2. Do inferno ao paraíso

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Três séculos se passaram desde então, e entre altos e baixos de um reinado, Ayumi seguia a sua vida de maneira reta e direita. Vez ou outra ia a Séuthea, para observar o mundo e a humanidade de perto, e naquele entardecer deslumbrante não foi diferente. Ela estava caminhando tranquilamente próxima a uma pequena cidade no interior de um bosque longínquo. Havia casas de madeira e pequenas ruas sem pavimentação. Ela os observava por trás de uma árvore antiga de baobá. Ficou ali quietinha por um bom tempo, até que ouviu gritos e choros vindos da direção oposta à cidadela. Isso a preocupou de certa forma, preocupação esta que a fez ir naquela direção em busca de respostas.

Após passar por uma ponte de madeira cheia de musgo, ela foi surpreendida por duas crianças, um menino e uma menina, que esbarraram nela. Eles estavam apavorados, o que a levou a perguntar:

— O que houve, crianças? Cadê os pais de vocês?

O garotinho de olhos azuis e chorosos olhou para a garotinha de olhos verdes, que também chorava. Ambos estavam sujos e usando trapos. Com dificuldade, o menino respondeu entre soluços:

— O nosso pai... Ele pegou um martelo... e... e...!

— Começou a martelar a cabeça da nossa mãe, buá, buá! — a garotinha ajudou-o a falar, em prantos.

— Acalmem-se, crianças — disse, acariciando os cabelos claros dos jovens. — Digam-me: são irmãos?

— Não, digo...

— Adotados — a garotinha mais nova respondeu pelo menino, que estava bem mais apavorado do que ela.

— Ok, então não são irmãos, certo?

Os dois assentiram em conjunto, enquanto se abraçavam. Ayumi olhou para eles com olhar de ternura e compreensão, sabia que não era o momento de fazer perguntas, sabia que algo relativamente ruim aconteceu com essas crianças e queria estar presente quando eles se sentissem mais tranquilos em contar, foi aí que lhe ocorreu uma ideia.

— Crianças — ela disse, se ajoelhando para ficar do tamanho delas —, gostariam de morar comigo?

As crianças olharam para ela com certa insegurança, porém acabaram cedendo àquele olhar encantador e terno. Ela tocou na pontinha do nariz de cada um, primeiro no menino e depois na menina. Com certa timidez, eles acabaram dando um leve sorriso ao qual não conseguiam explicar de onde vinha. Como era possível sentir-se feliz após tanta dor? Eles não compreenderam, apenas agarraram na mão dela, no momento em que ela ficou de pé e lhes estendeu as mãos.

Naquele entardecer belo, a deusa caminhou, guiando as duas crianças pelas mãos, e desapareceu em meio ao bosque coberto pelas cores do outono, a vagar pelos céus. Ao chegarem naquele mundo, os pequeninos se depararam com uma paisagem de beleza descomunal. Viram à sua frente um belo jardim repleto de árvores com folhas rosadas e delicadas. Olharam para o céu e viram grandes nuvens de tempestade. Ventava muito naquele momento e o céu dava claros indícios de chuva.

— Não se assustem com os trovões, crianças — ela disse, com um sorriso no rosto, abraçando cada um deles de um lado — aqui sempre chove — ela explicou — bom, quase sempre. Vocês gostam de chuva?

— A Dina não gosta de chuva, ela tem medo de trovões — respondeu o menino.

— Fica quieto, Max! Eu não tenho medo de chuva! — resmungou, cruzando os braços e fazendo biquinho.

— É claro que tem, no orfanato você sempre pedia para eu te abraçar até a chuva passar, lembra? — ele argumentou, sem entender muito bem que aquilo a envergonhava.

— Escute, Dina — a deusa disse, segurando o rostinho emburrado da menina de ambos os lados — não precisa se envergonhar de ter medo da chuva e, o mais importante, aprender com seus medos. Tente ver o lado bom disso, foi isso que te aproximou do Max, não é, querido? — disse olhando para Max e apertando sua bochecha.

Kronedon - O Ciclo Ancestral [1° Livro Da Saga Ancestral]Onde histórias criam vida. Descubra agora