Funeral da Rosa

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Jorge sempre foi um homem covarde, sempre fugiu das ansiedades da vida. A irritação de quando seus olhos tremiam, ou derramavam lágrimas, não gostava de seus momentos de raiva, da forma que suas sobrancelhas se juntavam ao centro de sua testa. Não poderiam haver surpresas.
Pela cidade de verdade, a capital Campo Grande, rodavam pelas ruas rumores que ele havia ficado louco depois da morte da mulher.

O funeral de Rosanne começou mal, era marcado para começar cedo, não queria ter que queimar as flores no sol do meio dia, e também assim ficava mais difícil para os convidados atenderem a cerimônia. A moça sempre teve mais conhecidos que Jorge, sempre foi mais educada, sempre foi melhor, e hoje Jorge não queria ser lembrado disso.
Levantou as duas horas da manhã e não conseguiu mais dormiu, ainda na casa de Santo Áre, acomodou-se na poltrona marrom do lado de uma janela fina, e fumou. Recebeu uma ligação da empresa que havia contratado para a organização e pensou um pouco antes de atender, afinal havia escolhido eles especialmente por prometerem fazer o mínimo de perguntas possível.

- Senhor....Senhor?- A voz da mulher do outro lado soava extremamente estressada, isso não era oque  estava planejado.

- Nós...perdão senhor...nós perdemos o corpo...

- Alô?....Senhor? - Do outro lado da linha vinha apenas o silêncio, Jorge não havia se movido, o cigarro começava a falhar de sua mão, balançando perto demais da moldura de madeira da janela.

- Então achem.

O atraso quase impossível de se imaginar no papel levou quatro horas para ser resolvido, como se Rosanne quisesse pela última vez, escapar da caixa de vidro. Então o funeral começou, Jorge estava com fome, cansado e quase desmaiando de calor, ficou o resto da cerimônia esperando pelo fim. Olhava seu relógio e consertava sua gravata preta. Esperava seus filhos no portão, o mais velho não vinha e o mais novo ia chegar atrasado, mas o marido estava lá.

- Eae filho.... -  Quando Edmilson finalmente chegou,  Jorge saiu do portão onde estava plantado, se aproximando de forma insegura para perto caixão. Pela primeira vez no dia, e a última vez da vida, Jorge olhou para ela. Seus olhos estavam fechados e calmos, suas mãos entrelaçadas sobre sua barriga coberta de rosas, com o único acessório sendo a aliança dourada de casamento. Em sua boca, ela até parecia estar sorrindo.

Jorge não tinha planejado chorar, e foi horrível, seus joelhos tremeram e se sentiu segurado por seu filho mais novo, que falava coisas inestendíveis. Não tinha nem chuva para esconder a realidade, ele estava destruído, repetindo debaixo dos panos, com a cabeça escondida em suas mãos: "Nunca mais." 

Talvez por isso, quando finalmente passou pela moldura de porta da sala e viu Jonas amarrado com cordas por todo o corpo, nenhum dos músculos em seu rosto se moveu. Olhou para seu filho, e apenas disse:
- Achou ele?

- Achei...

- Que bom Edmilson, reencontrar um amigo assim. Depois de tanto tempo.

- É...e eu encontrei ele solto lá perto do curral...estranho como as coisas são, né? - Os olhos de Jonas, que até agora estavam colados em Jorge, rolaram surpresos até Edmilson. Sua língua nunca foi a afetuosa com a verdade, preferia muito mais palavras soltas e sem comprovação.

- É, tão estranho... - Riu baixo, seu filho mais novo era realmente muito parecido consigo, mas era ainda mais parecido com ela. - Mas, por que ele está todo amarrado assim? - Jorge foi chegando mais perto de Jonas, que sem poder dar um passo para trás, se sentiu preso no fim de uma rua sem saída, não tendo coragem nem de levantar sua cabeça para olhar o outro homem diretamente.

- Eu fiquei com medo sabe, de ele sumir de novo... - Aquelas palavras de Edmilson fizeram os intestinos de Jonas se enrolarem e se estorcerem em si mesmos, carregavam um certo peso que ele ainda não conseguia entender, mas sabia para quem era direcionado. 

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