interesse, e era, mas não em dinheiro, até por que dinheira ela não tinha. Tratava a moça como um passaporte.

E portanto, quando se divorciou, perdeu a vontade, melhor descrita como obrigação, de ir e vir. E nunca mais voltou. Nunca mais.... até uns dias atrás.
- Eu sou o filho...

Gustavo deixou um "ah" escapar da sua boca, em um tom desapontado. Olhando para seus pés. Imaginou que se tivesse se transformado antes poderia ainda lembrar como andar.
Entretanto, não parecia com muita raiva.

- Tudo bem.... acontece.

- Espera...por que você precisaria da presença dele para se transformar? - Enquanto os dois estavam tendo seu momento emocional, Karlene se enbebedava em confusão. Sua mãe fugiu a tempo de evitar ser uma vítima da caprieta.

- Não sei, colocaram em mim um dispositivo que soltaria o hormônio necessário para transformação de volta, mas o que isso tem haver com localização...essas coisas de tecnologia não tem como eu entender. - pausou - E não é como se fossem me explicar.

- Se vocês dois foram os de teste, devem estar transformando mais gente.

- Mas não tem como eu saber, nunca me contaram nada. - Perdeu a força em sua voz.

- Juninho deve saber. - Karlene estralou os dedos para chamar atenção para si.

Edmar iria perguntar como Karlene planejava fazer isso, mas foi interrompido pelo barulho de destrancar da porta. Edmilson estava cansado, por trabalhar de baixo do sol procurava agora um copo para beber água.

Tendo ouvido a última parte da conversa, já percebendo a um tempo a distância entre os dois, mesmo tendo contado a ela a ocorrência das câmeras depois de muito pensar, resolveu perguntar a Karlene em uma tentativa de finalmente se colocar no mesmo patamar em relação a sua amiga e seu irmão.

- O que sobre o Juninho? - seu tom tinha uma clara raiva, percebida rapidamente pelos outros na sala. Estavam falando sobre seu amigo morto e ainda por suas costas? Não poderia deixar essas coisas passar.

Edmar tentou falar mas foi imediatamente calado por Edmilson, que reforçou querer ouvir da boca de Karlene a resposta.
- Acho que já é hora de te contar. - Karlene olhou envolta recebendo afirmações dos outros dois. - Mas você ouve quieto.

Edmilson pegou dois bancos de madeira da cozinha para ele e Karlene se sentarem, imaginou que a falta de apoio no móvel não era muito ideal para as costas da garota, como uma vingança silenciosa.
Edmar por outro lado estava confortável, por mais que um pouco irritado, no sofá ao lado de seu convidado, que evitava o olhar.

Karlene tentou explicar ao máximo que conseguia o que havia descoberto, não podendo deixar de notar o olhar suspeito que ele levava ao convidado.

- Não, não é isso, meu pai não pode ter feito isso... - Já imaginava que ele não aceitaria.

- Como assim não faria? Você mesmo nos disse sobre o negócio das câmeras.

- Eu não te contei isso para você usar contra mim! - Karlene estava certa.

- Eu não estou dizendo que é culpa sua, mas se conseguirmos conversar com o Juninho - Edmilson disse que não queria ouvir mais daquilo, subiu as escadas de madeira com raiva, entretanto, ao chegar no topo, parou.

- Conversar com Juninho...? - Virou-se lentamente.

- Ele deve saber de alguma coisa.

- Se ele soubesse...ele teria vindo me procurar.

Continuou sua contínua raiva terminando de subir as escadas, escapando para o andar de cima até para o fim do dia e é claro, o começo da tal festa da paróquia.

Se arrumou, colocando sua melhor roupa, sentindo em sua pele seu interior de algodão. Imagina que aquele dia seria o único em que poderia usar uma roupa tão coberta.

Saiu pela porta dos fundos,  já imaginava que veria Edmar e seu "convidado" na sala, a esse ponto olhava para ele com menos desgosto, se tornando um sentimento mais analogo a dó.

Estranhamente, seu irmão estava sozinho, sentado na sala bebendo uma garrafa sem rótulo, mas imaginou que seria algum tipo de bebida alcoólica.
Perguntou se iria a festa e em resposta recebeu um "não" acompanhado de reclamações sobre a falta de sinal. Seu irmão estava tentando trabalhar até mesmo no fim do mundo, admirável, realmente.

- E onde está aquele... moço?

- Lá fora. Disse que precisava...pensar.

E então Edmilson saiu, acompanhado naquele momento apenas pela lua e pela terra seca abaixo de seus pés.

Por enquanto.

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