|3 - O azar tem suas faces|

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Com as palavras de Mina ecoando no saguão, Eunji olhou intrigada para sua hóspede. Ergueu as sobrancelhas antes de repetir:

Myoui Calamidade?

— Isso mesmo. Uma azarada. — Disse Mina, abaixando-se para apanhar suas coisas. — Um vento ruim que só traz acontecimentos desastrosos.

A série de amuletos voltava para o interior da bolsa: a ferradura de acrílico com o trevo de quatro folhas no meio, o pé-de-coelho, o saleiro e o pedaço de madeira esculpida. Todos desapareceram na bolsa larga de couro. Ela então ergueu os olhos para Jeongyeon.

— Não acredito em...

— Já sei. — Completou Mina. — Já ouvi dizer. Mas não importa se você acredita ou não. O fato é que sou azarada. Quando estou por perto...

Os dedos de Eunji agarraram a mão livre de Mina, interrompendo-a.

— Venha para cá. — Disse ela, caminhando para uma sala estreita e comprida com a hóspede.

O extremo oposto exibia uma grande escrivaninha, ladeada por arquivos altos de carvalho. Próximo à entrada, a luz do sol incidia sobre um sofá em tons de bege e castanho. Eunji indicou-o com um gesto para que Mina se acomodasse. Em frente à ela, a mais velha sentou-se numa poltrona de braços estofada em tons florais. Com um olhar ela conseguiu que Jeongyeon sentasse na cadeira de madeira ao seu lado.

— Agora podemos conversar. Pelo telefone Jeongyeon me contou que você encontrou algumas situações difíceis nos últimos dez dias. Agora está afirmando que é azarada e quero saber o que quer dizer com isso. Não as definições, mas quero que me explique porque você se considera Myoui Calamidade.

Mina começava a superar o embaraço de ver todos os seus talismãs expostos a duas estranhas. Não pretendia falar daquele assunto com elas. Sua história era longa. Era ridícula. Entretanto havia algo nos olhos firmes daquela mulher que a fez começar falar.

— Foi o apelido que minha mãe me deu. Ela não falava para me ofender, era mais uma brincadeira. Sempre dizia que eu não tinha culpa de ser azarada. Fui concebida numa noite de lua cheia, sexta-feira treze. Também sou canhota e tenho olhos de cor negra.

O olhar de Eunji assumiu um ar de incredulidade.

— Sua mãe sabia em que noite você foi concebida?

Mina assentiu com um gesto.

— Ela só tinha dezesseis anos quando conheceu meu pai e só fez amor uma vez. Ele era um acrobata aéreo, sabe? O jovem corajoso no trapézio. O Grande Akira... minha mãe disse que foi amor à primeira vista. Talvez para ela tenha sido. Minha mãe sempre se apaixonou com muita facilidade. — Narrou Mina, parando um pouco para tomar fôlego e sorrindo. — De qualquer forma, ele partiu antes de minha mãe ficar sabendo da gravidez. Minha avó morreu quando minha mãe era pequena, portanto ela só tinha o pai. Ele era pastor. Um homem que fazia discursos inflamados, pelo que minha mãe contou. Foi em alguma cidade do Japão, ela nunca me disse qual. Pouco tempo depois de saber que ficara grávida, ela se juntou à primeira caravana que passou pela cidade. Conseguiu um emprego como cartomante e começou a chamar a si mesma de Myoui Bonnie.

— Como ela fez a mudança de nomes? — Quis saber Jeongyeon.

Mina permitiu-se um pequeno sorriso. Apenas uma detetive faria uma pergunta como aquela.

— Não sei. As pessoas no circo são muito independentes e protegem umas às outras. Só sei que o nome de minha mãe na minha certidão de nascimento é Myoui Bonnie. E ela tem uma carta de motorista com este nome.

— E o nome de seu pai? — Indagou Eunji.

Mina mordeu os lábios.

— Minha certidão diz: desconhecido. Minha mãe só o conhecia pelo nome de circo: Akira. Ela conta que fugiu para impedir que os discursos inflamados do pai dela me afetassem. Mas acho que fez isso porque tinha essa fantasia de encontrar meu pai em algum lugar longe dali e casar com ele. Depois nós três viveríamos felizes para sempre.

Gatos Pretos, Amuletos e Mais Mil Coisas de Azar - JeongMiOnde histórias criam vida. Descubra agora