— Ela está lá embaixo, não é? — Foxy concluiu, sem tirar os olhos daquelas nuvens que se estendiam como um tapete diante de seus olhos e que, em sua concepção, eram a porta de escape para Arântola.
— Sim, as chances dela estar lá embaixo são grandes — Ayumi respondeu, tirando as mãos dos ombros dela.
— Como pode ter tanta certeza?
— Eu não tenho. É apenas um palpite — tentou sorrir. — Sabe, Foxy, no passado, eu passei por uma situação parecida e o pai de vocês também. A diferença é que ele nunca deixou Tenkay escapar pelos dedos. Já eu...
Sim, era um assunto delicado para Ayumi. Ela sempre se envergonhou por não conseguir mais trazer Effer à vida. Isso ficou claro, mesmo que de maneira subentendida por seus filhos. Não apenas Foxy, mas também Hiroto e Demétrio notaram, pelas notas de sua voz e no silêncio repentino de seus lábios, que era algo que, de certa forma, incomodava a mãe. Mas a única a usar de sua tagarelice foi a raposinha.
— Não consegue se transformar, não é? — disse erguendo os pés do chão. Ah, Fox! Por essa, nem Ayumi esperava.
A ruiva surpreendeu a todos ao usar sua cauda como um banco para se sentar, enquanto suas pernas se cruzavam em posição de meditação. É claro que os braços cruzados quebravam a imagem de uma deusa do sétimo céu em sabedoria.
— Sabe, Hiro... — Demétrio cochichou-lhe no ouvido ao presenciar tal bizarrice. Hiroto, por sua vez, olhou com escárnio para a mão de Demétrio que usava seu ombro como cabide. Pensou em repreender o irmão, mas decidiu seguir o barco e ouvir em silêncio o que Demétrio tinha a dizer — Ter uma cauda parece ter ótimos benefícios... — o deus da colheita completou seu raciocínio.
— Concordo — Hiroto assentiu, carregando certo orgulho e admiração em seu olhar. — Ser diferente nem sempre é algo ruim.
E foi com essas palavras e com os olhos repousando nas costas da irmã e da mãe que o silêncio reverberou entre os irmãos e que Foxy continuou:
— Tive problemas com a Kira algumas vezes.
— Teve?
— Sim, a Kira é teimosa como eu e não gosta de receber ordens. Levou tempo até entrarmos em um consenso.
— Como assim? — Ayumi indagou ainda sem compreender as palavras da filha.
— Bom, o que eu estou tentando dizer é que a Kira é o espelho daquilo que eu sinto e penso, mas é um ser completamente independente.
— Mas como conseguiu domá-la? — Ayumi perguntou, enquanto sentia o vento lhe tocar o rosto. Aquele vento trazia consigo o aroma fresco da chuva iminente, que estava prestes a envolver o ambiente em seu abraço refrescante.
— Confiança.
— Confiança... — Ayumi repetiu em sussurrou uma palavra que para Hiroto e Demétrio não significava nada, mas que para Ayumi passou a fazer total sentido. Tanto que por alguns instantes ficou inerte com os olhos vidrados no abismo. Seu corpo físico estava ali, mas seus pensamentos estavam longe demais para serem ouvidos por seus filhos.
— Sim, confiança — Foxy afirmou com uma convicção que chegava a assustar. Era assombroso ver tanta sabedoria em uma deusa que há tão pouco tempo saiu do berço.
Ayumi olhou para ela e notou que a ruiva soltou as pernas rumo ao chão e afrouxou a cauda até que a mesma estivesse eriçada para cima. Ela então virou-se de costas para o abismo e, olhando para o céu, afirmou:
— Confie, apenas confie...
Aquelas palavras soaram muito suspeitas, tão suspeitas ao ponto de plantar nos olhos de Demétrio e de Hiroto a curiosidade de que ela faria algo insano demais...
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Kronedon - O Ciclo Ancestral [1° Livro Da Saga Ancestral]
RomanceAyumi é uma deusa bondosa e muito poderosa, que vê sua vida ser abalada após selar um acordo com um fantasma de seu passado que não lhe deixou alternativa a não ser aceitar. Entre as condições do acordo estava a de ser mãe dos filhos de seu pior ini...