Do outro lado da moeda, porém, Ayumi não estava nem um pouco contente com o desenrolar daquela discussão no salão de jantar. Logo que seus filhos se dissiparam para longe de sua vista, ela se viu confrontada por Foxy, que, rebelde como era, se recusou a dar um passo fora daquele recinto.
— Foxy, eu disse... Que o jantar terminou. Não ouviu? — articulou com uma expressão nada amigável.
— Sim, eu ouvi. Mas a questão é: você está ouvindo o clamor da sua filha? Está prestando atenção no clamor silencioso da minha mana? — contestou de braços cruzados.
— Eu é que te pergunto: desde quando você tem permissão para falar assim com a sua mãe?
— Não me leve a mal mãe, só quero que pense bem no que vai fazer quando a bomba relógio dentro da Arântola explodir. Com licença.
Foxy segurou ao máximo as lágrimas diante da sua mãe. Não tinha certeza se havia conseguido manter sua postura de valente na frente da mãe e não queria chorar em hipótese alguma na frente das outras entidades ali presentes. Isso seria como ferir seu próprio orgulho, o seu orgulho de uma fera que mesmo ferida não chora. Bom, ao menos na presença dos outros. Ela então virou as costas para a mãe, e mordeu os lábios para não chorar. Cerrou os punhos e seguiu o seu caminho para fora do enorme salão. A cada passo que dava, mais pesava o fardo que carregava. Porém, manteve sua postura até dobrar o arco da porta à esquerda. Com a mão esquerda, a jovem deusa tateou a parede fazendo-a de apoio. No mesmo compasso de seus passos, as luzes daquele imenso pórtico se acendiam dando ênfase às suas lágrimas que rolavam. Sua cauda, agora enrolada na cintura, não tinha o mínimo desejo de abanar como a de um cãozinho alegre.
Não gastou nem mais cinco passos para ela, parar e encostar na parede. Se era para chorar, ela faria isso dignamente, olhando para a lâmpada no teto e desejando do fundo da alma que uma claridade intensa como aquela fosse capaz de clarear a cegueira da mãe em enxergar o óbvio. Lá fora, as folhas dos salgueiros balançavam ao vento, enquanto a escuridão, em contraste com as luzes do pórtico, formava silhuetas um tanto assustadoras.
Após olhar por alguns segundos para a luz, ela se permitiu fechar os olhos, forçando mais lágrimas a saírem enquanto, em pensamento, desabafava em silêncio: "Até quando, até quando iremos suportar isso, oh céus, o que será de nós se não mais formos capazes de controlar isso que em nós habita? Se fosse o Hiroto e não nós, ela teria feito algo, ou ao menos teria notado."
Ela teria continuado com suas lamúrias se não fosse por um evento inesperado a pegar desprevenida. Uma mão se colocou sobre os seus ombros e uma voz aveludada acariciou seus ouvidos.
— Filha?
Foxy arregalou os olhos e desesperadamente tentou secar as lágrimas que desciam por seu rosto.
— Está chorando? — Ayumi perguntou.
— Chorando? De onde tirou essa baboseira de que estou chorando? Hum, Foxy Arcântheon chorando... Essa é boa... — murmurou em uma forma inútil de disfarçar suas lágrimas que continuavam a deslizar por seu rosto sardento.
— Tem certeza?
— Não, eu não tenho certeza mais de nada! — disparou chorando feito uma criança. — Eu não aguento mais isso. Não aguento mais ficar calada. Eu preciso gritar isso que tá' entalado na minha garganta...
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Kronedon - O Ciclo Ancestral [1° Livro Da Saga Ancestral]
RomanceAyumi é uma deusa bondosa e muito poderosa, que vê sua vida ser abalada após selar um acordo com um fantasma de seu passado que não lhe deixou alternativa a não ser aceitar. Entre as condições do acordo estava a de ser mãe dos filhos de seu pior ini...