10. Visita Inesperada

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O frio gélido e seco que abraçava Foxy no alto daquela colina era bem parecido com o frio acima das nuvens. A única diferença era a presença da chuva, que, em abundância, caia sobre o recanto dos deuses, ecoando o seu tilintar — ora suave, ora intenso, mas sempre no ritmo certo para anestesiar os pensamentos conturbados de Ayumi.

De pé, ela admirava melancolicamente as gotículas da chuva deslizando pela vidraça embaçada do quarto de Hiroto, onde aguardava pela chegada do filho, que naquele momento estava sob os cuidados de Belinda, no banheiro, travando para higienizar o jovem deus com um bom banho quente.

Vez ou outra, Ayumi alternava o seu olhar entre as grandes vidraças e a porta do banheiro. Sinal claro de que a chuva não estava sendo forte o suficiente para manter a mente e a tranquilidade dela.

Ela nunca teve medo de perder seus entes queridos, pois, afinal de contas, a morte não era algo capaz de alcançar o pedestal dos deuses. Contudo, havia destinos piores que a morte, e se Éron continuasse, em algum momento, encontraria formas alternativas de fazer o irmão mais novo sofrer.

Com o coração apertado, ela abraçou a si mesma, permitindo que seus dedos, delgados e trêmulos, amassassem de maneira rígida as mangas de seu robe, enquanto se afastava das grandes vidraças e também das enormes cortinas que semiescondiam o temporal que, sem piedade, engolia o mundo.

As vidraças iam do chão ao teto e se estendiam da direita à esquerda, sendo, de certa forma, uma das paredes do quarto — uma parede de vidro que, naquele momento, não era o suficiente para Ayumi enxergar os medos guardados no azul de seus olhos. Essa responsabilidade era dos espelhos altos e largos que cobriam completamente o lado esquerdo da parede.

Esses grandes espelhos guiaram e chamaram a atenção de Ayumi, que caminhou descalça sobre o carpete branco que cobria todo o piso do quarto. A cada passo que dava em direção ao seu reflexo, maior e mais clara ficava a sua visão de si mesma. Seus cabelos, ainda molhados pela chuva fria, desciam, lisos e bem penteados, pelas suas costas. A sua postura em frente ao espelho era imponente e ereta por fora, mas seus olhos eram a prova de uma postura emocional quebrada e sem esperanças.

Enquanto olhava para si, só conseguia ver a verdade. Aquele espelho, apesar de comum, lhe mostrava o abismo entre o que ela realmente sente e aquilo que demonstra ser.

"Ayumi, Ayumi", pensou. "Até quando manterá essa postura forte? Até quando terei que lutar contra tudo isso sozinha? Eu amo demais os meus filhos. Mas..."

Antes de pensar ou sequer concluir seus pensamentos, a deusa libertou-se de seu próprio abraço e estendeu o braço direito, rumo ao espelho. Com as pontas dos dedos, tocou em seu próprio reflexo e, com um olhar triste e abatido, completou em um sussurro:

— ...Me diga, Ayumi? Como irei dominá-los sozinha?

— Está se equivocando, querida.

— Hideki? — sobressaltou-se ao ver que não era a única de pé, perante o espelho. — O que faz aqui? — completou, olhando para ele. Ele estava de pé atrás da mesma e, de maneira gentil, a abraçava pelas costas, causando arrepios involuntários em Ayumi. A presença dele mexia com seus hormônios. É verdade que já deitou-se com ele várias vezes, mas sempre que estava na presença dele, o via e o sentia como se fosse a primeira vez.

— Vim ver você — ele respondeu. — Não sei por que, mas senti que era necessário vir para o pedestal dos deuses.

— Tem certeza? — argumentou, inclinando e repousando sua cabeça sobre o peito de Hideki.

— Absoluta — afirmou, dando-lhe um beijo acima da orelha.

— Sabe, Hideki? Estou com medo.

Ao ouvir isso, Hideki rompeu aquele abraço com delicadeza, permitindo que a deusa se desvencilhasse de sua própria imagem refletida no espelho, induzindo-a a fitar diretamente seus olhos.

Kronedon - O Ciclo Ancestral [1° Livro Da Saga Ancestral]Onde histórias criam vida. Descubra agora