12. Tudo por aquele jantar

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Em Sóya, a chuva continuava a cair, fria e suave, batendo contra as folhas e o solo num ritmo frenético que parecia interminável, mas que, curiosamente, trazia uma paz sutil aos ouvidos de Kronet. A água escorria pelos telhados e pelas árvores, formando pequenos riachos que serpenteavam entre as raízes e as pedras, enquanto o som suave da tempestade preenchia o ar. Para muitos, aquilo poderia ser um incômodo, mas, para Kronet, era uma das poucas noites em que ele podia folgar. Ele havia passado o bastão de Deus do Tempo, ainda que temporariamente, para Kenji Yamazaki, seu fiel substituto. Kenji, sendo um anjo, desconhecia o que de fato significava dormir; era uma máquina divina de vigilância incansável.

Para alguns, poderia parecer uma anomalia, uma crueldade quase irônica. Enquanto os deuses tinham necessidades tão humanas — comer, tomar banho, dormir e até se entregar aos prazeres carnais —, os anjos haviam sido projetados para ser o apoio absoluto. O mundo, afinal, não pararia na ausência ou no retiro dos deuses. Eles tinham seus intervalos, seus descansos forçados, mas não os anjos. Eles existiam para operar incessantemente, garantindo que o cosmo continuasse seu curso, mesmo que as divindades precisassem de um momento de fraqueza ou distração.

Kronet, no entanto, não se permitia muitos momentos de distração. A última das necessidades que outros deuses consideravam fundamentais, ele descartava com facilidade. Nunca fora um dos que sucumbiam aos prazeres do corpo, mantendo-se sempre centrado em suas obrigações como Deus do Tempo. Contudo, essa dedicação inabalável vinha com um preço: horas extras sem fim, compromissos que nunca cessavam. E naquela noite, por mais que fosse uma de suas raras folgas, o cansaço finalmente o havia feito refém.

Após um jantar conturbado, restou-lhe apenas uma fome miserável, daquelas que só a frustração amplifica. Ele não conseguira comer o que realmente queria; tudo o que lhe deram foi uma maçã — um único pedaço de fruta, ofertado por Hiroto. Era um gesto simbólico, sem dúvida, mas não tinha sido o suficiente para saciar sua fome verdadeira. Seu estômago roncava agora como o motor velho de um Fusca, emitindo sons que cortavam o silêncio do quarto e rivalizavam com a tempestade lá fora.

Aparentemente, sua noite de folga estava muito longe do que ele havia imaginado. Nada parecia estar no lugar; o mundo estava desalinhado com suas expectativas, fora de eixo para aquela noite chuvosa e úmida que, em outras circunstâncias, poderia ser relaxante. Ele bufou em desagrado, rolando na cama, tentando encontrar uma posição que aliviasse o vazio doloroso em seu estômago, que agora parecia pronto para gritar de tanta fome. "Relaxante?", ele pensou, amargo. "Seria, se eu tivesse comido aquela leitoa com a maçã na boca."

Ele se virou novamente, desta vez assumindo uma posição fetal, os braços apertados contra o estômago, os olhos fixos nas grandes vidraças que adornavam o ambiente. Através do vidro, ele observava a tempestade, os clarões relampejando no céu e lançando sombras dançantes por todo o quarto. O brilho da chuva refletido nas vidraças trazia um toque quase melancólico ao seu humor, enquanto ele pensava em como um simples desejo não realizado podia transtornar tanto sua paz. Ele se sentia tolo, mas não podia evitar; sua mente continuava voltando àquela mesa, ao cheiro da comida que não pôde comer, ao desejo frustrado que agora o corroía por dentro.

E assim, ele permaneceu, inquieto e frustrado, enquanto a chuva continuava sua sinfonia do lado de fora, cada gota um lembrete da fome insaciável e da noite que deveria ter sido de descanso e tranquilidade.

— Merda! Não aguento mais! Eu vou ficar maluco! Vou ficar doido! — esbravejou, numa crise de abstinência que o impulsionou a levantar abruptamente da cama. Jogou os cobertores para o lado e bagunçou os cabelos como um louco. Seus olhos amarelos, arregalados como uma bola de bilhar, eram a prova de seu surto por um prato de comida.

No decorrer de seu surto, várias hipóteses surgiram em sua mente. Uma delas, a mais fácil, era descer para o térreo e invadir a despensa. A mais difícil? Voltar no tempo e comer tudo o que tinha direito antes de pegar fogo no parquinho.

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⏰ Última atualização: Sep 28 ⏰

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Kronedon - O Ciclo Ancestral [1° Livro Da Saga Ancestral]Onde histórias criam vida. Descubra agora